domingo, 15 de setembro de 2013

Mercados do BRICs caem para o pior lugar entre investidores


A Índia registrou os piores resultados, seguida pelo Brasil, a Rússia e a China, conforme levantamento global feito pela Bloomberg

Shamim Adam, da
REUTERS/Rogan Ward
A presidente Dilma Rousseff em encontro de chefes de Estado dos Brics
A presidente Dilma Rousseff em encontro de chefes de Estado dos Brics em Doha: o Brasil foi mencionado por apenas 10% como o primeiro ou o segundo melhor mercado para 2014

Cingapura - Pela primeira vez, as maiores nações em desenvolvimento têm as piores oportunidades no mercado já que o otimismo por um maior crescimento foi transferido para os EUA e a Europa, segundo uma pesquisa global da Bloomberg.

A Índia registrou os piores resultados, seguida pelo Brasil, a Rússia e a China, conforme mostrou um levantamento mundial com investidores, analistas e operadores assinantes da Bloomberg. 

O número de entrevistados que considera a União Europeia uma das duas melhores oportunidades aumentou para 34 por cento – a melhor marca na pesquisa desde 2009. Os EUA registraram 51 por cento.

A perspectiva de uma menor liquidez global devido aos cortes no programa de compra de títulos da Reserva Federal dos Estados Unidos desatou a maior liquidação de divisas de mercados emergentes em cinco anos. 

A rúpia indiana e a lira turca chegaram a seus valores mais baixos já registrados. O recuo enfatiza os desafios, como a excessiva dependência do crédito na China e o baixo investimento no Brasil, parte do grupo dos BRICs com a Índia e a Rússia.

“Os BRICs sempre serão atores secundários frente às economias desenvolvidas”, disse Ben Kelly, analista na Louis Capital Markets, em Londres, consultado pelo levantamento. 

“A política monetária americana voltada para o crescimento permitiu aos países desenvolvidos prosperarem graças às taxas reais muito baixas ou negativas”, disse Kelly, referendo-se aos custos de tomar empréstimos ajustados pela inflação.

Agora que os EUA e “em certa medida a Europa estão começando a se estabilizar, talvez parte desse comércio se reverta e já vimos isso acontecer nos mercados de títulos”, afirmou Kelly.


O melhor mercado


O Brasil foi mencionado por apenas 10 por cento dos participantes da pesquisa como o primeiro ou o segundo melhor mercado para o ano próximo - em maio, 19 por cento tinham afirmado o mesmo. Ao contrário, 25 por cento disseram que será um dos dois piores mercados e 35 por cento escolheram a Índia que em maio tinha registrado 12 por cento.

 Os consultados na Ásia foram mais baixistas quanto aos mercados dos BRICs do que os de fora do continente. Quarenta e quatro por cento dos clientes na Ásia afirmaram que a Índia está entre os piores mercados para investidores no próximo ano, comparados com 30 por cento nos EUA e 35 por cento na Europa. Quase um terço deles mencionaram a China como a pior escolha para os investidores frente a 22 por cento nos EUA e 23 por cento na Europa.

Os investidores nos EUA foram mais otimistas com seus próprios mercados. Cinquenta e sete por cento disseram que ofereciam as melhores oportunidades. Quarenta e sete por cento dos entrevistados europeus escolheram a UE. Os consultados asiáticos foram mais otimistas com o Japão do que aqueles de fora da região, por uma margem de dois a um.
Modelo em alteração


“A excessiva dependência da China no modelo de crescimento liderado por investimentos gerou uma rápida expansão das dívidas, um excesso de capacidade em indústrias com uso intensivo de capitais e um excesso de investimentos em infraestrutura”, disse o entrevistado Gregory Doger de Speville, analista na Fleming SG Capital Pty em Perth, Austrália. “O mercado continuará volátil até que os investidores se acostumem com um crescimento mais lento e com uma mudança na estrutura econômica”.

A economia japonesa está se recuperando, mas o levantamento mostra que o Banco do Japão é visto como o mais propenso entre os principais Bancos Centrais a desistir de aumentar as taxas de juros.

Aproximadamente 56 por cento dos consultados afirmam que seu presidente, Haruhiko Kuroda, evitará aumentar os custos de tomar empréstimos pelo menos até o segundo semestre de 2015, frente a 28 por cento para o Fed e 50 por cento para o Banco Central Europeu.

A pesquisa com 900 assinantes da Bloomberg foi realizado pela Selzer Co.,uma companhia sediada em Des Moines, Iowa. Sua margem de erro é de 3,3 pontos percentuais para mais ou para menos.

Indústria brasileira busca estreitar laços com os EUA


Há dez anos países não têm discussão formal sobre liberalização do comércio

Mariana Branco, da
Andrey Rudakov/Bloomberg
Indústria: produção de aço
Indústria: Indústria: há dez anos Brasil e Estados Unidos não têm discussão formal sobre liberalização do comércio

Brasília – Uma missão de representantes da indústria embarca hoje (15) para Washington, capital dos Estados Unidos, com o objetivo, entre outros, de discutir um acordo de livre comércio entre os dois países. A viagem, organizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), incluirá visita a órgãos do Poder Executivo e ao Congresso norte-americano. A missão participará ainda da reunião anual do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos, formado por representantes do setor privado dos dois países.

O gerente executivo de Comércio Exterior da CNI, Diego Bonomo, disse que a agenda comercial entre o Brasil e os Estados Unidos não pode parar em função do momento tenso, causado pelas denúncias de espionagem. “A questão da espionagem é grave e o Brasil faz bem em se posicionar de maneira assertiva.

Mas Estados Unidos e Brasil têm momentos de aproximação e distanciamento. A agenda econômica e comercial vem avançando independentemente desses ciclos. Houve distanciamento em 2010 por conta da negociação com Turquia e Irã [o Brasil intermediou acordo para troca de urânio]. No entanto, em 2011, Obama veio ao Brasil e assinou acordos de cooperação comercial”, lembra. Segundo ele, a CNI não se posicionará por enquanto sobre a possibilidade de ter havido espionagem com fins econômicos.

