quinta-feira, 21 de setembro de 2017

As novas caras do capitalismo brasileiro



Eles querem ganhar dinheiro, é claro. Mas não abrem mão do sonho de transformar o mundo em um lugar melhor. Saiba quem são e o que fazem esses empresários e como essa tendência pode ajudar o seu negócio

 




Pedro Paulo Diniz é um nome bem conhecido dos brasileiros. Não somente por se tratar de um integrante da família Diniz, um dos mais importantes e tradicionais clãs do varejo nacional. A verdade é que Pedro, filho de Abilio, sempre procurou trilhar seu próprio caminho. No início da vida adulta, se enveredou pelas corridas de carros. Chegou à categoria mais importante do automobilismo, a Fórmula 1, disputando o campeonato entre 1993 e 1999, por diversas equipes. Naquela época, ele morou em Mônaco e desfrutou da companhia de algumas das mulheres mais cobiçadas do mundo, como a top model Naomi Campbell e a atriz Fernanda Lima.

Ao deixar as pistas, entrou para o mundo dos negócios – o que não foi difícil, considerando seus recursos financeiros e sua boa formação acadêmica, na London School of Economics. Teve como sócio, por exemplo, o piloto Alain Prost e a montadora Renault, em projetos que envolviam o mundo dos motores. Chegou até a vender equipamentos para piscinas. Enfim, Pedro fazia o típico perfil do herdeiro: rico, bem formado, cobiçado e com tudo pronto para dar continuidade ao império familiar. Mas tudo isso mudou, em algum ponto de 2003.

Ele não diz exatamente quando ou o que o fez repensar suas escolhas. Talvez tenha sido a ioga, que começou a praticar, dizem, por influência da ex-mulher, Tatiane Floresti. O filme Uma Verdade Inconveniente, produzido pelo ex-vice-presidente americano Al Gore, sobre o aquecimento global, também contribuiu para a transformação. O fato é que decidiu abandonar esse estilo de vida e, em 2009, se mudou para a Fazenda da Toca, um dos retiros de veraneio da família, localizada em Itirapina, pequeno município de 16 mil habitantes a cerca de 200 quilômetros da capital paulista. Na propriedade, que atualmente soma 2,3 mil hectares, após a compra de algumas fazendas vizinhas, ele construiu sua casa, a uma distância razoável da sede, onde os Diniz ainda hoje costumam passar momentos de férias, e decidiu cultivar alimentos orgânicos.

Hoje, o local produz e comercializa, em parceria com outros produtores, 700 toneladas de milho por ano, 570 toneladas de polpa de frutas como laranja, goiaba, manga, limão e maçã, além de 65 mil ovos diariamente, graças à criação de 107 mil aves. Tudo é vendido para grandes varejistas, como Pão de Açúcar e Carrefour, no caso dos ovos, e para indústrias, no caso das polpas. Foi uma resolução tão racional quanto espiritual. “Foi uma decisão de vida. Veremos, na minha geração, uma grande mudança nas empresas e no jeito de se investir”, afirmou Diniz à DINHEIRO. “Ficou claro para mim, quando deixei a minha outra vida e voltei ao Brasil, no início dos anos 2000, que só fazia sentido investir no que traz retorno à sociedade.” O herdeiro magnata cansou da vida que tinha, se mudou para o mato e abraçou a sustentabilidade.

Tratamento vip: na Fazenda da Toca, as galinhas só comem ração orgânica e têm contato com a natureza (Crédito:Gabriel Reis)
 
A história do ex-piloto que virou agricultor está longe de ser um caso isolado. Diniz faz parte de um movimento cada vez maior de empresários, altos executivos e herdeiros que estão questionando algumas bases do capitalismo. Nesse processo, eles estão quebrando paradigmas e desenvolvendo um modelo melhorado do sistema econômico que hoje rege o mundo. A ideia é criar negócios que tenham um impacto social positivo e tragam benefícios à sociedade, sem, no entanto, perder o contato com o lucro. Parte-se do princípio que toda empresa precisa gerar retorno financeiro e social, sendo que uma coisa está ligada à outra.

Ou seja, sem lucro, não há como melhorar a sociedade. Mas o lucro às custas da sociedade não é, de fato, um ganho, é uma ilusão do sistema capitalista. A quebra de paradigma, no caso, está na constatação de que o próprio negócio se encarrega de fornecer esse retorno social. Não basta simplesmente utilizar parte dos ganhos para criar um programa filantrópico, ou coisa do tipo. É preciso que toda a atuação da empresa seja pensada de forma responsável e que a consequência do trabalho, seja ela um produto ou um serviço, esteja imbuída de efeitos positivos aos clientes, funcionários, acionistas e, claro, ao planeta.

