Área jurídica recomendou pagamento em caso de condenação, mas conselho presidido por Dilma desobedeceu
21 de agosto de 2013 | 13h 46
Sabrina Valle, da Agência Estado
RIO - Na tentativa de evitar o cumprimento de condenação
arbitral de abril de 2009 proferida em Houston, no Texas, no caso da
refinaria de Pasadena, a Petrobrás acabou elevando seu prejuízo na
aquisição da unidade americana, já estimado na casa de US$ 1 bilhão.
A decisão, determinada pelo conselho de administração da
companhia, à época presidido pela então ministra da Casa Civil Dilma
Rousseff, acarretou o pagamento extra de US$ 181,4 milhões, segundo
documentos obtidos pelo Broadcast, serviço de informações em tempo real da Agência Estado.
Atas de reuniões do conselho de administração e da diretoria,
que não fazem parte do material investigado por autoridades e
congressistas, expõem uma orientação da área jurídica em 2009 de honrar o
pagamento em caso de decisão judicial contrária à empresa.
Houve condenação e a Petrobrás ainda assim recusou-se a pagar.
Procurada, a companhia não se manifestou sobre o assunto.
O Ministério Público (MP) junto ao Tribunal de Contas da União
(TCU) analisou farto material da petroleira numa ação que corre em
sigilo a pedido da Petrobrás. A conclusão foi de que não houve respaldo
jurídico para o descumprimento das decisões arbitrais e judiciais.
O MP informou que vai apurar a responsabilidade pelo prejuízo
aos cofres públicos e encaminhou representação ao TCU por indícios de
gestão temerária.
A arbitragem foi iniciada em junho de 2008, a pedido do próprio
conselho da Petrobrás. A estatal perdeu em todas as instâncias e só
fechou acordo no ano passado. Pagou, ao todo, US$ 1,18 bilhão por uma
refinaria antiga e de baixa complexidade (refina óleo leve) que custava
US$ 42,5 milhões em 2005.
"No material que analisamos não encontramos justificativa legal
(para descumprir as decisões arbitrais e judiciais), era causa perdida
na Justiça. É preciso apurar a responsabilidade dos conselhos fiscal e
de administração, pois houve prejuízo muito considerável aos cofres
públicos", disse o procurador do MP junto ao TCU, Marinus Marsico.
Gestão temerária. A suspeita de gestão temerária é mais
um episódio envolvendo a diretoria Internacional da companhia com
possibilidade de prejuízo para acionistas. As operações da área também
são alvo de investigações de autoridades por causa de um contrato
suspeito de irregularidade com a Odebrecht, da venda da refinaria San
Lorenzo (Argentina) e da contratação de um navio sonda pela empresa
Vantage.
Ganharam força depois de denúncia, publicada pela Revista Época,
de um ex-funcionário da Petrobrás sobre desvio de recursos na empresa e
distribuição de comissão para políticos. As investigações são feitas
por Congressistas, pelo MP, pelo TCU e pelo Ministério Público Federal
no Rio (MPF).
O conselho de administração da companhia entrou em arbitragem
com o objetivo de minimizar perdas para a estatal e reverter um acordo
feito pelo então diretor da área Internacional da Petrobrás, Nestor
Cerveró (hoje diretor da BR Distribuidora).
Entre os motivos para o conselho tentar desfazer o negócio
estava o preço da transação. O diretor também foi procurado pelo Broadcast, mas a comunicação sobre o caso está concentrada no comando da Petrobrás.
A comercializadora de energia belga Astra havia comprado 100% da
refinaria em 2005 por US$ 42,5 milhões. Um ano depois, a Petrobrás
comprou dos belgas metade da refinaria proporcionalmente por 17 vezes
mais, US$ 360 milhões. O conselho tentava reverter a compra da segunda
metade, em que a Petrobrás estava disposta a pagar, em 2007, o dobro do
que havia pago no ano anterior e 37 vezes mais do que pagaram os belgas
por 50% do mesmo ativo.
Seriam US$ 700 milhões, mais uma "alocação especial" de US$ 85
milhões, segundo carta de 5 de dezembro de 2007, numa negociação que
teria sido fechada pelo diretor sem o conhecimento do conselho. "A
alocação especial ('a alocação especial remanescente de US$ 85 milhões')
será paga em 17/02/2008 ou no fechamento do negócio", diz a carta.
