Belém
vive uma desenfreada corrida imobiliária em direção à Conferência do
Clima das Nações Unidas (COP 30). Em clima de euforia comercial,
moradores e empreendedores enxergam uma chance imperdível de alugar
imóveis a preços de compra, com aluguéis chegando a R$ 3 milhões para os
doze dias da conferência.
O afã ganha impulso com as obras de
revitalização numa cidade repleta de deficiências, que especialistas
criticam por hipervalorizar zonas nobres em detrimento de vizinhas
precarizadas. A explosão dos aluguéis é acompanhada ainda pela ameaça de
despejo de inquilinos locais.
A
nove meses do megaevento da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a
crise climática, os belenenses de várias classes sociais oferecem
hospedagem por temporada para os esperados 50 mil visitantes. O aluguel
para acomodações de classe média baixa gira em torno de R$ 1 mil para o
período da conferência. Mas, para os imóveis das classes média e alta, o
céu é o limite.
Em
duas plataformas que firmaram parcerias com o governo do Pará, Airbnb e
Booking.com, a metade mais cara das 1,2 mil acomodações disponíveis
para pelo menos uma pessoa em novembro tem diárias que vão de R$ 6 mil
até R$ 285 mil.
Com significativas disparidades, o aluguel mensal
médio de um imóvel de 100 metros quadrados na cidade amazônica era de R$
5,5 mil em janeiro, o terceiro mais caro entre as capitais do Brasil,
segundo o Índice FipeZAP. Só no ano passado, os leitos disponibilizados
pelo Airbnb em Belém e região chegaram a 5,2 mil – um aumento de 54% em
relação ao ano anterior, diz a plataforma.
Também
as agências imobiliárias viram aumentar a clientela ansiosa para alugar
seus apartamentos a preços que hoje são tão variados quanto eram antes
impensáveis, saindo a pelo menos alguns milhares de reais pela diária.
Os corretores investem numa enxurrada de propaganda, mirando quem quer
ganhar dinheiro na COP30.
“Os
proprietários calculam os preços em dólar, e os valores ficam às vezes
fora da realidade. Muitos deles desistiram de vender seus imóveis para
alugar na COP”, diz o corretor Genardo de Oliveira. “É uma loucura.”
A
organização da COP30 aposta no aluguel de temporada para gerar 11,5 mil
leitos e contornar a deficiência da capacidade hoteleira de Belém.
Segundo dados oficiais, em 2022 havia apenas 12,2 mil unidades
habitacionais de hospedagem, dos quais 91% eram hotéis.
Vale tudo para alugar em dólar
Alguns
proprietários estão dispostos a ir longe para não perder um bom negócio
numa cidade onde a oferta imobiliária é limitada e a demanda, de
repente, virou global. Para muitos, está na mesa até não renovar ou
rescindir contratos com inquilinos de longa data para alugar na COP30.
Há ainda quem demande reajustes no aluguel acima dos índices padrão como
condição para manter contratos.
“É um momento de monetizar para
ter renda extra onde você mora”, afirma o corretor Fabrício de Menezes.
“Pessoas que nunca pensaram em alugar antes agora vão disponibilizar
seus apartamentos. A maioria vai, inclusive, se ausentar da cidade.”
É
o caso da família de Víndia Barros, que decidiu alugar o seu
apartamento no bairro Umarizal, um dos mais nobres de Belém, depois de
uma vizinha fechar um contrato de oito meses com uma empresa. Ela espera
conseguir R$ 30 mil por diária em novembro. O valor hiper inflado já
passou a ser chamado de mediano entre os moradores da região. “É uma
forma de ganhar uma renda extra e colaborar com o evento”, ela diz.
“Quero pedir o valor que é justo e que está na média do mercado.”
No
caso de Luciana Contente, proprietária de dois imóveis num bairro nobre
próximo às sedes da COP30, a solução foi um arranjo que se vai se
tornando comum. Em troca de se ausentar em novembro, seu inquilino vai
levar 5% dos R$6 00 mil que ela quer lucrar com a locação por 20 noites
de um apartamento. Hoje, o aluguel mensal do imóvel gira em torno de R$3
mil.