Essa tendência é muito forte lá fora e está chegando de forma mais intensa ao Brasil. Aqui, a expectativa é de que esses empreendimentos atraiam R$ 50 bilhões por ano em investimentos, até 2020, segundo cálculos da Força Tarefa de Finanças Sociais (FTFS), grupo criado para incentivar aportes do tipo, que conta com apoio de empresas e instituições como J.P. Morgan, Vox Capital, BNDES, Fundação Getúlio Vargas, entre outros. Lá fora, entre os grandes precursores do movimento chamado de capitalismo consciente está o Whole Foods, adquirido pela Amazon há dois anos. Outros exemplos são a grife de roupas Patagonia e a companhia áerea Southwest, pela postura agressiva de neutralização de carbono e ações de apoio social.

No Brasil, DINHEIRO mapeou uma série de iniciativas de impacto social, capitaneadas por nomes ligados a famílias tradicionais ou que possuem um histórico de sucesso no mundo corporativo, que já estão em fase avançada de desenvolvimento. Esses empresários, dos setores de indústria, serviços e finanças, possuem histórias de vida diferentes, mas uma coisa em comum: recursos financeiros abundantes, seja por sucesso profissional, seja por herança. Em certo ponto de suas vidas, eles decidiram que deveriam fazer algo mais significativo com seu dinheiro. A consequência é um movimento de pessoas influentes na economia, com nome, reputação, capacidade de fazer a roda girar e a disposição de enfrentar riscos e a incredulidade de seus próprios pares. O que os move é a certeza de que o capitalismo pode ser melhorado. E que o sucesso de um não é a desgraça do outro.




Onde muitos podem enxergar certa dose de hipocrisia, há, na verdade, tentativas sinceras de se criar grandes negócios transformadores. A Fazenda da Toca é emblemática nesse sentido. Se, por um lado, existe uma motivação espiritual no movimento, por outro, Pedro Paulo Diniz e sua família – em maior ou menor grau, dependendo do parente, ele ressalta – acreditam que a fazenda é um modelo do que virá a ser o capitalismo do futuro. “As empresas que não mostrarem o benefício que trazem para a sociedade serão dispensadas”, afirma Diniz. A intenção dele, portanto, não é viver sossegado cultivando hortinhas, ou produzir alimentos orgânicos para entrar em um nicho de mercado. Sua missão é tornar a agricultura orgânica tão competitiva quanto a que utiliza agrotóxicos. Para isso, a empresa aposta no conceito de agrofloresta.

Basicamente, trata-se de um modelo que replica a perfeita harmonia entre diferentes espécies da natureza. Na Toca, árvores frutíferas como bananeiras, pés de maracujá e de limão são plantados juntamente com eucaliptos e outras culturas. Os agrônomos da fazenda entendem que as pragas são sinais de que alguma coisa está desbalanceada. Então, em vez de apostar na monocultura e nos venenos, eles buscam formas de agregar várias plantações no mesmo local. Até os animais, como as galinhas, recebem tratamento especial: apenas se alimentam com ração orgânica e têm horários de passeio pela natureza. É difícil, mas compensa.

Ao contrário da agricultura tradicional, em que os custos aumentam à medida que o solo vai sendo danificado pelo uso de produtos químicos, na agrofloresta, a cada colheita, fica mais barato plantar. Pelos cálculos de Diniz, que não revela cifras de seus negócios, o sistema de agrofloresta representa uma redução de até 75% nos custos totais, já que não há despesa para regularização do solo danificado. Além da vantagem financeira, o objetivo é chegar a um ponto de perfeição em que o próprio ciclo da natureza se encarregue praticamente de tudo, incluindo adubação, proteção e irrigação. No fim do dia, Diniz estará com uma verdadeira mina de ouro nas mãos. E os benefícios sociais são claros: comida boa e acessível, menos consumo de água e nenhum químico, como querem muitos consumidores.

