Alexandre Versignassi 6 de fevereiro de 2013
A equipe do BNDES
Se você levar para casa todo o dinheiro que existe em todas as
carteiras, bolsas, caixas registradoras e fundos de gaveta do país, vai
terminar com
R$ 143 bilhões. Mas se você prefere cartão
de débito, beleza: pode transferir o dinheiro de todas as contas
correntes do país e, discretamente, depositar na sua. Seu saldo vai
amanhecer em
R$ 164 bilhões. Também dá para fazer os dois e acordar R$ 307 bilhões mais rico.
Mas se você é ambicioso mesmo, o negócio é pedir pro BNDES. De 2009 pra cá, o banco estatal emprestou R$ 600 bilhões
– média de R$ 150 bilhões por ano, contra R$ 64 bilhões nos quatro anos
anteriores; e R$ 35 bilhões nos quatro ante-anteriores. O Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social virou a grande torneira
de dinheiro do país.
Não faz sentido. O papel do BNDES, a princípio, não é esse. É
levantar dinheiro a juros baixos, para empreitadas que cumpram dois
critérios:
1 – Ser algo que ajude o país a ir para a frente. Se eu
quiser montar um sex-shop, não, talvez eles não entendam como as minhas
algemas com popom e calcinhas diet podem ajudar o país a ir para a
frente. Aí tenho que tomar empréstimo em outro banco – provavelmente o
BNDES diga para eu tomar no…
2 – Pois é. Esse é um banco holandês que teria uns
problemas se viesse pra cá… Mas então: o segundo critério é que você, o
tomador, seja alguém que não vá ter crédito fácil nos bancos privados.
Se você for o Tio Patinhas e pedir financiamento para uma fábrica no
BNDES, o ideal é que não role. Se você pode pagar juros de mercado,
então que pague. Não venha pedir financiamento subsidiado pelo governo.
Mas o BNDES não tem levado em conta o critério número dois. Os
maiores beneficiários dos empréstimos deles são justamente empresas
quaquilionárias: Petrobras, Vale, Grupo EBX (que congrega as empresas de
petróleo, mineração, logística, energia, alegoria e adereços do Eike)…
Tudo peixe grande. Só para o consórcio de mega-empresas de energia que
está construindo Belo Monte, foram R$ 22,5 bilhões (80% do que a
hidrelétrica vai custar).
Existem várias justificativas: a Petrobras precisa um zilhão pra
furar o Pré-sal, o porto do Eike deve ajudar a destravar nossa
logística, sem Belo Monte podemos ficar no escuro. Ok. Tudo certo. O
discutível mesmo é se essas empreitadas seriam realmente impossíveis sem o BNDES.
Por que o dinheiro do BNDES não é inócuo. Ele tem um efeito colateral indigesto: deixa a gente mais pobre.
Esses empréstimos atrapalham o que os economistas chamam de “política
econômica” – o controle que o governo tem sobre a quantidade de
dinheiro que circula no país. Se houver dinheiro de menos, é recessão.
Se tiver demais, é inflação. A meta é injetar ou tirar dinheiro de
circulação de modo que não aconteça nem uma coisa nem a outra. Acertar
na mosca é impossível, então o governo estabelece “metas de inflação”,
já que é melhor um pouco de inflação do que um pouco de recessão.
A meta do Brasil, hoje, então, é uma banda entre 2,5% e 6,5% ao ano.
Baixou de 2,5%, toca colocar dinheiro novo em circulação. Passou disso, a
ordem é sugar grana da praça.
Controlar esse tira-e-põe de dinheiro novo não é tão simples.
Funciona mais ou menos como dirigir um F-1 na chuva: que dá, dá, mas
qualquer escorregada pode te tirar da pista. Uma escorregada, no caso,
pode ser criar mais dinheiro novo do que a economia dá conta. Tipo: se a
mulherada toda do bairro passar a ter o dobro de dinheiro na mão da
noite para o dia, o salão de cabeleireiro vai amanhecer cobrando o
dobro. Natural. Na prática, então, o dinheiro perde valor.
Mas se a injeção for gota-a-gota, a coisa muda de figura. Dá tempo
para que o dinheiro estimule a criação de mais um salão no bairro. E
quando houver mesmo o dobro de dinheiro nas mãos de todo mundo, também
vai ter o dobro dos serviços – e o dobro dos empregos. É assim que uma
economia cresce. E o Brasil usa injeções de dinheiro novo para crescer,
igual qualquer país faz.
Só que o BNDES está atrapalhando as coisas: ele
coloca dinheiro novo na economia por conta própria.
Por causa do seguinte: o Tesouro Nacional segura as pontas do BNDES
quando o cinto dele aperta. Quando quem fica sem grana é o próprio
Tesouro, o Banco Central ajuda. E o Banco Central é o Mestre dos Magos
do sistema financeiro. Seu poder de criar moeda é ilimitado.
Só entre 2010 e 2011, nosso Mestre dos Bancos ligou suas impressoras
de dinheiro e fabricou R$ 320 bilhões para o Tesouro. Uma fatia gorda
desses bilhões foi direto para o BNDES. E de lá fluiu para Petrobras,
Vale… O Eike já disse que “O BNDES é o melhor banco do mundo”. É mesmo:
ser um banco que não precisa de cliente para levantar dinheiro é como
ser uma pessoa que não precisa trabalhar pra ganhar salário. Também
quero.
Nos anos 70 e 80, o Banco do Brasil era parecido. Pior, na verdade:
ele tinha o direito de imprimir moeda por conta própria, sem dar
satisfação para o Mestre dos Bancos, e sair emprestando – o nome técnico
desse mecanismo era “conta movimento”.
O dinheiro novo do Banco do Brasil foi para a construção de
hidrelétricas, estádios, estradas… Até que deu certo: a impressão
desenfreada de papel colorido levantou coisas concretas, empregou gente,
fez girar a roda da economia. O problema é que exageram na dose. E o
resultado foi a maior inflação da nossa história.
Isso de um megabanco produzindo dinheiro à vontade c0mplicou tudo. O
governo perdeu o poder que tinha sobre a quantidade de moeda em
circulação – e, por consequência, sobre a economia. Quando o Estado
perde esse controle, ele deixa de ser digno desse nome. Agora, com o
BNDES, estaria acontecendo algo parecido. “É a pura volta da
conta-movimento”, escreveu
Maílson da Nóbrega.
Aí é aquela história: o dinheiro novo acaba caindo na praça rápido
demais, e não aí não tem quem segure. Como isso acontece? Via salários,
por exemplo. Um terço dos diretores de empresa do país ganham mais de R$
1 milhão por ano. Novas empreitadas = novos executivos. Aquele dinheiro
novo do BNDES, então, acaba virando apartamento no Leblon. E
alimentando outro desenvolvimento: o da bolha imobiliária. Um
desenvolvimento que não tem nada de econômico. Muito menos de social.
E isso é o de menos. O problema é que a economia toda acaba
contaminada. Em 2011, o “saldo médio” de todas as contas correntes do
país, mais o dinheiro de papel em circulação, dava R$ 256 bilhões. Em
2012, foram R$ 270 bilhões. E agora estamos na faixa dos R$ 300 bi.
Enquanto isso, o PIB só cresceu em 1% e a produção industrial
estagnou.
Com mais dinheiro circulando e produção empacada, não deu
outra: inflação oficial roçando nos 7% ao ano. E agora, como o estrago
feito, o governo federal vem tentar segurar a inflação pedindo pra
prefeito segurar aumento na passagem do ônibus.