Plenário da Câmara dos Deputados em Brasília
A
Câmara dos Deputados concluiu nesta quinta-feira, 12, a votação o
projeto de lei que estabelece uma transição para o fim da desoneração da
folha de pagamento de empresas, com medidas compensatórias para o benefício.
O
texto aprovado, que segue para sanção presidencial, incluiu uma emenda
de redação para definir que a captação pelo Tesouro Nacional de recursos
esquecidos em instituições financeiras será contabilizada como receita
primária do governo, ponto que é foco de discordância do Banco Central.
O
texto, alinhavado na noite desta quarta-feira, 11, pela equipe
econômica e pelas lideranças da Casa, traz uma nova redação em relação à
versão aprovada no Senado – a mudança, no entanto, está sendo
considerada como um ajuste de redação e, por isso, o projeto não
precisou passar por nova análise dos senadores.
A
expectativa é de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancione a
lei assim que ela chegar ao Palácio do Planalto. A aprovação do
texto-base ocorreu às 23h57, sendo que o prazo determinado pelo STF para
se concluir um acordo sobre o tema terminava na quarta-feira.
O
novo trecho incluído no texto prevê que a apropriação, pelo Tesouro
Nacional, de valores esquecidos em instituições financeiras, mesmo que
não computada como receita primária pelo Banco Central, será considerada
para fins de cumprimento da meta fiscal do governo. Dessa forma, esses
montantes poderão servir como parte da compensação à desoneração. Hoje,
no entanto, o cálculo válido para a verificação do resultado primário é o
do BC.
O
chamado resultado primário é a diferença entre receitas e despesas sem
considerar os juros da dívida pública. Ou seja, o número que determina
se o governo fechou o ano no azul ou no vermelho e se cumpriu ou não a
meta estabelecida pela equipe econômica. Quando há descumprimento,
gatilhos são acionados e o governo é obrigado a gastar menos.
“A
redação deixa claro que o objetivo é forçar um entendimento sobre o
cumprimento da meta. Contudo, é altamente questionável que a lei
ordinária que está sendo proposta delimite os poderes que foram
atribuídos ao BC por lei complementar (do arcabouço fiscal). De qualquer
forma, o desejo de se viabilizar um cumprimento da meta ao atropelo dos
padrões estatísticos internacionais está evidenciado”, afirma o
ex-secretário do Tesouro e head de macroeconomia do ASA, Jeferson
Bittencourt.
Esse
novo trecho foi incluído pela então relatora da proposta, deputada Any
Ortiz (Cidadania-RS), nos momentos anteriores à votação. A mudança
atendeu a acordo das lideranças com o Ministério da Fazenda para
contemplar alertas do BC, mas foi além dos pontos levantados pela
autoridade monetária, criando essa exceção no regramento fiscal.
Any
Ortiz, porém, abriu mão da relatoria, que passou para o líder do
governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). “Guimarães, que o senhor
assine essa chantagem que estamos vendo aqui hoje. Não tenho como
assinar esse relatório da forma como foi feito, no limite do prazo”,
disse a deputada.
“Nós conseguimos um acordo feito com a faca no
pescoço, como com um sequestrador. Nós estamos aqui como reféns, temos
uma hora para aprovar esse projeto para que amanhã os setores não tenham
uma conta impagável no colo. Vamos garantir a desoneração, mas é
lamentável o que o STF está fazendo com o apoio do Executivo, passando
por cima da maioria do Congresso”, afirmou ela, destacando que, apesar
de desistir da relatoria, iria votar de forma favorável ao texto.
BC se posicionou contra
O
BC enviou na última segunda-feira uma nota técnica aos deputados
criticando a forma de se contabilizar esses montantes esquecidos nas
contas bancárias, que somam R$ 8,6 bilhões. No documento, a autoridade
afirmava que a incorporação desse montante bilionário no cálculo das
contas públicas estava “em claro desacordo com sua metodologia
estatística, indo de encontro às orientações do TCU (Tribunal de Contas
da União) e ao entendimento recente do STF sobre a matéria.”
Caminho
similar já foi realizado por governo e Congresso na proposta de emenda à
Constituição (PEC) da Transição, aprovada no fim de 2022. Na ocasião, a
PEC autorizou o governo Lula a incorporar R$ 26 bilhões esquecidos por
trabalhadores nas cotas do PIS/Pasep como receita primária – engordando
os cofres públicos. O Tesouro seguiu o texto da lei e incorporou o valor
no primário de 2023, mas o mesmo não foi feito pelo BC – gerando uma
discrepância bilionária nas duas contabilidades.
Para evitar que
essa diferença ficasse ainda maior, a versão aprovada pelo Senado
afirmava que o dinheiro esquecido nas contas deveria ser considerado
“como receita orçamentária primária para todos os fins das estatísticas
fiscais”. Ou seja, havia a tentativa de fazer com que o BC também
computasse o valor na sua metodologia, que é o número oficial para fins
de cumprimento da meta.