Um negócio de impacto social difere do tradicional pelo fato de levar em conta absolutamente tudo que está em volta da empresa. No jargão corporativo, esse modelo abraça o chamado triple bottom line (do inglês, as três consequências): dinheiro, pessoas e planeta. Se alguma dessas instâncias é afetada, o negócio não é bom e, portanto, precisa mudar. Pode não parecer, mas trata-se de uma ideia bastante capitalista. “Esse modelo traz mais retorno e menos risco para os investidores”, afirma Daniela Barone Soares, CEO da Granito & Capital, banco de investimentos devotado, em suas próprias palavras, a “transformar a economia global em uma economia de impacto social.” Ex-executiva do mercado financeiro, ela trabalhou em posições de destaque em instituições como BankBoston, Citibank e Goldman Sachs, no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos.




Há cerca de dez anos, ela passou a atuar com filantropia. Entre 2006 e 2015, foi CEO da Impetus Private Equity Foundation, uma das principais instituições filantrópicas do Reino Unido. Em agosto passado, Daniela e um grupo de peso do mercado financeiro lançaram a Granito&Capital, startup que tem como meta captar US$ 2 bilhões para projetos de impacto social. Dentre os setores principais, estão no foco energias limpas e mobilidade. Entre os sócios investidores da Granito&Capital estão Fabio Barbosa, ex-presidente dos bancos ABN Amro, Real e Santander no Brasil, Heinz-Peter Elstrodt, que comandou a consultoria McKinsey na América Latina, e Antonio Ermírio de Moraes Neto, cujos nome e sobrenome, iguais aos do avô, dispensam apresentações.

O banco faz parte do Granito Group, holding dedicada à economia de impacto com operações globais a partir de Londres, Zurich, Miami e São Paulo, fundada em 2015 por Rodrigo Tavares, especialista em relações internacionais e consultor da ONU. Além do braço financeiro, o grupo atua como consultoria com a Granito&Partners e tem um think tank sem fins lucrativos, o Impact Economy Foundation, para promover o debate em torno dos princípios de sustentabilidade. Já que é para mudar o mundo, é melhor começar com nomes de impacto. Dentre os clientes de consultoria e investimentos do Granito estão Microsoft, Siemens, Fibria, J. Safra Sarasin, WWF, RichMond Global e a MinutoMed.


MILLENIALS 


São dois os principais motivos para investidores e empresas buscarem ativos de impacto social em seus investimentos. Primeiro, como diz Daniela, os riscos são menores, pois elimina-se, de cara, qualquer adversidade que venha surgir nas searas ambiental, social e de governança. Adicional-mente, como a qualidade do ativo é melhor, os ganhos são maximizados. “É um bom negócio”, insiste. Mas há um segundo aspecto, mais importante e inevitável. “As novas gerações não admitem empresas que não tenham um propósito”, diz a executiva. Uma coisa é líquida e certa: nos próximos 30 anos, haverá a maior transferência de renda da história da humanidade, das gerações baby boomer e X, nascidos após a Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 1940 a 1960, para a geração Y, formada pelos que vieram ao mundo nos anos 1980 em diante, também conhecidos como millenials.

O fenômeno, diz Daniela, vai gerar transformações profundas em todos os setores. “Em algum ponto das próximas três décadas, isso vai acontecer, e é preciso estar preparado”, afirma. Preparar-se significa encontrar a missão social que move sua empresa. Millenials, ao contrário dos seus pais, não trabalham apenas por dinheiro. Eles são motivados por ideais de vida e pelo entendimento de que é possível passar por esse mundo sem causar nenhum impacto negativo. Eles também não se apegam ao propósito de defender o capitalismo a qualquer custo. Ninguém quer o comunismo, mas isso não significa que o atual modelo seja perfeito.




Isso fica claro quando se olha para o quadro de funcionários da Avante, empresa fundada por Bernardo Bonjean, ex-sócio da XP Investimentos e sobrinho do diplomata Sérgio Vieira de Melo, morto em um ataque terrorista no Iraque, em 2003, quando atuava na ONU. Especializada em microcrédito, a Avante é quase um microcosmo desse movimento. Bonjean criou o negócio após se tornar pai. “Eu tinha uma posição financeira segura, mas me questionei se era isso que eu queria deixar para meus filhos”, diz o empresário. A empresa atua apenas em regiões periféricas e de baixo desenvolvimento social.

Resumindo, ela empresta dinheiro para pessoas pobres. Com isso, espera ajudar no desenvolvimento dessas comunidades. Exige retorno, como todo banco. Mas justo e que possibilite o pagamento sem comprometer a renda do tomador. Para isso, utiliza um método de avaliação mais pessoal. Os empréstimos são feitos por meio de agentes que moram dentro das comunidades. Assim, se consegue ter uma relação mais próxima e de confiança com os clientes. Seus índices de inadimplência, assegura Bonjean, são menores do que a média do mercado. Qualquer semelhanca com o modelo criado pelo Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, no Grameen Bank, não é mera coincidência..