O caso chamou a atenção do conselho de administração presidido
por Dilma e, em junho de 2008, o órgão decidiu entrar em arbitragem para
invalidar o acordo e minimizar outras perdas para a Petrobrás. A
companhia belga resolveu exercer o direito de vender sua parte no
negócio (put) e vários processos foram abertos entre as partes depois
disso.
A Petrobrás perdeu a arbitragem em abril de 2009 e teria que
pagar à belga US$ 639,1 milhões. Recorreu, mas perdeu de novo, em
confirmação de sentença de junho daquele mesmo ano.
Em 09 julho de 2009, a diretoria executiva se reuniu para
discutir o encaminhamento, como revela a pauta da ata: "Atualizar o
conhecimento do conselho de administração sobre os diversos processos em
andamento relativos ao contencioso de Pasadena, expondo a estratégia de
atuação com relação às diversas demandas, inclusive no que respeita
àquela relativa à validade da carta de intenções de 5/12/2007".
Três semanas depois, o caso chegou ao conselho de administração, de acordo com a ata de 30 de julho de 2009.
Orientação jurídica. Os documentos mostram que o
corpo jurídico da Petrobrás estava de acordo com a decisão de recorrer
das condenações em 2009, no âmbito da arbitragem. Recomendava que, se
confirmada por decisão na Justiça comum ou acordo para tomada de
controle, a pena fosse paga.
Cortes estaduais da Justiça (comum) do Texas confirmaram decisão
da arbitragem em primeira e segunda instâncias em março (comunicado da
Petrobrás de 12/03/2010) e dezembro de 2010. Ainda assim, a Petrobrás
não pagou e continuou com os diversos pleitos na Justiça.
A arbitragem é uma espécie de Justiça privada, acertada
previamente entre as empresas em contrato, como alternativa ao Poder
Judiciário. Apesar de privada, tem o mesmo efeito da Justiça comum.
"Entende o Jurídico da Petrobrás (...) O pagamento dessa opção
de venda e demais condenações objeto do processo arbitral só deverá ser
efetuado após decisão judicial de confirmação ou mediante assinatura de
termo de acordo", diz a ata da reunião de 2009.
Três anos depois, em junho de 2012, a Petrobrás pagou US$ 820,5
milhões num acordo para encerrar as disputas e adquirir o restante da
refinaria. O valor inclui correção monetária e juros de 5% ao ano
estabelecidos em contrato. Mas também as obrigações devidas à Astra não
detalhadas pela petroleira. A diferença entre o valor inicial devido e o
efetivamente pago foi de US$ 181,4 milhões. Caso tivesse cumprido com o
acordo fechado pela área Internacional, mesmo pagando caro, teria
gastado US$ 35 milhões a menos.
Três fontes ouvidas pelo Broadcast, uma delas presente
às reuniões do conselho de administração em que se discutiu Pasadena,
sustentam que teria sido da presidente do Conselho, a então ministra da
Casa Civil, Dilma Rousseff, a decisão final e preponderante de entrar
com processo arbitral e de recorrer das derrotas. Dilma deixou a
presidência do conselho em março de 2010, ano que se candidatou à
Presidência. Procurado, o Palácio do Planalto também não se manifestou.
O caso também é investigado pelo Tribunal de Contas da União,
pelo Congresso e pelo Ministério Público Federal no Estado do Rio de
Janeiro (MPF), que instaurou em junho procedimento investigatório
criminal. "A atuação do ministério Público é impessoal", disse Marsico.
Procurada, a Petrobrás preferiu não comentar. A companhia alega que o
acordo de US$ 820 milhões minimizou as perdas para a empresa, que
poderiam ter chegado a US$ 1,312 bilhão.
O ex-presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli, defendeu o
negócio em audiência na semana passada (06) no Senado. Lembrou que o
cenário do setor internacional de refino era completamente diferente e
que, na época, os valores eram adequados. O executivo, hoje secretário
de Planejamento do governo da Bahia, disse não saber explicar a
diferença de US$ 181,4 milhões entre o que foi acordado no tribunal de
arbitragem e o valor do acordo.
O executivo alegou que já não era mais presidente (saíra quatro
meses antes) quando o acordo foi anunciado. "Estou falando de uma
decisão judicial de 2010. Os termos do acordo são de junho de 2012. Eu
saí da Petrobras em fevereiro de 2012", afirmou Gabrielli. "Pode ter
sido juros, honorários advocatícios, acordos em razão de outras
cláusulas que apareceram. Eu não sei."