Bonomo explicou que a missão de empresários atuará em Washington partindo da premissa de que será mantida a visita da presidenta Dilma Rousseff aos Estados Unidos. Desde que o escândalo da espionagem veio à tona, o Palácio do Planalto ainda não se manifestou sobre o que acontecerá com a viagem, marcada para outubro. “Vamos discutir o que terá de interesse do setor privado nessa visita [da Dilma]”, disse o gerente-executivo. Outro tema em pauta será um acordo comercial envolvendo o mercado brasileiro e o norte-americano.

“Queremos fomentar uma discussão sobre um potencial acordo comercial. Há dez anos os Brasil e Estados Unidos não têm discussão formal sobre liberalização do comércio. A última foi em 2003, na reunião em Miami da Alca [Acordo de Livre Comércio das Américas, que enfrentou dificuldades de implementação]”, destacou. Para Bonomo, o momento é oportuno para retomada da discussão, já que os EUA dão sinais de recuperação da crise econômica. “Eles vão sair com economia aquecida da crise e estão com uma agenda de acordos agressiva. O acordo deles com os europeus pode excluir os brasileiros desses dois mercados. Temos de nos posicionar para não perdê-los”, avalia.

Um indicativo do interesse do país em negociar um acordo com os brasileiros é que no Congresso norte-americano há uma frente de 35 parlamentares criada para discutir a agenda entre o Brasil e os Estados Unidos, especialmente a econômica. “Esses parlamentares querem criar uma comissão só para o Brasil. Esse será o tema discutido [na visita ao Congresso]”, disse Diego Bonomo.

Na visita também serão debatidas questões espinhosas, como a aprovação da nova lei agrícola dos Estados Unidos. A legislação atual, que expira em 30 de setembro, incorpora os subsídios ao algodão concedidos pelo país norte-americano, considerados abusivos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). 

Atualmente, os EUA fazem pagamentos anuais de US$ 147 milhões ao Instituto Brasileiro do Algodão como forma de compensação. “O ambiente político não é favorável [a uma nova lei que exclua os subsídios], mas vamos marcar nossa posição ou exigir que a compensação continue”, declarou. Outro tema em pauta serão potenciais novas barreiras ao etanol brasileiro.

Brasil recua em planos de energia nuclear e favorece eólica

15 de setembro de 2013 • 10h17 •  atualizado 10h54


O Brasil provavelmente recuará em seus planos de novas usinas nucleares devido a preocupações com segurança após o vazamento de 2011 no Japão, e promoverá por outro lado uma "revolução" na energia eólica, disse o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim.Tolmasquim disse à Reuters que era "improvável" que o governo mantenha seus planos de construir quatro novas usinas nucleares até 2030 para atender a crescente demanda por eletricidade. Ele se recusou a informar quantas usinas serão construídas.
 
Os comentários de Tolmasquim, parte de uma avaliação mais ampla dos planos estratégicos de longo prazo do país para geração de energia elétrica, ressaltaram as dúvidas globais quanto à energia nuclear mais de dois anos depois do terremoto seguido de tsunami que levou a um acidente na usina de Fukushima, no Japão."Depois do Japão, as coisas foram colocadas em espera", disse Tolmasquim em entrevista na semana passada. 
 
"Não abandonamos (os planos)... mas eles também não foram retomados. Não é uma prioridade para nós neste momento."O Brasil ainda não iniciou o processo das unidades projetadas que estarão finalizadas em 2030. A usina atualmente em construção, Angra 3, está sendo construída com tecnologia alemã da Siemens-KWU.
 
O Brasil permanece como um local relativamente atrativo para a energia nuclear, disse Tolmasquim, já que é um dos poucos países que possui todos os elementos naturais necessários para sua produção. Além das duas usinas nucleares existentes no Rio de Janeiro, uma terceira está em fase de construção, e deve entrar em operação em 2018.Depois de um crescimento econômico robusto na última década, o Brasil é o mercado para novas fontes de eletricidade confiáveis, limpas e baratas. 
 
A rede de energia do país atualmente se baseia em usinas hidrelétricas para cerca de 75% de sua demanda. Isso tem benefícios ambientais evidentes, mas também deixou o país vulnerável durante eventuais períodos de seca.Em janeiro, o tempo seco no Nordeste causou temores de escassez de energia, o que abalou os mercados financeiros e causou dor de cabeça para a presidente Dilma Rousseff. A última grande crise havia ocorrido em 2001, quando a escassez de energia derrubou em cerca de 1 ponto percentual o crescimento econômico brasileiro e deixou milhões de pessoas à luz de velas.


Momento da energia eólica



Atualmente, a energia nuclear representa pouco cerca de 1% da geração de energia elétrica no Brasil, mesma porcentagem das usinas eólicas. A geração termoelétrica movida a gás natural responde pela maior parte do restante.

Apesar da desaceleração da economia desde 2011, a demanda por eletricidade continuou a crescer enquanto muitos brasileiros migram para a classe média e compram geladeiras, TVs e outros bens de consumo movidos a energia elétrica pela primeira vez. 
 
O consumo de eletricidade subiu 3,5% em 2012, comparados ao crescimento de apenas 0,9% da economia como um todo.Tolmasquim, que foi o principal assessor de Dilma quando ela foi ministra da Energia no início dos anos 2000 e ainda é próximo à presidente, disse ver potencial para a expansão da energia eólica graças ao aumento da competição e aos avanços tecnológicos que reduziram os preços.
 
A média de preços da energia eólica no Brasil caiu de R$ 148 por megawatt-hora no fim de 2009 para R$ 110 por megawatt hora este ano. "Este é o momento da energia eólica", disse. "Houve uma revolução em termos de custos.
 
"Diversas empresas internacionais estão investindo em energia eólica no Brasil, incluindo Enel Green Power, General Electric Co., Alstom e Gamesa Corporacion Tecnologica. O sucesso da energia eólica reduziu a ambição pela expansão da energia solar, ao menos por enquanto, disse Tolmasquim. 
 
Ele disse que a eólica é atualmente mais barata que a energia solar no Brasil, apesar ser provável que os avanços tecnológicos mudem isso."É uma quesão de tempo", disse Tolmasquim. "A energia solar está vindo, cedo ou tarde." 
 
