“A
COP30 é a COP da verdade”, destacou o líder brasileiro, que reafirmou,
em diferentes momentos, a urgência da necessidade de financiamento para
adaptação e transição energética, de se afastar de forma planejada e
acelerada da dependência dos combustíveis fósseis.
“A
cúpula de líderes foi bastante positiva porque tocou num ponto que é
fundamental, quando a gente discute clima, que é o fim do uso de
combustíveis fósseis. O presidente Lula disse que quer ver, no fim da
conferência, os países acordando um mapa do caminho, uma espécie de
roteiro de como a gente vai fazer a transição, porque ela não vai
acontecer da noite para o dia. Como essa transição vai
acontecer? Quais países começam primeiro? Qual é a linha de tempo disso,
o tamanho do esforço, quanto de financiamento? Esse recado foi
fundamental”, afirma à Agência Brasil o secretário
executivo da Observatório do Clima, Márcio Astrini. O Observatório do
Clima é uma rede da sociedade civil brasileira, com mais de 130
integrantes, entre organizações ambientalistas, institutos de pesquisa e
movimentos sociais para debater e pressionar por ações de mitigação e
adaptação à crise climática.
O uso
de combustíveis fósseis, como petróleo e carvão, representa 75% das
emissões de gases que causam o efeito estufa e aumentam a temperatura do
planeta, segundo dados da plataforma Climate Watch. Em
seguida, aparecem agricultura (11,7%), resíduos (3,4%), processos
industriais (4%), desmatamento e mudanças de uso da terra e das
florestas (2,7%).
Conjuntura desafiadora
Apesar desse
quadro, a urgência da agenda climática nunca esteve tão em xeque, em
meio a conflitos armados persistentes, a saída dos Estados Unidos (EUA)
do Acordo de Paris – com retorno da postura negacionista sobre o tema -,
e até um repique no aumento das emissões de gases de efeito estufa
ocorrido ano passado, especialmente por causa das emissões de CO2, o
principal poluidor da atmosfera.
Até o momento, menos de
80 países atualizaram suas Contribuições Nacionalmente Determinadas
(NDC, na sigla em inglês). As NDCs são metas de mitigação, ou seja,
compromissos adotados pelos países para redução de emissões de gases de
efeito estufa, e foram implementadas desde o Acordo de Paris, há exatos
10 anos. Juntas, as NDCs publicadas respondem por 64% das
emissões globais. Entre os países que mais emitem esses gases, EUA
(antes da posse de Donald Tump), China e União Europeia apresentaram
suas metas, mas a Índia, terceira maior emissora, ainda não entregou.
Países que representam mais de um terço das emissões globais seguem sem
atualizar seus compromissos.
“A gente não sabe o que
os países prometeram fazer, porque eles não entregaram essas promessas.
Então, você esperava que eles apresentassem ali durante a cúpula, pelo
menos alguns deles, mas as promessas não vieram e isso daí foi um lado
muito ruim”, critica Márcio Astrini.
Em sua
décima e última carta à comunidade internacional, divulgada no sábado
(9), o presidente-designado da COP30, embaixador André Corrêa do Lago,
fez um chamado aos países para que Belém se torne “um ciclo de ação” no enfrentamento da crise climática. Para o embaixador, este é o momento de implementar uma agenda de mudanças focada na união e na cooperação.
Ao longo do último ano de preparação, uma série de discussões prévias buscou alinhar a convergência entre os países, como a Conferência de Bonn, em junho, na Alemanha, e a Pré-COP,
em Brasília, realizada no mês passado. Vale lembrar que os pactos nas
COP por consenso, entre as 198 partes da Convenção do Clima e do Acordo
de Paris, tornam o processo negociador extremamente completo.
Adaptação e transição
Na
avaliação de negociadores, três temas deverão guiar as negociações da
conferência: adaptação climática, transição justa e a implementação do
Balanço Global do Acordo de Paris (GST, na sigla em inglês).
A adaptação se refere à forma como cidades e territórios devem se preparar para lidar com eventos climáticos extremos, como o tornado que destruiu Rio Novo do Iguaçu,
no interior do Paraná. Nesse caso, a COP30 deve definir indicadores
para o Objetivo Geral de Adaptação Climática, uma forma de medir o
progresso dos países.
O tema da transição justa deve ganhar um
programa de trabalho oficial na estrutura da COP, com diretrizes para a
implementação de políticas que atendam às pessoas impactadas pela
transição rumo a economias de baixo carbono. Nesse caso, somado ao tema
da transição energética, a meta é criar condições para que trabalhadores
impactados pelas transformações em setores poluidores, por exemplo,
tenham condições de atuar em novas áreas da economia.
A outra
prioridade é a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris. O
primeiro foi há dois anos, na COP28, em Dubai, e apresentou uma série de
recomendações para orientar os países na superação dos desafios da
mudança do clima e no combate ao aquecimento global.
