Falar em recuperação judicial ainda causa arrepios em certos empresários. Apesar de ser um mecanismo correto e legal para superar crises, o instrumento é, lamentavelmente, visto de forma negativa por alguns setores. Nada mais equivocado: é justamente o reconhecimento das dificuldades e a disposição para enfrentá-las.
Mas para aqueles que preferem a opção mais discreta — ou, ainda, não comportam os custos de uma reestruturação judicial —, a legislação oferece outras possibilidades. É o caso da recuperação extrajudicial. Disponível aos empresários há mais de 15 anos, com a Lei 11.101/05, passou a chamar atenção a partir da vigência da Lei 14.112/20, que atualizou a antiga norma. Com a reforma, o instrumento, que permite que credores e devedores negociem acordos sem interferência do Judiciário, foi beneficiado por uma série de modificações que estimulam a conversação direta, tornando o processo ainda mais ágil e menos oneroso.
Além da discrição, ela é indicada para situações em que uma empresa, apesar de acometida por uma crise, pode buscar soluções cirúrgicas e mais pontuais — por exemplo, no que se refere a débitos trabalhistas, que eram excluídos dos efeitos da recuperação extrajudicial pela legislação anterior. A nova lei também reduz de 60% para mais de 50% o percentual mínimo de adesão de credores ao plano, admitindo o ingresso do pedido de homologação na Justiça com 33% de quórum, a fim de construir negociação até atingir mais da metade. Mesmo oferecendo conceitos mais claros, técnicas para solução de conflitos mais maduras e ferramentas melhor empregadas, as vantagens da nova lei ainda são desconhecidas entre empresários e operadores do Direito.
O número de solicitações dessa modalidade continua reduzido. Segundo levantamento inédito do Observatório Brasileiro de Recuperação Extrajudicial (Obre), mantido pela Biolchi Empresarial, foram 13 pedidos, no Brasil, em 2021 — pouco mais de um por mês. Número muito abaixo dos pedidos de Recuperação Judicial, que somaram 891, segundo dados do Serasa/Experian. Qual é a razão de tão tímida adesão ao mecanismo? Responder a essa pergunta é fundamental para compreender o momento vivido pela atividade produtiva em nosso país e planejar o futuro. E, nesse sentido, entendo que a recuperação extrajudicial enfrenta três desafios para se popularizar: estrutural, cultural e ambiental.
Sob o ponto de vista da cultura, temos, no país, a preferência pelo litígio, em detrimento da negociabilidade. Estruturalmente, empresas costumam demorar para tomar a decisão de pedir ajuda, o que compromete o timing para a solução adequada. Por fim, há o desafio ambiental, conformado pelo próprio Judiciário, repleto de cartórios assoberbados, que não oferece a quantidade necessária de varas especializadas e que entrega uma tramitação processual mais lenta do que a velocidade do mercado.
Mesmo a melhor legislação acaba tendo seus efeitos comprometidos quando as pessoas, o ambiente e o sistema econômico não estão adequadamente calibrados. Por isso, é preciso desmistificar o caminho fora da Corte, ter a consciência de que cada caso é único e que o foco de todos os envolvidos deve ser comum: o interesse compartilhado de salvar atividades viáveis. Feita com correção e responsabilidade, não há o que temer com a recuperação extrajudicial. Só a ganhar.
*Advogada e sócia da Biolchi Empresarial
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