Qualquer coisa que reduza o preço da energia elétrica será bem-vinda. Apesar da abundância de sol e de vento e de outras formas de energia limpa, o Brasil ainda tem um dos preços de energia mais altos do mundo, principalmente por conta dos altos impostos.

"Modelo para infraestrutura visa mais eleitor do que sociedade", diz Pastore


ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
EDITORA DE MERCADO


O governo Dilma Rousseff erra ao usar os bancos públicos para baixar o custo do investimento em infraestrutura e assim permitir uma rentabilidade maior para as empresas, diz Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (1983-1985). 

"Aqui entra a filosofia do processo: tenho que ficar com o pedágio baixo porque quem usa a estrada é o cara que vota em mim. Se eu cobrar dele na forma de custo da dívida, ele não vai nem perceber. Vai dizer que a culpa é dos banqueiros. Isso gera uma carga sobre a sociedade inteira, mas o eleitor está defendido."
O economista diz que o governo atual está "virando de cabeça para baixo" as condições que permitiram mais produtividade nas gestões dos presidentes anteriores. 


Karime Xavier/Folhapress
O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, em seu escritório, em São Paulo
O ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, em seu escritório, em São Paulo

Além do aumento desmesurado do Estado no financiamento, ele critica os benefícios a setores específicos, que desestimulam a procura por lucros e eficiência. 

E o que acontece com quem herdar esse abacaxi em 2015? "Descasca e, se não estiver podre, come. O Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter que suar sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável."
*
Folha - O governo baixou o custo do capital, o dólar subiu para dar mais competitividade, fizeram intervenções em vários setores, tiraram impostos. Ainda assim o crescimento não foi o esperado. Eram as premissas que estavam erradas?
 
Affonso Celso Pastore - Foi a ideia de que o estímulo fiscal produz crescimento. Ou a de que baixar a taxa de juros liberta o espírito animal. Ou a de que a depreciação cambial produz melhora de competitividade. Ou a de que, se você intervir mais na economia, produz resultados melhores. 

Esse grau de intervencionismo feito em um setor ou em outro acaba gerando privilégios, vantagens para alguns. Em vez de gerar um setor privado que está atrás do lucro e da eficiência, induz a criação de um setor privado que é "rent-seeking" [busca de renda, em inglês, ou seja, a tentativa de obter renda pela manipulação do ambiente social ou político, em vez de agregar valor]. 

É muito mais eficiente ir a Brasília batalhar pela sua isenção tributária, ainda que você não seja eficiente, desde que você tenha o poder político de convencer o ministro, de convencer o presidente.
É muito mais fácil ir ao BNDES pleitear uma linha de crédito. Com isso, você vai dando dinheiro para setores que não necessariamente os setores melhores. 

Não é com oligopólios e com monopólios que se cria eficiência. Cria-se eficiência com competição. Você cria eficiência a partir do momento que passa sinais de preços relativos, sinais de mercado que permitem aos indivíduos, na busca do lucro, obedecendo a esses sinais, alocar direito os recursos. 

Há algo de profundamente errado nessa política intervencionista. Você chega a absurdos aqui dentro. Por exemplo, resolvemos baixar o preço da energia e, com isso, quebrou-se um contrato. No fundo, criou-se uma incerteza para o sujeito que investe em infraestrutura. 

Precisávamos de uma TIR (taxa interna de retorno, uma medida de rentabilidade de um investimento] mais alta. O governo fez, baixando o custo da dívida. 

Como você faz isso? Emite dívida pública bruta, aumenta portanto a dívida pública, transfere esse recurso para o BNDES e diz para o BNDES emprestar a uma taxa subsidiada. 

Karime Xavier/Folhapress
Affonso Celso Pastore
Affonso Celso Pastore

Digamos que você subsidiasse 90%, 80% ou 70% com esse recurso. Você olha para isso e diz que foi o setor privado que fez. Não! Foi um aumento de dívida pública bruta que fez. Isso não aparece na dívida pública líquida porque você define o ativo que você tem contra o BNDES como sendo um ativo líquido. Coisa que não é verdade porque, ainda que esse empresário seja totalmente solvente e nos próximos 30 anos pague essa dívida, ele vai pagar em 30 anos. Isso é diferente de você ter dinheiro em caixa, como as reservas internacionais, as quais, se você vender, quita a dívida na mesma hora. 

No entanto, ele faz isso. E estamos assistindo a um expansionismo fiscal maior do que o que está lá no superavit primário. Ou seja, quando você vê o prêmio de risco do Brasil subir acima dos "peers" [colegas, em inglês, países do mesmo grupo], ou seja, acima do México, do Peru, da Colômbia, dos países do Leste Europeu, isso está refletindo o desajuste fiscal. 

Esse é um risco que já está no mercado financeiro e no indivíduo que está fazendo investimento em capital fixo. Isso explica um pouco porque aumentou o risco em investimento.
Esse tipo de intervencionismo excessivo leva a desajustes. 

O senhor vê uma reavaliação dessa política atualmente pelo governo?
 
Quando as coisas dão errado, há dois tipos de postura: ou você recua e muda, ou dobra a aposta.
Depende do grau de compreensão do problema ou do grau de vedação ideológica do indivíduo que está recebendo essa informação. 

O sujeito pode estar recebendo essa informação e reagir dizendo "não, mas no livro em que aprendi, aquele do nacional-desenvolvimentismo, isso tem de estar certo, é preciso ir até o fim". Isso seria dobrar a aposta.
A outra opção seria ir fazendo ajustes pequenos aqui e ali sem mudar fundamentalmente o curso. Quer dizer, a inflação está subindo, deixa o Banco Central subir mais 0,25 ponto percentual na taxa. O preço da gasolina está x% defasado ao câmbio de R$ 2,30, dá reajuste de x% sobre três, corrige um pouquinho. 

Na medida que você corrige só um pouquinho e vai empurrando com a barriga, você não tira o desajuste, mas também não obtém o resultado. Você é condenado a ter uma inflação que fica lá no 6%, 6% e pouco, um deficit em conta corrente que fica lá em 3%, 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto) e um crescimento de PIB de 2%, 2,5%. 

Você tem um resultado medíocre e vai levando para ver até onde chega. Acho que essa é outra hipótese. 

Estamos condenados com essa política econômica a voltar a um patamar de crescimento baixo de 3%, com uma inflação girando em torno de 6%?
 
