Se restava ainda alguma dúvida acerca do grau de
improviso que tem marcado a condução da política econômica nos últimos
anos, a confusão da semana passada deve tê-la dissipado em definitivo. O
que talvez não seja tão claro é o motivo da gambiarra.
Não é segredo que a evolução da inflação tem sido pior do que o BC
parecia imaginar há pouco. Apenas no primeiro trimestre, apesar do
adiamento dos reajustes de transportes coletivos e da redução mais forte
dos preços de energia, a inflação deve superar em cerca de meio ponto
percentual as previsões do BC feitas em dezembro, um padrão que
provavelmente se repetirá ao longo do ano.
Ainda que não tenha explicitado esta preocupação na sua ata mais
recente, parece claro que o BC (finalmente) compreendeu as dificuldades,
o que talvez explique a ausência de qualquer menção à convergência
(linear ou “não linear”) da inflação à meta. Ao mesmo tempo, porém, se
aferra à estratégia de manter as condições monetárias inalteradas “por
um período de tempo suficientemente prolongado”, afastando a
possibilidade de voltar a subir taxas de juros possivelmente até o final
de 2013, senão mais adiante.
A percepção de que o BC abdicou do instrumento monetário, enquanto
exprime certo desconforto com a inflação, levou o mercado a se perguntar
que ferramenta ainda poderia ser usada.
Inflação alta e crescimento são resultado de um política deliberada, fruto da mistura de voluntarismo e ignorância
A resposta veio pouco depois, quando o BC antecipou a rolagem de suas
vendas de dólares no mercado futuro, sinalizando a intenção de trazer a
taxa de câmbio para baixo do piso informal de R$ 2,00 por dólar que
vigorou na maior parte do ano passado. O real mais forte poderia
baratear tanto as importações quanto os preços domésticos dos produtos
exportados. Curiosamente, houve até menção a fontes da Fazenda sugerindo
que isto auxiliaria o investimento, depois de anos alardeando o
contrário.
Se tal estratégia existiu (ou existe), foi vítima imediata de “fogo
amigo”, manifesto na entrevista do ministro da Fazenda, que afirmou com
todas as letras: “não permitiremos uma valorização especulativa do real e
isso veio para ficar”. Ato contínuo, reafirmou seu compromisso com o
câmbio flutuante, obviamente desde que nos limites que considera
apropriados, um oxímoro em construção.
Raras vezes se viu tamanha descoordenação entre partes do governo,
mesmo num que não prima pela unidade de propósito. Mais do que acidente
de percurso, porém, acredito que o episódio ilustra muito bem as
inconsistências no arranjo atual de política econômica.
Não faltam objetivos: o governo quer crescimento alto, inflação
baixa, câmbio desvalorizado e uma Selic reduzida. Não há maiores
dificuldades quanto ao último objetivo, dado que se trata de variável
controlada pelo BC, assim como, em certa medida, pode sê-lo o câmbio.
Faltam, porém, instrumentos.
Assim, ao fixar a taxa de juros o governo abre mão do instrumento que
deveria ser usado para controlar a inflação. Daí a tentação de usar o
câmbio para este fim, colidindo com a meta do dólar caro. Na
impossibilidade de usar, de forma torta, o fortalecimento do real para
este fim, sobra a possibilidade de atuar diretamente sobre preços, no
caso através de desoneração tributária e/ou subsídios, os quais
contribuem para erodir o desempenho (já nada brilhante) das contas
públicas, obrigando a tentativas cada vez mais complexas de tapar o sol
com peneiras contábeis, quando não sacrificando a geração de caixa e a
capacidade de inversão das empresas estatais.
O improviso é, pois, decorrência direta do abandono de uma estrutura
que combinava objetivos e instrumentos em favor de uma condução
discricionária que, em nome de metas conflitantes, nos tem levado a
situações como a vivida na semana passada.
Já inflação alta e crescimento baixo não se improvisam; são
resultados de uma política deliberada, fruto da mistura ingrata de
voluntarismo e ignorância.
Fonte: A Mão Invisível