quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Copom sacramenta cenário majoritário do mercado e do governo após indicação de Galípolo

 


Tom mais duro do diretor de política monetária foi amenizado por defesa de gradualismo por parte de Campos Neto

 


Fabio Graner, Bárbara Baião

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Reunião do Copom no Banco Central de 2 de agosto / Crédito: Raphael Ribeiro/BCB


 

Na primeira reunião do Copom após o diretor Gabriel Galípolo ser oficialmente indicado para a presidência do Banco Central, a autoridade monetária evitou surpresas e seguiu o caminho que a maioria do mercado financeiro havia entendido como sinalizado: o início de um ciclo de alta dos juros em 0,25 ponto porcentual.

A decisão, unânime, também reduz a safra de ruídos que vinham crescendo dadas as diferentes sinalizações que vinham sendo dadas por Galípolo e o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto.

O atual diretor de política monetária, em um esforço para comprar credibilidade para quando der efetivamente as cartas, começou a falar mais grosso nas semanas seguintes ao Copom de julho. O discurso ficou tão duro que Campos Neto entrou em campo para abrandar o sinal e dizer que, caso o ciclo de alta viesse a se efetivar, seria gradualista. No fim, foi o que aconteceu.

Apesar de o cenário apontar uma queda na inflação ao longo do tempo, esse processo está mais lento do que o desejável para quem tem uma meta de 3% e em um contexto no qual as projeções pioraram entre um Copom e outro.

No cenário de referência do BC, que considera a taxa de juros prevista pelo mercado, o IPCA fecha o ano que vem em 3,7% e chega a 3,5% no primeiro trimestre de 2026, o chamado horizonte relevante da política monetária. Antes, estavam em 3,6% e 3,4%, respectivamente, em um quadro que ainda não pressupunha uma retomada já do ciclo de alta dos juros.

O BC tirou do comunicado seu cenário alternativo, no qual apresentava a projeção para o IPCA considerando a manutenção dos juros em 10,5% por todo o horizonte de projeção.

A nota que informa a decisão, aliás, foi mais enxuta e também deixou claro que, para além da piora nas projeções do BC e do mercado, o cenário de atividade mais aquecida do que o esperado, inclusive com o PIB operando acima do potencial (hiato positivo), enseja ação do BC para colocar o IPCA de volta à rota para ficar ao redor da meta.

A decisão era esperada pelo governo. A unanimidade, especialmente em um contexto no qual o indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) falou mais grosso que os integrantes mais antigos do colegiado, dificulta a retomada de um discurso mais agressivo do governo. Mesmo assim, o chefe do Planalto voltou hoje a lançar farpas contra Campos Neto. O presidente do BC é visto como um inimigo por Lula e seu entorno, embora o governo tenha esfriado um pouco nos últimos meses o processo de produção de ruídos no flanco monetário.

A postura gradualista adotada pelo colegiado liderado por Campos Neto foi facilitada pela decisão do Fed (o BC americano), que cortou a taxa básica dos EUA em 0,5 ponto. Com isso, a taxa de câmbio já se consolida em patamar abaixo de R$ 5,50, o que pode facilitar um ciclo de ajuste mais curto e não muito agressivo. As projeções para o IPCA apresentadas hoje pelo BC consideraram o dólar em R$ 5,60.

A ata certamente trará mais detalhes da discussão e da decisão do BC, mas o time de indicados de Lula, depois da decisão dividida de maio, reforça a mensagem de que não pretende ser leniente com a inflação. Ainda assim, é de se esperar que o futuro BC, com maioria de indicados do atual governo, tenha uma postura na qual tente operar mais na lógica de duplo mandato, buscando fazer a inflação convergir em um ambiente de pleno emprego. Isso, porém, só é viável se o Copom tiver credibilidade. Galípolo e companhia sabem disso e estão buscando viabilizar as condições para isso. A decisão de hoje contribui.

De outro lado, certamente será crescente no governo uma preocupação: se a combinação de uma redução dos estímulos fiscais que começou a acontecer no curto prazo com aperto monetário não vai gerar um resfriamento maior do que o desejável na atividade. Hoje esse não é o cenário-base da equipe econômica e nem do governo, mas aqui e ali já se notam alguns interlocutores apontando para esse risco.


Fabio Graner

Analista de economia do JOTA em Brasília. Foi repórter e colunista de economia no Valor Econômico e também atuou no Estadão, DCI e Gazeta Mercantil, com mais de 20 anos de experiência, incluindo setor público. E-mail: fabio.graner@jota.info

Bárbara Baião

Analista de Política em Brasília. Passou pelas redações da CBN e CNN Brasil, com foco na cobertura do Legislativo. Email: barbara.baiao@jota.info 

 

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