Não há nada de fatal no crescimento brasileiro. O Brasil não está "condenado", porque cometeu algum pecado, a ter que crescer sempre a 2%, 2,5%. 

O Brasil também não pode crescer 6%, não há hoje mão de obra suficiente. Há uma vedação demográfica aqui dentro. A população economicamente ativa está crescendo a 1,5% ao ano, não é mais aqueles 3% que crescia no passado. 

De 2002 para cá, a taxa de participação foi crescendo, a taxa de ocupação foi crescendo. Você tinha gente voluntariamente fora do mercado de trabalho e, durante algum tempo, esse pessoal reentrou na força de trabalho. A taxa de ocupação subiu, a taxa de desemprego caiu. 

Só que agora está muito mais estreito. Há um estoque de gente voluntariamente fora do mercado de trabalho muito menor. 

Quer dizer, em termos concretos, caiu na margem a contribuição do crescimento populacional para a expansão da economia. 

O segundo ponto é a tal da produtividade total dos fatores. A contribuição da produtividade total dos fatores no Brasil vem diminuindo, diminuindo. Ela engloba tudo, capital, mão de obra. Se você tem mais educação, mais tecnologia e aloca melhor os fatores -por exemplo, se põe o trabalhador qualificado para o trabalho A trabalhando no trabalho A e não no trabalho B-, isso aumenta a produtividade total dos fatores. 

A literatura econômica tem mostrado que a produtividade total dos fatores é o que mais contribui para o crescimento, não?
 
Grande parte do crescimento vem da produtividade total dos fatores. Os países que crescem para valer crescem em cima disso, muito mais do que em cima de acumulação de capital, embora você precise também de acumulação de capital. 

O Brasil, durante o início do governo militar, teve um conjunto de reformas, mudou o sistema tributário. Havia vários defeitos que eles, parcialmente, corrigiram lá atrás, o que gerou um período de alta elevação de produtividade total dos fatores nos anos subsequentes, o chamado "milagre econômico".
Há trabalhos empíricos feitos que mostram que o milagre foi devido em grande parte a esse conjunto de reformas. 

Depois, houve um segundo ciclo de reformas, que está muito mais difuso, começou com a abertura da economia no governo Collor. Depois veio o ciclo de reforma monetária do governo FHC, que trouxe a estabilidade de preços. Depois veio a Lei de Responsabilidade Fiscal, e novo período de reformas até o primeiro mandato do Lula. 

No primeiro mandato do Lula, por exemplo, houve as reformas no sistema habitacional, que permitiram todo o crescimento do setor de construção civil e de crédito habitacional. 

Quando você passou a ter crédito e estabilidade macroeconômica, fluxos de capitais começaram a entrar no país. Os fluxos de capitais permitiram os IPOs, que tiraram da informalidade as companhias construtoras, que investiram em governança corporativa, melhoraram a eficiência, ficaram mais produtivas. 

Esses são exemplos de reformas que realmente aumentaram a eficiência, aumentaram a produtividade.
Esse período de reformas não foi concentrado no período de um governo só, pegou vários, e gerou um crescimento por um tempo. 

Mas o impulso dessas reformas está morrendo, porque nós estamos virando isso de cabeça para baixo. Em vez de acentuar a ida para a eficiência, estamos acentuando a ida para ineficiência.
Esse fator de produção que é absolutamente fundamental como fonte de crescimento econômico, nós estamos perdendo essa fonte. 

Um dos argumentos do governo é justamente que as licitações vão dar esse ganho de produtividade porque vão melhorar a infraestrutura do país, baixar o custo.
 
Eu não tenho dúvidas de que a infraestrutura é absolutamente fundamental para gerar tudo isso. Também não consigo entender por que já se passaram tantos anos até que isso ocorra. 

O Brasil precisa de estrada, precisa de ferrovia, precisa de porto, precisa de aeroporto, precisa de melhor logística. Não tenho nada contras as licitações. Agora deixe-me falar um pouco sobre a forma como estão sendo conduzidas: o governo não tem dinheiro, então chama o setor privado para fazer. Mas ele diz "você tem que dar um passo aqui, outro passo para cá, você não pode sair desse círculo". Para elevar a TIR, o BNDES alavanca com 80%, 90% de financiamento, baixa o custo de capital. Mas isso vira aumento de dívida pública. 


Karime Xavier/Folhapress
O ex-presidente do Banco Central Afonso Celso Pastore em frente a gráfico que mostra o aumento dos repasses do Tesouro para o BNDES e para a Caixa, em porcentagem, do PIB
O ex-presidente do Banco Central Afonso Celso Pastore em frente a gráfico que mostra o aumento dos repasses do Tesouro para o BNDES e para a Caixa, em porcentagem, do PIB 

Em 2008, essa transferência para o BNDES como dívida bruta era menos do que 1% do PIB, transferia, voltava etc. Isso está crescendo e chegou a 10% do PIB. 

Esses 10% do PIB deixam a dívida bruta em 60% do PIB, e a dívida líquida está aqui em 35% do PIB.
Para chegar na dívida líquida você deduz da dívida bruta ativos líquidos, como reservas, depósitos do Tesouro no sistema bancário, depósitos do FGTS também. Agora, dinheiro que você emprestou por 10 anos, 15 anos não é mais líquido. E tem um subsídio aqui dentro, além de você estar aumentando a dívida bruta para fazer o gasto. 

À medida que ele fez a licitação desse jeito, se ele financiar tudo isso, um pedaço disso é expansão fiscal. No fundo, ele não chamou o setor privado para o setor privado aumentar o estoque de capital. Ele está chamando o setor privado com limitações, com financiamento e uma taxa subsidiada. 

Se o BNDES quer dar um incentivo para um cara que é produtivo, ótimo. Mas não precisava pôr o BNDES para financiar a infraestrutura se você aceitasse uma TIR um pouco mais alta. 

Aqui entra a filosofia do processo. Você diz o seguinte: "Eu tenho que ficar com o pedágio baixo porque o cara que usa a estrada é o cara que vota em mim. Se eu cobrar dele na forma de custo da dívida, ele não vai nem perceber. Ele vai dizer que a culpa é dos banqueiros. Então, eu baixo a TIR, baixo o pedágio, dou dinheiro para o BNDES, aumento a dívida bruta. Isso gera uma carga sobre a sociedade inteira, mas o meu eleitor está defendido". 

