"O
efeito econômico, no entanto, reconhece o impacto positivo que menores
taxas de tributação possuem sobre o trabalho, a produção e a
empregabilidade — conseguintemente sobre a base tributada — ao fornecer
incentivos ao crescimento dessas atividades. Aumentar a tributação tem o
efeito econômico contrário, ao penalizar a participação nas atividades
tributadas[1]".
No final do ano de 2016, a figura do
investidor-anjo passou a constar expressamente da Lei Complementar
123/2006[2] (que trata das microempresas e empresas de pequeno porte),
após sua modificação pela Lei Complementar 155/2016. Esse tipo de
investidor aporta capital em start-ups, empresas geralmente em
estágio embrionário, na busca de desenvolvimento de modelo de negócio,
por meio de ideia ou conceito inovador.
A partir de então,
criou-se grande expectativa em torno de como o Leão taxaria a atividade
dos anjos... e seu rugido não agradou aos investidores. A regulação dos
efeitos tributários dos ganhos advindos do aporte de capital feito pelo
investidor-anjo, por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil,
consta da Instrução Normativa 1.719, de 19/07/2017, publicada em
21/07/2017[3].
A norma, que é ato administrativo infralegal,
dispõe, em suma, que os ganhos auferidos pelo investidor-anjo, em razão
do aporte de capital, sejam tributados pelo Imposto sobre a Renda Retido
na Fonte, calculados nas alíquotas de 22,5%, 20%, 17,5% e 15%, cuja
regressão se dá tão maior seja o prazo do contrato de participação
firmado entre o investidor-anjo – até 180 dias, de 181 a 360 dias, de
361 a 720 dias e acima de 720 dias, respectivamente (artigo 5º e incisos
do caput).
Basicamente, quando o rendimento é pago, verifica-se
quanto tempo se decorreu do aporte e aplica-se a alíquota de acordo com o
prazo (artigo 5º, parágrafo 3º). Além disso, há custos de conformidade,
pois “a sociedade que admitir aporte de capital deverá manter controles
que permitam verificar a correta apuração da base de cálculo do imposto
(...)” (artigo 5º, parágrafo 4º).
Nesse ponto, quero chamar
atenção para a frase que inaugura o presente texto. É de autoria do
economista Arthur Laffer, graduado por Yale, com PhD em Stanford,
reconhecido por ter sido um dos conselheiros econômicos do governo
Ronald Reagan (EUA). Sua mais lembrada contribuição é a famosa “Curva de
Laffer”, que sintetiza a ideia de que a tributação tem a capacidade de
interferir na atividade econômica, de modo que a elevação da incidência
tributária pode afetar, negativamente, a atividade desenvolvida.
No caso do investimento nas start-ups,
a interferência da IN RFB 1.719/2017 tende à inviabilização do mercado
recém-nascido. Para elucidar a questão, a ideia da “Curva de Laffer” é
simples: se a tributação é de 100%, ninguém irá mais se engajar na
atividade tributada; se a tributação é de 0%, a arrecadação sobre a
atividade inexiste, e o Estado terá que aumentar a tributação sobre
outras bases para se compensar, perfazendo oneração “artificial”,
ferindo a justiça fiscal. Em outras palavras: há uma gradação para que a
interferência estatal por meio da tributação não inviabilize nem a
atividade em si, nem a arrecadação decorrente dela.
A ilegitimidade da IN RFB 1.719/2017 decorre justamente do desincentivo aos investimentos em setor (mormente as start-ups)
que necessita, comumente, de aportes de capital não tão significativos
do ponto de vista de quem investe, mas de extrema importância para quem
os recebe.
A ilegitimidade tratada, pois, afere-se do ponto de
vista econômico-político sobre a norma. Tanto o é que a entidade com
maior grau de representatividade dos investidores-anjo, a Anjos do
Brasil, vem se manifestando contrária à medida administrativa da RFB[4].
De
fato, não é razoável que a Receita Federal tenha poderes para tornar
natimorto um mercado promissor, ao tratar da tributação dos ganhos
advindos do investimento-anjo, matéria que, em primeiro lugar, cabe ao
Poder Legislativo, pois reservada à lei em sentido estrito, como
determina o artigo 150, I, da Constituição Federal[5].
Com efeito,
observando o sistema constitucional tributário do país, conclui-se pela
ilegalidade do tratamento dado ao investimento-anjo pela IN RFB
1.719/2017. Essa conclusão decorre da natureza jurídica dos rendimentos
recebidos pelo investidor-anjo, referentes a seu aporte de capital antes
realizado. De acordo com a Lei Complementar 123, esse investimento
“(...) fará jus à remuneração correspondente aos resultados
distribuídos, conforme contrato de participação, não superior a 50%
(cinquenta por cento) dos lucros da sociedade (...)” (artigo 61-A,
parágrafo 6º).
