Incorporadoras e governo tentam chegar a um acordo para regulamentar a devolução de imóveis ainda não pagos. O que isso muda para as empresas e os consumidores?
O mercado imobiliário viveu dois momentos distintos. No
início da década, animadas pela queda dos juros, pelos incentivos
fiscais, e pelo aumento da renda, as incorporadoras foram tomadas por
uma febre de lançamentos. O primeiro imóvel, ou o apartamento com
varanda gourmet, pareciam estar mais perto do que nunca de milhões de
brasileiros. Cinco anos depois, o sonho da casa própria havia se
transformado em pesadelo. Incapazes de pagar as prestações e ameaçados
de perder o que haviam pago, milhares de compradores tentaram cancelar
os negócios.
Previstos no acerto entre as partes, os chamados distratos se
multiplicaram. Só no ano passado foram canceladas 44.233 transações,
segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias
(Abrainc). As cláusulas do distrato constam da maioria das propostas de
venda. A praxe é a construtora poder reter de 10% a 20% do valor pago
pelo comprador até o momento da desistência, dependendo de quantas
parcelas já foram pagas. Ela também pode descontar despesas com
corretagem.
O dinheiro só volta para o comprador 12 a 24 meses após o
encerramento da obra. Essa demora protege as finanças da incorporadora.
“A empresa usa as parcelas que os compradores vão pagando para erguer o
edifício”, diz Claudio Hermolin, presidente da Associação de Dirigentes
de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) do Rio de Janeiro. Quando
alguém desiste, diz ele, esse fluxo de recursos se interrompe, e é
preciso esperar outro comprador para que a situação volte ao normal.
Se o mercado estiver operando normalmente, não há problemas. Porém, a
queda do emprego afugentou compradores e fez as desistências se
multiplicarem. Com um agravante: a crise torna o recebimento
incerto, e as multas são consideradas injustas. Daí os pleitos judiciais
que pedem o ressarcimento integral do valor pago e o crédito
imediato na conta do desistente. “O assunto foi muito judicializado”,
diz o advogado Joaquim Rolim Ferraz, sócio do Juveniz Rolim Ferraz
Advogados Associados. Ferraz advoga em favor das incorporadoras, e diz
que os tribunais não têm sido benevolentes com as empresas.
“A média de decisões favoráveis ao distratante tem sido de 60%, o
que, no Judiciário, é um percentual elevadíssimo”, diz ele. Segundo o
advogado, a origem do problema é um vácuo legal. O assunto é regido pela
Lei de Incorporações Imobiliárias. É um texto promulgado em 1964, que
sofreu apenas uma alteração significativa, em 2004. Naquele ano, a
falência da construtora Encol criou um mecanismo para proteger o
consumidor. Conhecida pelo nome assustador de patrimônio de afetação, a
regra é simples de entender.
Cada empreendimento é uma empresa isolada. Se a construtora quebrar,
como ocorreu com a Encol, os edifícios em construção não são tragados
pelo sorvedouro da massa falida. No entanto, diz Ferraz, essa proteção
causa um problema se houver muitos distratos. “O dinheiro que o
consumidor pagou não fica com a incorporadora, mas é transformado em
cimento”, diz ele. “Se tiver de sacar os recursos do caixa, a
incorporadora fica sem capital para dar andamento à obra.”
Para tentar um acordo, representantes das incorporadoras e dos
consumidores reuniram-se, na terça-feira 11, com técnicos do governo. A
reunião, realizada na sede da Casa Civil, em Brasília, tentou buscar um
meio termo entre as propostas. Um dos principais pontos é a
diferenciação entre imóveis residenciais e comerciais. “Quem compra um
escritório está pensando em investir, seja alugando ou revendendo o
espaço, seja abrindo uma empresa”, diz Hermolin. “Ele não pode ser
comparado, em termos de fragilidade, com quem está comprando seu
primeiro imóvel.”
As demais propostas referem-se ao percentual que será retido pela
incorporadora e ao prazo de pagamento (observe o quadro ao final da
reportagem). Para os analistas, a retirada dessa incerteza jurídica
deverá favorecer as ações das empresas imobiliárias, que vêm
apresentando oscilações abruptas nos pregões. Ainda é difícil prever
qual será o impacto sobre as cotações, mas a percepção é que o terreno
sobre o qual essas companhias edificam seus lucros deve ficar mais
sólido.
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