A forma como está sendo feita não é a forma correta. Desculpe, é correta para quem tem o objetivo político de ficar no poder, de se eleger e de usar esse tipo de instrumento para ficar no poder. Mas não é a forma correta do ponto de vista econômico. 

Então o papel do BNDES na sua visão está desvirtuado?
 
O BNDES não precisava ir ao extremo que está indo. 

O sr. se lembra de algum outro momento da história do país em que o BNDES tivesse sido usado...
Isso aí? Mas nunca! 

E a política de escolher algumas empresas específicas para investir, como o BNDES tem feito?
 
Um grande amigo meu empresário diz o seguinte: o empresário tem de ser escolhido pelo mercado e não pelo governo. 

O que o preço da ação reflete? A expectativa de lucro da empresa. Se a empresa é eficiente, tem uma expectativa de lucro alta. Se for ineficiente, está fora do jogo. 

Agora chega o BNDES e diz "eu gostei do sorriso desse, esse cara é promissor, vai em frente". Se o empresário falha num projeto, o equity [capital social, resultado do preço das ações] vira pó. Você acabou de assistir um caso agora. Se tivesse o governo por trás, tinha um "bailing out" ali ["bailout" é uma injeção de recursos pelo governo em uma empresa falida ou prestes a falir, para permitir que ela honre compromissos de curto prazo]. 

Na sua opinião, esse tipo de medida é fruto de um projeto político ou se baseia realmente na crença de que é um modelo que pode levar ao desenvolvimento do país?
 
Acho que são as duas coisas. O Lula tinha o mesmo objetivo do que a Dilma. O PT tem um projeto de poder para muitas décadas, não é para um governo ou dois. O Lula abriu as portas desse projeto de poder. A Dilma continua no mesmo projeto.
Karime Xavier/Folhapress
O ex-presidente do Banco Central
O ex-presidente do Banco Central
Mas o Lula, quando viu o prêmio de risco do Brasil em 2.500 pontos [prêmio de risco é, em linhas gerais, quanto o governo tem que oferecer de juros acima da taxa dos Estados Unidos, para atrair investidores --2.500 pontos são o equivalente a 25 pontos percentuais], não teve dúvidas em pegar um banqueiro reputado [Henrique Meirelles] e colocar no Banco Central, em escolher um ministro da Fazenda que não levou nenhum economista do PT para trabalhar com ele. 

O Antonio Palocci levou o Joaquim Levy [hoje diretor-superintendente da Bradesco Asset Management], o Marcos Lisboa [hoje vice-presidente do Insper], o Murilo Portugal [hoje presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban)]. Pessoas com diferentes ideologias, alguns mais à esquerda, alguns mais à direita, com espírito público muito grande. Esse foi o critério de seleção. 

O Palocci tinha uma característica básica: ele ouvia as pessoas. Ouvia as críticas e não as tomava pessoalmente. Era capaz de processar aquela informação. 

Ele não era economista, mas você não precisa ser economista para perceber onde está o fato econômico.
O Palocci disse que tinha uma agenda de reformas microeconômicas. O Lula olhou para aquilo e disse: "Executa isso". O Lula tinha um negócio que se chama pragmatismo. É o sujeito que tinha um projeto de poder, mas não tinha vedação ideológica. 

Agora compara o atual ministro da Fazenda com isso o que descrevi sobre o Palocci... 

Mas foi o próprio Lula que escolheu o atual ministro da Fazenda...
 
É, sumiu o pragmatismo. Por quê? Eu não sou psicólogo (risos). Mas o fato concreto é que não tem mais pragmatismo no governo. 

O projeto de poder continua, mas aquele negócio de usar a economia de mercado por conveniência do projeto político mudou. Agora você quer usar o social-desenvolvimentismo. Quer dizer, tem um componente ideológico agora muito maior do que o componente que tinha lá atrás. 

Em quanto o sr. acha que esse cálculo político explica a política econômica mais voltada para setores e mais voltada para o BNDES como financiador?
 
É muito mais ideologia do que projeto político.
A jornalista Sylvia Nasar, no seu livro "Grand Pursuit: The Story of Economic Genius" ["A Imaginação Econômica - Gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história", Cia. das Letras], mostra que um mesmo fato histórico pode ser lido de formas diferentes. Por exemplo, a Revolução Industrial. Marx [Karl Marx, 1818-1883] leu a Revolução Industrial e concluiu que o capitalismo era inviável. Marshall [Alfred Marshall, 1842-1924] leu a Revolução Industrial e concluiu que não, você remuneraria as pessoas na produtividade marginal e teria uma sociedade afluente. Charles Dickens (1812-1870) viu a Revolução Industrial e escreveu todos os romances que ele tem sobre a riqueza e a miséria que se gerou no período. 

Cada um reage de um jeito. Os fabianos [movimento intelectual britânico do século 18, socialista e reformista] olharam para aquilo e tiveram outra reação. A Beatrice e o Sidney Webb, que depois fundaram a London School of Economics, e que têm um tipo de filosofia parecido com a do Delfim, que é um fabiano, e que num certo sentido está na cabeça da Dilma --esse nacional-desenvolvimentismo, o intervencionismo, que é uma visão fabiana-- e disseram "precisamos de um Estado com muito mais intervenção".
O mesmo fato histórico produz muitas reações. 

E diria que é preciso ler muitas experiências históricas, mas quando se desce ao ponto de onde está o crescimento econômico, onde está o desenvolvimento econômico, os fabianos não tiveram muito sucesso nisso. Tiveram sucesso na distribuição de renda, isso é outra história. Os marxistas não tiveram muito sucesso no desenvolvimento econômico. A União Soviética desapareceu, foi para um sistema de mercado. A China está indo para um sistema de mercado. 

O excesso de intervencionismo, esse nacional-desenvolvimentismo ainda existe, está na cabeça do Brizola [Leonel Brizola, 1922-2008] 1812 - 9 de Junho de 1870), lá atrás, por isso está na cabeça da Dilma, por isso está na cabeça do Arno Augustin [secretário do Tesouro], esse povo que no fim absorveu aquilo.
Essas coisas são ciclos. Vai-se para um extremo e depois se volta para outro extremo, passando por um lugar intermediário. Estamos passando por um ciclo. 