Em síntese, o Fisco, por meio de ato infralegal,
replicou a tributação incidente sobre os rendimentos e ganhos líquidos
auferidos nos mercados financeiro e de capitais e aplicou-a aos
rendimentos do investidor-anjo. As alíquotas previstas na IN RFB
1.719/2017 são as mesmas presentes na IN RFB 1.585/2015.
À
primeira vista, percebe-se a injustiça fiscal de aplicar a tributação
relativa a um setor robusto da economia brasileira (mercado financeiro e
de capitais) à situação das start-ups, empresas que, de modo geral, ainda estão em estágio inicial, na luta para chegarem ao minimum viable product
– MVP (“produto mínimo viável”, isto é, o protótipo). Esse tratamento
tributário de desiguais como se iguais fossem faz concluir pela ofensa
ao princípio da isonomia tributária (artigo 150, II, da Constituição
Federal[6]).
Além disso, mais forte é a ofensa ao princípio da
legalidade, que possui contornos bem estritos quando se trata de Direito
Tributário. É que, no caso da tributação relativa ao mercado financeiro
e de capitais, a IN RFB 1.585/2015 especifica as matérias já trazidas
pela Lei 11.033/2004. Nesse caso, a própria lei já previa as alíquotas
de 22,5% a 15%.
Então, quanto ao investimento-anjo, a Lei
Complementar 123/2006, ainda que com as modificações trazidas pela Lei
Complementar 155/2016, não previu a incidência tributária trazida pela
IN RFB 1.719/2017, que, ao inovar onde não poderia, fica viciada por
inconstitucionalidade.
Ademais, já existem leis aplicáveis ao
ganho de capital decorrente da alienação dos direitos relativos ao
contrato de participação. Nesse caso, o Imposto sobre a Renda devido é
calculado na alíquota de 15% para ganhos de até R$ 5 milhões (artigo 21
da Lei 8.981/1995[7] e artigo 2º da Lei 13.259/2016[8]). Nesse ponto, a
IN RFB 1.719/2017 também ofende ao princípio da legalidade e ao
princípio da isonomia tributária, por haver tratamento diverso a
situações semelhantes e por tais hipóteses já serem previamente
estabelecidas em lei de modo diverso (artigo 150, incisos I e II, da
Constituição Federal[9]).
Logo, além de ilegítima, a norma da
Receita Federal é ilegal e inconstitucional. Essa inconstitucionalidade
decorre da aplicação direta da isonomia e da legalidade tributária ao
caso do investimento-anjo, porque os próprios princípios constitucionais
impedem a aplicação da IN RFB 1.719/2017 à hipótese.
Portanto, é
cabível o questionamento judicial da norma administrativa, contra a
cobrança futura ou já ocorrida com base na IN RFB 1.719/2017.
[1] The
economic effect, however, recognizes the positive impact that lower tax
rates have on work, output, and employment – and thereby the tax base –
by providing incentives to increase these activities. Raising tax rates
has the opposite economic effect by penalizing participation in the
taxed activities. LAFFER, Arthur B. The Laffer curve: past, present, and future.
Executive Summary Backgrounder. Published by The Heritage Foundation.
No. 1765. June, 1, 2004. Disponível em:
www.heritage.org/research/taxes/bg1765.cfm, consulta em 11/08/2017.
[2]
Art. 61-A. Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos
produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de
pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o
aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa. (...) §
2º O aporte de capital poderá ser realizado por pessoa física ou por
pessoa jurídica, denominadas investidor-anjo.
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm)
[3]http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=84618
[4] http://braziljournal.com/anjos-e-demonios-receita-taxa-investidores-de-startups-como-renda-fixa
[5]
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I -
exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm)
[6]
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão
de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente
da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm)
[7]
Art. 21. O ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência
da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à
incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas: (...)I -
15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar
R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais);
(https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8981.htm)
[8] Art. 2º
O ganho de capital percebido por pessoa jurídica em decorrência da
alienação de bens e direitos do ativo não circulante sujeita-se à
incidência do imposto sobre a renda, com a aplicação das alíquotas
previstas no caput do art. 21 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995,
e do disposto nos §§ 1º, 3º e 4º do referido artigo, exceto para as
pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou
arbitrado
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13259.htm)
[9]
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se
encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão
de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente
da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm)
http://www.conjur.com.br/2017-set-17/joao-amadeus-regulacao-tributacao-investimento-anjo-ilegal