quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Sem chuvas, bacias de hidrelétricas do Brasil têm solo mais seco da série histórica

 


Seca no Rio Madeira, Humaitá, Amazonas. 7 de setembro de 2024. (Crédito: REUTERS/Bruno Kelly)

A umidade do solo das principais bacias hidrográficas para geração de energia elétrica no Brasil alcançou o nível mais seco em quase 20 anos, após uma sequência de vários anos de chuvas abaixo da média histórica que vem afetando a principal fonte da matriz elétrica brasileira, segundo monitoramento da London Stock Exchange Group (LSEG).

Essa situação deve dificultar o reenchimento dos reservatórios das usinas hidrelétricas no período úmido que se inicia em outubro, uma vez que as chuvas servirão primeiro para repor a umidade do solo nas bacias hidrográficas, antes de a água fluir para os reservatórios e se converter em energia natural afluente (ENA), métrica que indica o quanto do volume pode ser transformado em energia.

As bacias hidrelétricas Paranaíba, Grande e Tocantins, que percorrem áreas do Sudeste, Centro-Oeste e Norte e concentram grande parte da capacidade do país em armazenar energia em reservatórios, atingiram em setembro o pior nível de umidade de solo da série histórica da LSEG, com dados desde 2005.

Chuvas estão escassas há muito tempo

Isso é resultado das chuvas decepcionantes observadas por vários anos, observa o analista da LSEG Claudio Vallejos, apontando que 9 dos últimos 10 ciclos hidrológicos nas principais bacias registraram chuvas abaixo da média de longo prazo.

“O solo acaba funcionando como uma espécie de ‘memória’ das chuvas, com a umidade refletindo todo o histórico ruim… Você tem um déficit que veio sendo carregado, e aí tivemos um período úmido em 2024 muito decepcionante”, disse ele.

O cenário de baixa umidade do solo também alcança outras bacias, como Tietê (mais seco do histórico), Paranapanema (2º mais seco) e São Francisco (2º mais seco).

“O Operador (Nacional do Sistema Elétrico) só tem controle sobre os reservatórios… ao contrário desse ‘reservatório de umidade do solo’, que é uma variável que depende diretamente da chuva, não temos controle sobre isso”, destaca o analista da LSEG Bruno Couto.

Eles apontam que o sistema vive agora uma “anomalia”, com o solo das bacias alcançando nível crítico ao mesmo tempo em que o armazenamento de água nos principais reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste está em patamar confortável.

Os lagos das usinas da região registram atualmente 53% de capacidade — muito acima dos níveis de 2021, na última crise hídrica, quando chegaram a 16% no mês de setembro –, depois da implementação de políticas para preservar água das hidrelétricas e em meio a um crescimento acelerado das fontes eólica e solar, que passaram a atender grande parte da carga de energia.

O nível dos reservatórios aponta para uma situação mais confortável para suprimento de energia no Brasil, embora o ONS venha tendo dificuldades para operar o sistema nos horários de pico de carga, o que levou ao acionamento de mais termelétricas nos últimos meses.

O ponto de alerta fica para o próximo período úmido que, caso se configure novamente com chuvas muito abaixo da média, pode levar a um rápido deplecionamento dos reservatórios diante do quadro de solo muito seco.

“Os reservatórios em si são o armazém de energia, mas o que realmente faz a coleta da chuva para trazer para o reservatório é o solo das bacias… e a única maneira de recuperar essa umidade seria com chuvas”, apontou Vallejos.

Já Couto lembrou que a situação também afeta a capacidade de geração das usinas na região Norte, onde a maioria opera a fio d’água (sem reservatório de acumulação), dependendo principalmente das vazões dos rios.

“Principalmente para usinas a fio d’água, esse impacto da umidade do solo é muito mais drástico, visível, do que para usinas que você tem controle via reservatório, já que para essas o ONS consegue remanejar as operações e isso acaba ‘mascarando’ uma condição que vem se deteriorando rapidamente.”

A estiagem na região Norte já levou à paralisação parcial da hidrelétrica Santo Antônio, uma das maiores do país, neste mês devido ao nível muito baixo do rio Madeira.

No campo meteorológico, a expectativa é de que as primeiras chuvas comecem a cair nos reservatórios da região no final deste mês e ainda permaneçam irregulares na primeira metade de outubro, para ganhar corpo apenas na segunda quinzena do próximo mês, afirma Alexandre Nascimento, sócio-diretor da Nottus Meteorologia.

“A expectativa não é ruim, poderia até dizer que é boa, mas antes de melhorar vai piorar bastante… Continuamos com temperaturas extremamente altas e umidade relativa muito baixa, isso acaba acelerando ainda mais o processo de deplecionamento dos reservatórios”, disse Nascimento.

O cenário da Nottus, que não contempla atraso do início do período úmido, aponta que as chuvas no Sudeste/Centro-Oeste em novembro e dezembro devem ficar em níveis normais e pontualmente até um pouco acima da média histórica.

Impacto nos preços e na inflação

A perspectiva atual de energia natural afluente (ENA) muito baixa deve levar a um aumento do preço de liquidação das diferenças (PLD), indicador de referência do setor elétrico para negociações do mercado de curto prazo e que também é considerado no cálculo das bandeiras tarifárias.

“O cenário-base é de preços um pouco mais estressados para o último trimestre, com bandeira tarifária vermelha no mês de outubro… mas é difícil cravar nesse momento”, disse Sergio Romani, CEO da Genial Energy, lembrando que os preços de energia reagiriam rapidamente na ocorrência de chuvas abundantes.

“Temos gordura em reservatório, mas em ENA estamos muito mal, a pior da história… na casa de 9,2 GW (em setembro), é assustador, nunca vi isso acontecer no sistema elétrico brasileiro”.

Mas analistas ainda divergem sobre qual será a tendência de acionamento das bandeiras tarifárias até o fim do ano, com consequente impacto na inflação da cobrança adicional na conta de luz.

A Genial Energy projeta bandeira vermelha em todo o último trimestre em seu cenário-base. Já a corretora Warren Rena considera acionamento da bandeira vermelha 1 até outubro e amarela no restante do ano, com uma projeção de IPCA de 4,53% em 2024. Caso a bandeira encerre o ano no vermelho, a Warren calcula impactos na projeção do IPCA de +14 bps para vermelha 1 e de +32 bps para vermelha 2.

O Banco Daycoval, por sua vez, projeta bandeira verde para dezembro, com uma projeção de IPCA de 4,0% para 2024. Se houver manutenção da atual bandeira vermelha 1 até o fim do ano, a inflação deve fechar o ano em torno de 4,3%, calculou o banco.

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