Essa política intervencionista não deixa as empresas mais dependentes da negociação com o governo?
 
Minha crítica a isso não é a empresa ficar mais dependente ou menos dependente, mas promover o "rent seeker". Isso é uma coisa séria. Não é "o que" você conhece, é "quem" você conhece que determina se o empresário vai ou não vai. Há exceções, há um monte de empresários que, no fundo, não precisam disso, não dependem de crédito do governo.

Mas, na escolha deles, é puramente pessoal, não é um sistema em que o cara passou no teste do mercado. 

Que tipo de modelo o senhor acha que seria o ideal para o país crescer de uma forma sustentável, que dê conta do ritmo de crescimento da população e aumente o nível de renda do país? O papel da indústria está superestimado?
 
A indústria tem um papel muito importante. Mas há uma ideia de que o setor de serviços é "junk". Não é bem assim. O Marcos Lisboa e o Samuel Pessoa têm começado a brincar com estudos de casos no setor de serviços e têm achado crescimentos de produtividade muito grandes. 

O setor de serviços ganha muita eficiência, não é só a indústria que tem ganho de produtividade. Na indústria, esse ganho é visível, no serviço não, porque o ganho é no cérebro das pessoas. 

O Brasil tem uma dimensão de mercado enorme, tem toda condição de ter uma indústria mais eficiente, mais produtiva. Não acho que o Brasil está condenado a se desindustrializar. Acho isso um erro, mas não é só a indústria que gera ganho de produtividade. Temos que olhar para os dois setores. 

As concessões devem pelo menos reduzir o custo da agricultura e da indústria que usam mais a logística, mas vão afetar pouco a produtividade do setor de serviços. Para isso, além de tecnologia e processos, seriam necessárias reformas?
 
A reforma tributária, a reforma de impostos. Tem de repensar esse sistema. O imposto está sendo usado como moeda de troca. Eu tiro um pouco o imposto para reduzir seu custo. 

Mas você está tributando o trabalho no setor de serviços, e o setor de serviços não tem lobby. Não tem um sujeito que vai lá pra Brasília ficar com o ministro, dá entrevista dizendo "Olha, estamos nos desservicializando". Quem não tem isso não leva. Minha mãe, velha mineira, já dizia: "Quem não chora não mama". Se os caras choram pouco, não vão mamar nada. 

Dá para dizer que alguma reforma é mais urgente?
 
O sistema tributário é muito ruim, a legislação trabalhista é muito ruim. Tem que fazer o que der. Só que o Brasil é uma federação e você teria redefinir o pacto federativo. E redefinir o pacto federativo não é bolinho.
Há reformas como a tributária que acho que um dia talvez aconteçam, mas não acredito que será tão cedo. 

O caminho ideal seria então avançar por meio de reformas pequenas, mais microeconômicas?
 
O que ocorreu no Fernando Henrique e no Lula 1 é um caminho. Mas nós estamos recriando o protecionismo. Precisamos voltar atrás nisso. 

Pelos seus cálculos qual é o crescimento potencial do Brasil?
 
Agora, entre 2% e 2,5%. Mas ele pode subir se você fizer as coisas corretas. Isso não é uma constante da natureza, que é imutável. Depende das políticas que você segue. Se você seguir políticas melhores, ele sobe.

E qual o cenário que vocês têm para 2014?
 
Isso é ciclo político. Está para nascer o candidato que não aumenta gasto público em um ano de eleição. Acho que o superavit primário [economia do governo para pagar juros da dívida] vai para baixo. Acho que essas transferências para o BNDES e para a Caixa continuam. Acho que a inflação fica alta, vai sacrificar a Petrobras, vai sacrificar a energia elétrica para não repassar tudo para o preço. Há uma pressão que está aumentando sobre o câmbio. Estamos intervindo um caminhão no mercado de câmbio e ainda assim ele está em R$ 2,30.

O Banco Central está vendendo muito, algum sucesso ele tem. Mas isso mostra a força que tem para depreciar. 

Essa depreciação é mais ligada ao cenário externo, à expectativa de início da retirada de estímulo monetário nos EUA, ou ao cenário doméstico?
 
Costumo exemplificar com cinco países: Índia, Indonésia, África do Sul, Turquia e Brasil. O que esses cinco países têm em comum? Uns mais, outros menos, todos eles estão seguindo desde a crise financeira de 2008 políticas fiscais extremamente expansionistas e um grande grau de acomodação monetária.
Quando eu abro meu livro de economia no capítulo primeiro, ele me diz o seguinte: países que fazem isso colhem dois resultados --deficits na conta corrente maior e inflação maior. 

O problema não o fim do estímulo dos EUA, mas que a economia americana está começando a crescer mais. Os riscos nos EUA estão caindo e os retornos sobre investimentos estão subindo. Então, o capital está fluindo de volta para os EUA. 

Enquanto ele não fluía para os Estados Unidos, vinha para os emergentes, que tinham melhor performance que os EUA. Dava para financiar um deficit maior na conta corrente. 

Mas, quando ele começa a refluir para os Estados Unidos, o deficit na conta corrente fica grande relativamente ao ingresso de capitais necessário. Aí o câmbio deprecia. 

Todos os cinco países que eu citei estão depreciando o câmbio. Todos eles estão com déficit na conta corrente grande. Todos eles seguiram políticas fiscais muito expansionistas, todos eles seguiram um grande grau de acomodação monetária. 

A demanda por ativos desses países, que é o que no fundo comanda a taxa de câmbio, está se retraindo um pouco. Como sei isso? Olho para os prêmios de risco do país. Todos eles estão com os prêmios de risco subindo um pouco mais do que os dos outros. Quando isso acontece, o câmbio deprecia mais do que o dos outros. 

Ou seja, há um componente da depreciação cambial que é externa e outro ligado à política econômica doméstica. 

Há algum risco de balanço de pagamentos?
Não. Vejo pressão para depreciar o real e não crise no balanço de pagamentos. 