Quando visitou o escritório da Avante, na capital paulista, a reportagem da DINHEIRO foi recebida por um jovem vestindo camisa de flanela, num visual meio grunge. Simpático, ele fez questão de preparar e servir um café aos visitantes, enquanto aguardava pela chegada do chefe. O “recepcionista” em questão era Felipe Steinbruch, filho mais novo de Benjamin Steinbruch, principal executivo e acionista da siderúrgica CSN, um dos ícones do industrialismo brasileiro nas últimas décadas. Steinbruch é colega de trabalho de Laís Trajano, sobrinha de Luiza Helena Trajano, a mulher de ferro do varejo nacional, controladora do Magazine Luiza. Laís assumiu, recentemente, a diretoria de RH da Avante. São jovens que poderiam estar trabalhando praticamente em qualquer lugar, ou nem trabalhar. Mas escolheram um negócio de impacto social.

Ambos são, ainda, colegas de Edinho Luis da Silva, morador da favela de Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo e que já teve seus problemas com a lei, mas hoje opera como agente da empresa na comunidade. Em junho, Edinho e Bonjean estiveram na ONU, em Nova York, para receber um prêmio de empreendedorismo – como nada na vida é fácil, os dois foram assaltados na Big Apple. “Nosso objetivo é criar oportunidades”, diz Bonjean. Há dois meses, a empresa captou R$ 38,6 milhões em uma rodada de investimentos, sendo avaliada em R$ 263 milhões. A Avante já concedeu mais de R$ 100 milhões em microcréditos, impactando cerca de 30 mil empreendedores.


Capitalistas e conscientes:: (da esq. para a dir.) Antônio Ermírio de Moraes Neto, Laís Trajano e Felipe Steinbruch preferem negócios de impacto social ao império tradicional de suas famílias
 
Nivelar o acesso às oportunidades é, indiscutívelmente, uma questão crucial para o capitalismo, segundo o professor Carl Voigt, da Universidade do Sul da Califórnia (USC), nos Estados Unidos, cujo mais recente trabalho aborda os desafios da indústria de alimentos em garantir a segurança alimentar, diante de um cenário de retrocesso na globalização. “O sistema capitalista depende da globalização”, disse o professor à DINHEIRO. “Porém, nesse processo competitivo entre os países, algumas pessoas acabam sendo deixadas de fora.” O resultado disso é a ascensão do populismo e do nacionalismo, como pôde ser observado com a eleição de Donald Trump, nos EUA, e a votação do Brexit, no Reino Unido. “A sociedade e as empresas precisam do chamado level playing field (jogo nivelado, em tradução livre) ”, afirma Voigt. “O sucesso de uma pessoa não pode depender do lugar onde ela nasceu.” Infelizmente, não é isso que acontece. E um dos principais motivos está no acesso à educação. Resolver esse problema é o foco de Claudio Sassaki, fundador da Geekie.

Nascido em uma família de imigrantes japoneses, Sassaki teve de trabalhar para se bancar durante os estudos – a faculdade saiu de graça, já que ele passou em primeiro lugar no vestibular da Universidade de São Paulo, onde cursou engenharia. De berço, não veio dinheiro, mas o gosto e a dedicação pelo estudo. A inteligência acima da média e o esforço pessoal o levaram ao topo do mundo corporativo. Como executivo do setor financeiro, ele ocupou o cargo de vice-presidente do Credit Suisse nos Estados Unidos. A modéstia, ou a clareza de como funciona o universo, o impedem de requerer para si os louros da brilhante carreira. “Eu não consegui nada sozinho”, diz Sassaki. A partir dessa conclusão, e da vontade de deixar um legado positivo, ele fundou a Geekie, uma plataforma de ensino que utiliza a tecnologia para personalizar e aprimorar o aprendizado. “Com nosso sistema, nos locais em que atuamos já conseguimos zerar a defasagem entre escolas públicas e privadas.”