“De início, meu inquilino se mostrou relutante. Mas, quando
falei sobre o valor e que a gente poderia dividir lucros, ele se mostrou
muito favorável”, conta. Com o dinheiro, Luciana e o marido pretendem
dar entrada num novo imóvel e fazer uma terceira acomodação para a
COP30.
Agentes imobiliários desaconselham novos clientes a
renunciar a contratos de longo prazo ou vender bens mirando um novo
imóvel, já que os aluguéis podem retroceder.
O médico Marcelo
Seguin insistiu na aposta e botou um carro à venda por R$350 mil na
expectativa de inteirar o valor para um apartamento de alto padrão. “É
uma especulação. Seria para ganhar um dinheiro rápido, em dez ou 15
dias”, ele diz. “A gente vai ver se a minha expectativa pode virar
prejuízo.”
Na semana passada, o governador Helder Barbalho negou
que os preços sejam abusivos e disse que o dinheiro vai servir à
economia local. O governo estadual disse ainda que o Procon vai
fiscalizar hotéis da capital para adequar as tarifas na COP30. Mas não
comentou o caso dos imóveis privados, que, no caso da Booking.Com e do
Airbnb, são controlados pelos locatários, segundo as plataformas.
Já o governo federal promete mais 26 mil leitos e uma plataforma oficial para gerir acomodações, a fim de conter a especulação.
Cidade dividida
Enquanto
isso, Belém assistiu nos últimos dois meses a uma tendência de aumento
nos aluguéis de longo prazo que deverá permanecer pelo menos
temporariamente.
“Passado o evento, a pressão extraordinária sobre
os valores de aluguel tende a diminuir, a menos que haja outros fatores
estruturais que sustentem a alta”, como a valorização imobiliária em
áreas revitalizadas, explica o coordenador do FipeZAP, Alison Oliveira.
No
caminho para a COP30, Belém se tornou um canteiro de obras, com
projetos para melhorar a mobilidade, saneamento, desenvolvimento urbano,
turismo e conectividade antes da conferência, com foco na
sustentabilidade.
“A obra na frente do meu prédio vai ficar linda.
Sem dúvidas, a infraestrutura e o lazer vão melhorar”, celebra Vídia,
que mora diante do Parque Linear em construção. “Era uma reivindicação
antiga nossa.”
Mesmo com legados positivos, os investimentos
também atraem críticas por beneficiar as áreas já mais valorizadas da
cidade com projetos de alto custo e reforçar a segregação social.
“Algumas
obras são importantes e necessárias, como o Parque da Cidade, mas
outras não são uma exigência da ONU, custam milhões e beneficiam o
mercado imobiliário principalmente”, afirma Roberta Rodrigues, diretora
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
(UFPA).
Na avaliação de
especialistas, a reforma de grandes avenidas ao longo de rios urbanos
pode ainda aprofundar a gentrificação na Cidade Velha, que faz parte do
Centro Histórico de Belém, e no Reduto, antiga zona industrial do ciclo
da borracha.
Já nas periferias e favelas, onde moram 57% da
população, a cidade acumula uma longa história de amplos desafios
estruturais. A cobertura de esgotamento sanitário só atendia 20% dos
belenenses antes das reformas, aponta o Instituto Água e Saneamento.
“Certamente
a maioria dos visitantes vai conhecer uma cidade resiliente criada para
a COP30”, afirma Lucas Navegantes, jovem pesquisador da UFPA. “Mas
existe uma segunda cidade, a das periferias. Lá, não se está pensando a
mesma perspectiva de cidade.”
Em nota, o governo do Pará disse que
os investimentos de R$ 4 bilhões beneficiarão a população, inclusive
com 59 quilômetros de rede de esgoto sanitário. Já a prefeitura de Belém
afirmou que não há gentrificação na Cidade Velha e que se dedica a
programas de inclusão social e urbanização.