
A possibilidade de as refinarias importarem etanol do Brasil e
biodiesel da Argentina para cumprir as metas de mistura obrigatória de
biocombustíveis nos Estados Unidos levou o chefe da Agência de Proteção
Ambiental (EPA), Scott Pruitt, a repensar os índices atuais. É o que
dizem fontes próximas à administração do programa.
Teria sido esse o
motivo do atraso na publicação da proposta da EPA para 2018, segundo
quatro fontes que estão acompanhando as deliberações. Pruitt estuda uma
redução nos volumes obrigatórios para que as refinarias possam
preenchê-los majoritariamente com etanol de milho e biodiesel de
fabricação local.
A EPA já havia enviado uma proposta à Casa Branca,
que fixava o volume de mistura em 15 bilhões de galões (57 milhões de
litros) de combustível renovável, mas, por temor às importações, o órgão
está sendo levado a refazer suas contas, segundo fontes que pediram
anonimato.
O debate surge num momento em que o presidente Donald
Trump começa a botar em prática a política America First nas relações
comerciais. Numa tentativa de respaldar empresas americanas e resguardar
a segurança nacional, o governo estuda a imposição de tarifas
alfandegárias sobre produtos importados como o aço e o alumínio. Após
reunir-se com o presidente sul-coreano Moon Jae-in, na última quinta,
Trump afirmou que o país asiático precisa parar de exportar “aço com
dumping” (preço artificialmente baixo para destruir a concorrência) para
o mercado americano.
No começo de junho, num discurso em Iowa
tratando dos esforços para priorizar a energia gerada nos Estados
Unidos, Trump declarou: “Por sinal, estamos salvando as usinas de
etanol”. Na semana passada, ele exaltou ainda a “superioridade
energética americana” e a capacidade de as exportações americanas
suprirem as demandas energéticas mundiais.
As controvérsias
comerciais já contaminaram o mercado de biocombustíveis. Produtores
americanos de biodiesel entraram com uma representação contra as
importações vindas da Argentina e da Indonésia, pedindo que o governo
crie tarifas alfandegárias para compensar os subsídios injustos e o
dumping praticado por esses países.
Ao contrário do que acontece com
essas investigações comerciais, a EPA tem um poder limitado para
desestimular a importação de biocombustíveis pelas regras do programa,
instituído pelo Congresso. O programa visa a fomentar a produção de
combustível local, mas suas cotas se aplicam a todos os combustíveis
renováveis, não importando a origem.
Se a EPA vier mesmo a tomar
medidas para restringir as importações, o resultado pode ser um salto no
valor dos créditos usados para o cumprimento das metas, o que
“encareceria o custo para o consumidor de forma expressiva”, segundo
Mike McAdams, presidente da Advanced Biofuels Association.
“Se você
quer mandar a conta para o consumidor, Sr. Secretário, vá em frente e
reduza a cota para combustíveis importados com sua míope política de
América em primeiro lugar”, afirmou o presidente da associação, que
conta com produtores brasileiros entre seus filiados. “É preciso
importar para atender às metas”, acrescentou.
Os atrasos podem
dificultar o cumprimento do prazo legal (até 30 de novembro) para
finalizar as cotas de biocombustível para o próximo ano. O governo Obama
perdeu esse prazo repetidas vezes, só vindo a conseguir divulgá-las a
tempo no ano passado. Pruitt prometeu respeitar o cronograma do programa
e “honrar a vontade” do Congresso ao promulgar a mistura obrigatória.
Nenhum representante da EPA consultado pela reportagem quis comentar a respeito do assunto.
Pelas
regras da Norma para Combustíveis Renováveis (RFS), instituída em 2005
pelo Congresso, as refinarias podem recorrer a importações para cumprir
parcialmente as várias metas do programa e sanar déficits de
abastecimento. Exemplo: embora utilizem etanol de milho fabricado nos
Estados Unidos para cumprir a maior parte do volume obrigatório de 2017
(15 bilhões de galões de renováveis convencionais), as refinarias estão
importando biocombustível para fechar a meta.
Segundo dados da
Secretaria de Informações Energéticas dos EUA, o país importou 36
milhões de galões (136 milhões de litros) de etanol brasileiro no ano
passado. Em 2012, foram 400 milhões de galões (1,5 bilhão de litros). De
acordo com esses mesmos dados, as usinas americanas produziram um valor
recorde de 15,3 bilhões de galões (58 bilhões de litros) de etanol em
2016.
A EPA é encarregada de fixar as cotas específicas anuais, mas
possui autoridade limitada para alterar objetivos estatutários e reduzir
metas. Além disso, a margem de atuação da EPA foi posta em dúvida por
uma ação movida pelo setor de biodiesel, em tramitação na Justiça
federal, questionando os poderes legais conferidos à agência durante o
mandato do presidente Barack Obama.
Além da meta global para
biocombustíveis, a EPA define parâmetros para o biodiesel, normalmente
de soja; para os biocombustíveis avançados, que emitem menos carbono; e
para o etanol celulósico, derivado de matérias-primas como resíduos
agrícolas e algas.
O etanol de cana fabricado no Brasil entra na
categoria “biocombustível avançado”, servindo, portanto, para preencher
duas cotas diferentes: a de biocombustíveis avançados e a de
combustíveis renováveis global.
O biodiesel importado é
particularmente útil porque vale na composição de três diferentes cotas:
a de avançados, a total e a de biodiesel. Pelas regras do programa, as
refinarias recebem 1,5 crédito para cada galão de biodiesel misturado
aos derivados de petróleo
(Bloomberg, 3/7/17)