O sistema da Geekie utiliza algoritmos que identificam as dificuldades individuais de cada aluno. Assim, o professor consegue criar, de forma automática, planos personalizados de estudo. É uma ideia simples, mas que envolve matemática complexa. Em 2015, a empresa recebeu um aporte de US$ 7 milhões de dois fundos, incluindo a Omidyar Network, empresa filantrópica criada pelo fundador do eBay, Pierre Omidyar. Até hoje, mais de 5 mil escolas utilizaram a plataforma, com cerca de 5 milhões de alunos. A maioria delas particulares, mas o objetivo é levar o sistema, principalmente, ao ensino público. Nesse quesito, a Geekie esbarra na burocracia do governo, uma vez que as licitações raramente contemplam tecnologias voltadas para a educação.


FINANCIAMENTO 

A burocracia é um problema que envolve praticamente todo empreendedor que tente levar adiante esse modelo. Segundo o Mapa de Negócios de Impacto Social + Ambiental, produzido pela consultoria Pipe.Social, apenas 8% das empresas sociais em fase de organização do negócio no País recebem apoio de editais do governo. Nas fases de idealização e protótipo, diz a pesquisa, os maiores incentivos vêm dos chamados 3Fs: family, friends and fools (família, amigos e bobos, em inglês). Nessa questão dos recursos, o Brasil está bem atrasado em relação aos países desenvolvidos. “As startups têm dificuldade de acesso a investimento em um período chamado vale da morte, que compreende os estágios iniciais de vida”, afirma Carolina Aranha, cofundadora da Pipe.Social. “A grande barreira para o investidor apostar em negócios de impacto está no alto rendimento do dinheiro no banco. Com juros altos, os riscos ficam menos atrativos.”




Apesar da falta de apoio do governo e do cenário econômico adverso, a consultoria mapeou 579 negócios de impacto social no Brasil, 70% deles formalizados. Agora, o impacto social não está restrito a novas empresas. Pedro Paulo Diniz afirma que na Península, holding que concentra os negócios da família Diniz, da qual ele é um dos conselheiros, há várias discussões sobre como difundir o conceito nos investimentos da holding, entre eles a BRF, maior processadora de alimentos do Brasil. Mas é preciso coragem para fazer transformações profundas em negócios estabelecidos. É o que não falta a Jorge Hoelzel Neto, herdeiro da Mercur, fabricante de produtos à base de látex. Fundada em 1924, a companhia é conhecida pelas borrachas escolares, que vinham marcadas com a figura de um indiozinho. Hoje, a Mercur atua na área médica e esportiva, com bolsas de água quente, almofadas terapêuticas e ataduras elásticas.

Desde 2010, Hoelzel vem tocando um programa para estabelecer um modelo diferente de fornecimento de látex, em parceria com comunidades ribeirinhas na região de Altamira, no Rio Xingu. O empresário é considerado um modelo de atuação responsável até pelas ONGs que atuam na área, como o Instituto Socioambiental (ISA). A ideia é que a relação seja feita em mão dupla. O preço do produto é definido diretamente com as comunidades de seringueiros, de acordo com a necessidade deles e a disponibilidade de extração. Dessa forma, evita-se a criação da figura do intermediário, necessária quanto a demanda é por um preço baseado na cotação de mercado. Pequenas comunidades extrativistas têm dificuldade em manter uma produção recorrente. O impacto desse tipo de atividade é praticamente zero, pois o extrativismo depende da conservação da floresta.

Mas Hoelzel não se limitou a revolucionar a cadeia de fornecimento da Mercur. Por sinal, a lenda em Altamira é de que a transformação do empresário ocorreu após uma viagem de férias pela Amazônia, em que ele teve contato com um universo, até então, desconhecido e passou por um momento de revelação espiritual – Hoelzel, porém, não entra em detalhes. O fato é que, além do projeto de extração de látex, o empresário decidiu abolir da sua empresa a figura do chefe. Não apenas do presidente e dos diretores: na Mercur, não há gerentes, supervisores ou qualquer cargo de chefia. O modelo é o de comissões focadas em tarefas específicas.

Os líderes dos projetos são escolhidos conforme o trabalho a ser feito. “Se o assunto for o café, por exemplo, quem encabeça é a copeira”, explica Hoelzel. Trata-se de um experimento que já dura alguns anos, e com bons resultados. A empresa fatura mais de R$ 100 milhões por ano e seu crescimento é constante. “É algo novo que estamos tentando, e tivemos alguns aprendizados. Mas está valendo a pena”, afirma. Como costumam dizer os americanos, o primeiro a atravessar o muro sempre fica ensanguentado. Mas a grande recompensa está do outro lado. O momento é de quebrar barreiras e acreditar que é possível ter sucesso e mudar o mundo. E viva o capitalismo.




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