Com a reclamação do BC, esse trecho que
tratava de “todos os fins das estatísticas fiscais” foi retirado, mas
foi incluída a previsão de que os valores das contas esquecidas sejam
“considerados para verificação do cumprimento da meta de resultado
primário” – mesmo que o BC não considere esses montantes como receita
primária.
Sanção imediata
A expectativa é de que o Palácio do Planalto dê aval imediato ao projeto, assim que aprovado na Câmara.
A
pressa se deve ao fato de o prazo dado pelo ministro Edson Fachin, do
STF, para que Legislativo e Executivo buscassem uma solução de consenso
para o tema vencer nesta quarta-feira, 12. Dessa forma, caso a Câmara
não aprovasse o projeto até o final do dia, voltaria a valer a decisão
tomada pelo ministro do Supremo Cristiano Zanin, em abril, que
determinou a reoneração da folha.
“O governo deixou para a última
hora e agora os setores (que contam com a desoneração) estão com a faca
no pescoço”, afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). O tema
mobilizou Executivo, Legislativo e Judiciário ao longo dos últimos
meses, bem como o empresariado, que reclama de insegurança jurídica em
meio ao longo impasse tributário.
“Ajustes que foram feitos são
redacionais e vai para sanção, o que mostra o compromisso do governo.
Seria muito fácil não votar e deixar voltar como era antes”, rebateu o
líder do governo, José Guimarães.
Medidas de ajuste fiscal para 2025
Além
do uso de valores esquecidos em contas, o projeto também prevê como
medidas compensatórias o uso de depósitos judiciais, atualização de bens
no Imposto de Renda, repatriação de ativos mantidos no exterior e
renegociação de multas aplicadas por agências reguladoras.
A
equipe econômica alega, porém, que esses valores podem não ser
suficientes para compensar a medida em 2025. Por esse motivo, o governo
enviou ao Congresso um novo projeto de lei que prevê aumento da alíquota
da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e uma mudança no
Imposto de Renda dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma espécie de
remuneração paga a acionistas. Os dois temas, no entanto, enfrentam
grande resistência no Congresso.
Reoneração da folha será gradual
O
texto da desoneração da folha de pagamentos prevê uma reoneração
gradual entre 2025 e 2027. A partir do ano que vem, os empresários
passarão por uma cobrança híbrida, que misturará uma parte da
contribuição sobre a folha de salários com a taxação sobre a receita
bruta, da seguinte maneira:
- Em 2025, as empresas pagarão 80% da alíquota sobre a receita bruta e 25% da alíquota sobre a folha
- Em 2026, as empresas pagarão 60% da alíquota sobre a receita bruta e 50% da alíquota sobre a folha
- Em 2027, as empresas pagarão 40% da alíquota sobre a receita bruta e 75% da alíquota sobre a folha
- A
partir de 2028, as empresas retomarão integralmente o pagamento da
alíquota sobre a folha, sem o pagamento sobre a receita bruta.
Como
contrapartida para o benefício, as empresas serão obrigadas a manter ao
menos 75% dos empregados. Isso significa que uma redução de até 25% do
quadro de funcionários não resultará na perda do direito à desoneração
por parte dessas companhias.
No caso dos municípios, o texto
também estabelece uma “escada”. Neste ano, está mantida a alíquota
previdenciária de 8% aprovada no ano passado pelo Congresso. Em 2025,
esse imposto será de 12%. Em 2026, de 16%. Em 2027, por fim, voltará a
ser de 20%.
O que é a desoneração da folha
A
desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 para setores
intensivos em mão de obra. Juntos, eles incluem milhares de empresas que
empregam 9 milhões de pessoas. A medida substitui a contribuição
previdenciária patronal de 20% incidente sobre a folha de salários por
alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Ela resulta, na prática,
em redução da carga tributária da contribuição previdenciária devida
pelas empresas.
Por decisão do Congresso, em votações expressivas,
a política de desoneração foi prorrogada até 2027, mas acabou suspensa
por uma decisão liminar do STF em ação movida pelo governo federal. A
alegação é que o Congresso não previu uma fonte de receitas para bancar o
programa e não estimou o impacto nas contas públicas.
O
Legislativo, porém, argumenta que medidas foram aprovadas para aumentar
as receitas da União e que a estimativa de impacto estava descrita na
proposta aprovada. O ministro da Fazenda anunciou, então, um acordo para
manter a desoneração em 2024 e negociar uma cobrança gradual a partir
do próximo ano.
O cerne da discussão passou a girar em torno das
compensações da desoneração da folha de pagamentos. A equipe econômica
insiste em uma medida que represente receitas para os próximos anos. Ela
vale para 17 setores da economia. Confira abaixo quais são:
- confecção e vestuário;
- calçados;
- construção civil;
- call center;
- comunicação;
- empresas de construção e obras de infraestrutura;
- couro;
- fabricação de veículos e carroçarias;
- máquinas e equipamentos;
- proteína animal;
- têxtil;
- TI (tecnologia da informação);
- TIC (tecnologia de comunicação);
- projeto de circuitos integrados;
- transporte metroferroviário de passageiros;
- transporte rodoviário coletivo;
- transporte rodoviário de cargas.