E, nesse cenário, faz sentido o Banco Central falar em condições para a neutralidade da política fiscal e, portanto, menor necessidade de subir os juros?
Acho isso um negócio completamente sem pé nem cabeça. 

E o que acontece com quem herdar esse abacaxi em 2015?
Descasca e, se não estiver podre, come. O Brasil já pegou abacaxis complicados no passado. Alguém vai ter que suar sangue, suor e lágrimas para consertar isso. Mas tudo é consertável. 

Há algum outro ponto com o qual o sr. esteja pessoalmente preocupado no momento?
Estou preocupado com o São Paulo Futebol Clube (risos).

Estácio faz a maior aquisição de sua história e reforça presença em SP

Empresa comprou a Uniseb, do empresário Chaim Zaher, por R$ 615 milhões; o negócio reforça a presença da Estácio no mercado paulista com ensino à distância; em 2010, Zaher vendeu o sistema de ensino COC para os ingleses da Pearson



NAIANA OSCAR - O Estado de S.Paulo
 
A Estácio, segunda maior empresa de educação do País, fechou ontem a maior aquisição de sua história e anunciou sua chegada definitiva ao mercado paulista. A companhia comprou por R$ 615 milhões a Uniseb, sediada em Ribeirão Preto e com 164 polos de ensino à distância espalhados pelo Estado, boa parte deles na capital. "É, com certeza, nosso investimento mais importante", disse o presidente da Estácio, Rogério Melzi. "De uma vez só, atingimos vários objetivos."

Com faturamento de R$ 107,8 milhões no ano passado, a Uniseb pertence ao empresário Chaim Zaher, fundador da marca de ensino COC, que foi vendida em 2010 para a Pearson, uma das maiores companhias de educação do mundo, dona do Financial Times e da revista The Economist.

O negócio anunciado ontem é uma clara reação da empresa carioca à megafusão divulgada em abril deste ano que criou a maior empresa de educação do mundo com a união de Kroton e Anhanguera. 

As conversas com o dono da Uniseb começaram cerca de 20 dias depois do anúncio que surpreendeu o mercado e, especialmente, os executivos da Estácio. Segundo fontes do setor de educação, a companhia estava em negociações avançadas com a Anhanguera para unir as operações das duas empresas, quando ela fechou com a Kroton. 

"A expectativa era mesmo de que, depois da megafusão, a Estácio anunciasse um negócio de peso para fazer frente ao movimento das concorrentes", disse Carlos Monteiro, da CM Consultoria, especializada em educação. "Se ela não tomasse essa iniciativa agora, deixaria de ser compradora para se tornar um alvo." 

Controlada pela GP Investimentos desde 2008, a Estácio sempre optou por comprar universidades menores, privilegiando a expansão geográfica. Desde 2010, quando a GP decidiu retomar as aquisições, a empresa comprou 11 instituições em 8 cidades. A mais cara de todas foi a Facitec, do Distrito Federal, comprada em abril deste ano por R$ 29 milhões. 

Além de ter sido a aquisição mais relevante da história da Estácio, a compra da Uniseb também é uma das mais inflacionados do setor se considerado o preço pago por aluno. Em agosto deste ano, a Laureate pagou R$ 14,7 mil por estudante da paulistana FMU, que foi considerado o preço mais alto pago nas transações até então. Para ficar com a Uniseb, a Estácio desembolsou R$ 16,2 mil por aluno. 

O diretor financeiro da companhia, Virgilio Gibbon, justifica que esse indicador não dá a dimensão do negócio fechado ontem. A aquisição da Uniseb, segundo ele, é estratégica para a empresa por vários motivos. Além de marcar a entrada da Estácio no mercado paulista, reforça a presença do grupo no ensino à distância (EAD). Hoje, a Estácio tem seis unidades em São Paulo e apenas um polo de ensino à distância na cidade de Ourinhos. A Uniseb tem 57 polos de EAD no Estado, com 33,4 mil alunos. "O potencial de crescimento é gigantesco", diz o executivo. "A Estácio mantém uma média de 1,2 mil estudante por polo de ensino à distância, enquanto a Uniseb tem cerca de 300 alunos." 

Tecnologia. A explicação para essa disparidade está na tecnologia usada pelas duas empresas. A Estácio trabalha com ensino totalmente online, o que significa que os alunos precisam comparecer presencialmente na unidade apenas duas vezes no semestre para fazer avaliações. A Uniseb, por sua vez, oferece cursos telepresenciais: o professor dá aula em um estúdio e os alunos acompanham de uma sala ou auditório. 

Com a aquisição, a Estácio adicionará ao seu portfólio 164 novos polos de ensino à distância aos 52 que ela administra hoje. A base de alunos de EAD da companhia passará de 58,8 mil para 92,2 mil nesta modalidade. O número, no entanto, não chega perto da líder Kroton, que, sozinha, tem 352 mil estudantes somente no ensino à distância. 

Além dos polos, o negócio engloba o câmpus da Uniseb em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, mas não inclui outras três unidades em Maceió, São Paulo e Brasília. 

Ontem, depois de assinar o contrato no escritório dos advogados em São Paulo, Melzi e Zaher voaram no jatinho do dono da Uniseb para Ribeirão Preto e ficaram até o início da noite dando a notícia para funcionários, professores e alunos, na sede do grupo. A integração começa assim que as empresas tiverem o aval dos órgãos reguladores. /COLABOROU DAYANNE SOUSA

Genética incompleta



 



Celso Ming

Por que os clássicos que se dedicaram a rastrear a origem e o destino do povo brasileiro, não encontraram aí o DNA do imigrante?
A leitura do último livro do professor Fernando Henrique Cardoso – Pensadores que Inventaram o Brasil – é fascinante pela síntese, erudição, qualidade do texto e pela percepção acurada da história do pensamento dos brasileiros sobre si mesmos.



Mas Fernando Henrique não poderia avaliar o que os inventores do Brasil não inventaram. E ali estão Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Antonio Candido, Florestan Fernandes, Celso Furtado e Raimundo Faoro. Paradoxalmente, nenhum deles leva em conta as contribuições do imigrante na formação do Brasil moderno.

