Cobrar responsabilidade indevida atrapalha relação comercial, alerta Abrasce
A percepção da multiplicidade de um Shopping Center é
fundamental, principalmente quando se está diante do desafio de bem
identificar as obrigações de cada uma das tantas partes envolvidas no
conjunto do empreendimento. Um Shopping que hospede uma universidade, e
há várias exitosas experiências nesse sentido, não se obriga perante os
órgãos reguladores da educação no país. Não há conexão jurídica ou
gerencial entre o negócio do Shopping e o da universidade. O mesmo se
passa com as regulações administrativas específicas de cada um dos
negócios que se localizam em um Shopping. Aqui, é preciso lembrar que a
relação jurídica entre o shopping e suas lojas é de locação, aliás, como
expresso inequivocamente em lei (art. 54, da Lei 8.245/91).
A
despeito da clareza dessas relações econômicas e jurídicas, uma
preocupante tese vem sendo construída. Trata-se de movimento com vistas a
confundir, no âmbito do Direito do Trabalho, as obrigações trabalhistas
das lojas de varejo – e demais parceiros locatários – e os shoppings.
Em uma dada situação, por exemplo, um shopping foi condenado a pagar
verbas rescisórias de um empregado de um restaurante, trabalhador este
que incontroversamente nunca prestara nenhum serviço ao shopping. Em
outra, o estabelecimento foi condenado a realizar o controle de jornada
dos empregados das lojas. Embora se trate de situações isoladas – a
maioria das decisões, inclusive, já foi revertida nas instâncias
judiciais superiores – é preciso que o assunto seja tomado com a
seriedade que dele se exige.
A
universalidade em shopping centers é formada pela multiplicidade de
empregadores, com funcionários da academia, do restaurante, do colégio
de ensino médio, do cinema, etc. Não raro, inclusive, há distintas
categorias de empregados, cada uma representada por seu próprio
sindicado, com suas próprias regras convencionais e coletivas. Nesse
universo há também, naturalmente, os colaboradores do próprio Shopping
Center, com quem compartilha as obrigações recíprocas do vínculo de
emprego. Nos termos da legislação trabalhista, empregador é quem admite,
assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços dos trabalhadores.
Confundir
obrigações trabalhistas, embaralhando quem é empregado e empregador e
imputando responsabilidades a quem não deteve nenhuma relação com o
trabalhador, não ajuda no fortalecimento das relações comerciais e, da
mesma forma, enfraquece o próprio Direito do Trabalho.
Um direito
protetivo, como se passa com o Direito do Trabalho, deve ser baseado na
disciplina mais clara e transparente possível de quem deve ser
responsabilizado e pelo o quê. Decisões díspares, que transferem para
terceiros obrigações exclusivas do empregador sem aparo legal ou
coerência interpretativa, estimulam comportamentos evasivos, derivados,
exatamente, da incerteza jurídica.
Estimuladas as incertezas, tais
comportamentos passarão a fazer parte do cotidiano das relações
comerciais.
O fortalecimento de direitos e regulamentos passa
necessariamente pela clareza e segurança como um valor intrínseco tanto
da elaboração, como da aplicação e interpretação de normas jurídicas. Só
assim é possível esperar que cada um se torne um agente responsável
pelo cumprimento das próprias obrigações no contexto da sociedade
contemporânea, a qual, como os shoppings, é também construída a partir
da concepção do pluralismo em harmonia.
*Advogado da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce).
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