Financiamento
Além
de todas as questões práticas está o gargalo do financiamento, sem o
qual a guinada necessária para que o planeta possa consolidar uma
economia de baixo carbono será inatingível. Essa é a principal armadilha nas negociações da COP30, avalia Márcio Astrini, do Observatório do Clima.
“Os
países ricos, há muito tempo, prometeram que iriam colocar dinheiro em
cima da mesa. Eles são os que mais devem dentro dessa conta do clima e
prometeram financiar uma saída para que os países pudessem ali se
desenvolver, sem perder sua economia, sem gerar pobreza, implementando
novas tecnologias. Só que o dinheiro prometido para fazer essa transição
nunca apareceu, na verdade. E isso gerou uma crise de confiança, que
piorou na última conferência do clima [a COP29, em Baku, no
Azerbaijão]”.
Para tentar impulsionar a resolução
desse problema, foi apresentado um plano estratégico com o objetivo de
viabilizar US$ 1,3 trilhão por ano de financiamento climático.
Elaborado pelas presidências da COP29 e COP30, o documento batizado de
“Mapa do Caminho de Baku a Belém” foi apresentado na última semana para
tentar dar contornos mais concretos sobre como materializar esses
recursos
Na agenda de ação brasileira, um dos instrumentos financeiros prioritários é o Fundo Florestas Tropicais para Sempre
(TFFF, na sigla em inglês). Lançado na última quinta-feira (6) durante a
Cúpula do Clima, o projeto conta com aportes prometidos de mais de US$ 5,5 bilhões
para financiar a manutenção e proteção das florestas tropicais
presentes em cerca de 70 países. Ao menos 20% desses recursos deverão
ser destinados a comunidades tradicionais e povos indígenas.
Sociedade civil
Se
o resultado das negociações da COP30 ainda são incertos, a conferência
certamente será marcada por uma exuberante participação da sociedade
civil brasileira e internacional. Muito além da Zona Azul (Blue
Zone), onde ocorrerão os eventos oficiais e o acesso é restrito a
negociadores e pessoal credenciado, uma série de atividades espalhadas
por toda a cidade pretende mobilizar a atenção em torno de diversas
facetas da questão climática. O epicentro será a Zona Verde (Green
Zone), a área pública da COP30, de entrada gratuita, que também fica no
Parque da Cidade, em Belém.
O espaço é administrado pelo governo
federal, mas sociedade civil, instituições públicas e privadas,
comunidades tradicionais, juventude e demais atores não governamentais
poderão se conectar, dialogar e apresentar projetos de tecnologia e
inovação em soluções para a crise climática. É também um espaço de
convivência e lazer gratuito par a população. No Pavilhão do Círculo dos
Povos, por exemplo, povos indígenas, comunidades tradicionais, pequenos
agricultores e outras populações consideradas essenciais na proteção
dos biomas, terão uma extensa agenda. A COP30 deverá receber a maior
mobilização indígena da história de todas as outras edições, com mais de
3 mil pessoas.
“Clima não é conversa de ambientalista
ou de diplomata. Clima tem a ver com o nosso dia a dia – quando sobe o
preço do café, por exemplo, é porque a safra, o plantio, teve prejuízo
no Brasil, na Indonésia, no Vietnã, por questões climáticas. Quando a
gente tem a tarifa vermelha [na conta de luz], é porque não choveu
direito no local certo, as hidrelétricas não foram abastecidas, a
energia ficou mais cara. Clima é uma coisa que tem a ver com o nosso
prato de comida, com o nosso dia a dia”, diz Márcio Astrini, ao celebrar
a ampla participação social prevista nesta COP.
“Essa
já é a COP vitoriosa, porque o fato de ser realizada no Brasil
movimentou diversos setores, muitos deles que nunca tinham conversado,
se aproximado da agenda de clima, pessoal da religiosidade, do movimento
negro, nós tivemos juízes, a área da saúde, da educação, são muitos
movimentos que foram ficando mais próximos, mais íntimos do problema, se
apropriando mais da agenda do clima”.
Outro grande
destaque em Belém será a Cúpula dos Povos, de organização autônoma dos
movimentos sociais, que começa na quarta-feira (12) na Universidade
Federal do Pará (UFPA). Uma barqueata no Rio Guamá, que banha a
capital paranese, deve dar início à mobilização. O evento vai reunir
movimentos sociais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos de mais de 62
países para discutir uma transição justa do clima. No sábado (15), uma
grande marcha dos povos pelas ruas de Belém também está prevista.
O coordenador executivo da APIB, Dinamam Tuxá, diz que acodos firmados devem ser cumpridos – Foto Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
“Em
todas as COPs, saíram acordos que não foram cumpridos na sua
totalidade. O que precisamos é que esses acordos firmados, de fato,
sejam efetivados e cumpridos. E chamar quem de fato lida com a proteção
territorial, a preservação e a conservação para a mesa de negociação. De
igual para igual”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo
da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).