Gilberto Freyre, no consagrado Casa Grande e Senzala, observa, de passagem, que “os portugueses triunfaram onde outros europeus falharam”. Ele se refere a franceses, alemães, holandeses e nórdicos. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, quando contrasta a capacidade de adaptação do português com a dos demais europeus, nota que “colonos de pura estirpe germânica” regrediram a métodos predatórios e dissipadores, mesmo em clima temperado. Mas não foi além. Os demais silenciam sobre a importância do imigrante na construção da riqueza e da cultura nesta terra.

E, no entanto, o Brasil vem sendo cada vez mais plasmado pela herança de sírios, libaneses, alemães, italianos, japoneses, espanhóis, poloneses e suíços que desembarcaram aqui a partir da segunda metade do século 19, inicialmente para substituir a mão de obra escrava (veja o gráfico).

A história da indústria, por exemplo, foi escrita pelos Matarazzos, pelos Gerdaus e milhares de outros. A economia do engenho de açúcar e da escravidão foi substituída pela usina de açúcar e de etanol e, no lugar dos senhores de engenho, encontramos cada vez mais sobrenomes italianos. Entre os campeões da soja, do algodão e do gado, sucedem-se descendentes de imigrantes. Os novos bandeirantes que vêm abrindo as fronteiras do agronegócio nacional são gaúchos, barrigas-verdes e paranaenses. Carregam no seu jeito de falar sotaques alemães e italianos.

Sem toda essa gente, não dá para contar a história das artes plásticas, da arquitetura e da medicina no Brasil. O primeiro grande ídolo brasileiro do futebol chamava-se Friedenreich. Depois vieram Bauer, De Sordi, Bellini, Altafini, Sani, Rivellino, Piazza, Taffarel… No automobilismo, Fittipaldi e Piquet foram campeões mundiais. Nas passarelas, a rainha é Bündchen.

Ah, a política… Dos 13 últimos presidentes da República do Brasil, 6 levam sobrenomes europeus: Kubitschek, Goulart, Medici, Geisel, Collor (aportuguesamento de Koeller) e Rousseff.

Os imigrantes contribuíram para a reorganização do trabalho. Inventaram o colonato. Desenvolveram aqui uma nova ética do trabalho, que não se identifica com a protestante, baseada no dogma da predestinação, de que nos fala Max Weber, mas mudou o jeito do brasileiro de encarar a vida, com muito suor no rosto, calos nas mãos e vontade de chegar lá.

Até mesmo o movimento sindical brasileiro tem dívidas com os imigrantes anarquistas espanhóis e italianos, que não se dedicaram aqui a demolir o Estado, como na Europa, mas a conquistar para nativos e forasteiros os direitos do trabalhador.

Por que os rastreadores da identidade do brasileiro só reconhecem a importância da contribuição do português, do índio e do negro e ignoram a do imigrante? Talvez porque a maioria deles escreveu e foi reconhecida ainda na década de 30, quando o Brasil estava em guerra com três dos principais países de onde provieram nossos imigrantes: Alemanha, Itália e Japão.

No entanto, mesmo para o professor Darcy Ribeiro, que lançou seu livro em 1995, o que conta para a constituição do Povo Brasileiro e para sua cultura são elementos fornecidos pelo português, pelo índio e pelo negro. Não há lá traço de imigrante.

O Brasil mudou e vai sendo reinventado, mas até agora não surgiu nenhum grande pensador que incorporasse às nossas raízes a contribuição à brasilidade proporcionada por essa gente que trocou tudo o que tinha – pátria, família, idioma, amizades, cultura, pertences – pelo sonho de refazer sua vida no Brasil.

Empresas substituem empregado experiente por jovem para cortar custos

Confident business partners walking down in office building and discussing work - stock photo

Novo perfil. Cenário de incertezas provoca mudança nas contratações e já começa a aparecer no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que mostra crescimento do emprego com carteira assinada apenas para profissionais de até 24 anos

15 de setembro de 2013 | 2h 07

ALEXA SALOMÃO , LUIZ GUILHERME GERBELLI - O Estado de S.Paulo
As empresas estão mudando o perfil de contratação. Na busca pela redução de custos, os trabalhadores mais velhos estão sendo trocados por jovens com boa formação, mas com salários mais baixos.

A mudança começa a aparecer no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Além da menor criação de vagas formais ao longo deste ano, dados compilados pelo Estado mostram que o emprego com carteira assinada tem crescido somente para profissionais de até 24 anos. 

Essa movimentação no mercado de trabalho está ligada à deterioração da conjuntura econômica e do ambiente dos negócios, diz Betania Tanure, professora da PUC-MG e fundadora da consultoria BTA, especializada em gestão empresarial. "Neste momento, a maioria das empresas vislumbra um cenário de incerteza que pouco se viu no Brasil nos últimos anos. Nem o ambiente de 2008 e 2009, após a crise, gerou o grau de incerteza no meio empresarial que hoje se vê pois, naquele momento, do ponto de vista macro, o País tinha instrumentos para lidar com a crise que hoje se mostram insuficientes."

O que azedou o humor das empresas foi a queda de resultados. A consultoria de Betania realiza pesquisas regulares com as 500 maiores empresas em operação no Brasil. Uma delas identificou que boa parte dos ganhos previstos não vão se concretizar. No levantamento de abril, 15% das empresas declararam que não conseguiriam cumprir as metas neste ano. Na atualização do levantamento, em agosto, o porcentual subiu para 48%. Ou seja, quase metade das maiores empresas do País identificou uma deterioração dos resultados, sem possibilidade de recuperação no ano. 

Pesa também o cenário de longo prazo. A pesquisa identificou que a expectativa para os próximos cinco anos, a partir de 2013, não é animadora. Para 63% das empresas, o cenário é "mediano". Trata-se de uma virada para pior. No ano passado, quando traçaram o cenário para cinco anos, a maioria das empresas (53%) vislumbrava um período "excepcional". Hoje, apenas 35% tem esse nível de otimismo.

Salários. O menor salário pago aos admitidos em relação aos desligados também deixa evidente a troca pelo mais barato. Em julho, essa diferença chegou a 7,3% e vem crescendo desde abril. "Como o número de admitidos continua forte, isso sugere que as empresas possam estar trocando os mais caros pelos mais baratos", afirma Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria.