Em sua trajetória na iniciativa privada, o empresário Jorge Gerdau
Johannpeter, presidente do Conselho de Administração da Gerdau, um dos
maiores grupos siderúrgicos da América Latina, destacou-se por sua
preocupação constante com a qualidade de gestão e a competitividade do
Brasil na arena global. Desde 2001, quando fundou o Movimento Brasil
Competitivo (MBC), Gerdau passou a se dedicar de forma intensa,
voluntariamente, à melhoria da gestão de diversos Estados e municípios
pelo país. Nos últimos três anos, como presidente da Câmara de Políticas
de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC), ele recebeu a missão de
pensar essas questões estrategicamente e sugerir medidas para melhorar a
eficiência do governo federal e o ambiente de negócios. Na semana
passada, Gerdau, aos 76 anos, recebeu ÉPOCA para uma entrevista no
escritório de seu grupo em São Paulo.
ÉPOCA – Depois de quase três anos como presidente da Câmara de
Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC), qual o seu
diagnóstico? Quais são os grandes desafios para o Brasil melhorar sua
posição no cenário global?
Jorge Gerdau – O grande desafio hoje é aumentar a capacidade
operacional do governo: atender melhor o cidadão e criar melhores
condições de negócios para o empresariado. A eficiência é absolutamente
necessária. Ainda trabalhamos com a mistura de funções políticas dentro
da administração profissionalizada.
Nos Estados e municípios, a questão
da tecnologia de gestão já entrou no debate há mais de dez anos. Agora,
tem de entrar também no governo federal. Como o governo federal detém
20% do
PIB (Produto Interno Bruto), dos 40% que cabem ao setor público como um todo, o país ficará para trás se não fizer as mudanças necessárias.
ÉPOCA – Até que ponto a presidente Dilma Rousseff está
empenhada em levar adiante os projetos e as sugestões da Câmara de
Gestão?
Gerdau – Acredito que o ato da presidenta de criar essa
estrutura não deixa de ser um indicativo de como ela valoriza isso. Tem a
ver com sua percepção de que é preciso desenvolver uma cultura de
gestão no governo. Ela é uma gestora por formação, certo?
ÉPOCA – Se o senhor diz isso...
Gerdau – Vou lhe mostrar os problemas que ela atacou e que
ninguém nunca havia atacado. Você pode provocar quem quiser, mas, se não
tivermos uma visão mais estratégica, de mexer nas limitações que
existem hoje, não chegaremos lá – e a Dilma tem essa percepção. Agora,
ela está amarrada. O cenário em que ela tem de se mover é absolutamente
impeditivo. É muito importante levar isso em conta. Há um ano, Dilma
inteligentemente colocou as concessões como prioridade. É um processo
duro, porque faltam projetos. Construir projetos é difícil. Estabelecer
concorrências com esses projetos é uma trabalheira. Mas esse fenômeno
que aconteceu agora com a concessão dos aeroportos é um rompimento
extremamente importante. Alguém poderia esperar que os leilões dos
aeroportos fossem dar o resultado que deram?
ÉPOCA
– O senhor acredita que um governo que tem 39 ministérios e 25 mil
cargos de confiança tem credibilidade para falar em eficiência?
Gerdau – Os países mais maduros conseguiram mexer nesse
negócio. Muda o ministro e ele leva só três ou quatro pessoas consigo,
não dezenas ou centenas de funcionários em cargos de confiança. O Brasil
já tem exemplos de meritocracia no setor público: o Banco do Brasil, o
BNDES, o Itamaraty, o Exército, a Embrapa, o Banco Central. O modelo
está aí. Por que ele não pode ser replicado? Por que essas estruturas
que funcionam com base na meritocracia não foram invadidas pelas
indicações políticas? Não me conformo com a ideia de que, nos próximos
dez ou 20 anos, continuaremos a ter um crescimento médio de 2,5% ou 3%
ao ano, como aconteceu nas últimas décadas. Tem de ser mais. Se
corrigirmos essas coisas, chegaremos a índices maiores de crescimento,
de eficiência, de qualidade de vida.
"Uma empresa privada que funcionasse como o Brasil estaria falida"
ÉPOCA – O senhor consegue imaginar uma empresa privada funcionando assim?
Gerdau – Não. Estaria falida. Essa é a diferença: a empresa
privada morre, e o governo não morre. As lideranças brasileiras em
várias áreas têm de analisar esse problema de forma muito clara. No
setor privado, a governança (conjunto de processos, costumes,
políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como
uma empresa é administrada ou controlada) se aprimorou pela pressão
do mercado.
Um grupo como a Gerdau, com ações negociadas na Bolsa de
Nova York, sofre uma pressão enorme do mercado. Na estrutura do governo,
não vemos essa mudança. Mas a competição global exige isso. Pode 40% do
PIB (Produto Interno Bruto) não discutir governança? Não. Não tenho a
solução política para a equação, mas o problema tem de ser posto na
mesa.
ÉPOCA
– Até que ponto é possível o governo ser mais eficiente com uma visão
de curto prazo, que pensa no benefício imediato, no que dá voto.
Gerdau – É indispensável pensar uma política de longo prazo e
estabelecer metas claras, como o objetivo do PIB, do índice de poupança.
O modelo atual, de antecipação de consumo e financiamento, bateu no
teto ou passou do teto. O grande problema do país é a poupança. O Brasil
tem de chegar a uma poupança de 24% a 25% do PIB (hoje está na faixa de 15%).
Um estudo do Banco Mundial mostra que, com uma poupança doméstica
abaixo de 20%, o país não cresce mais de 2,5% ao ano. Falo isso há dez
anos: poupança, poupança, poupança – e investimento em infraestrutura.
Muito tempo atrás, fiz uma pergunta: “Por que a China cresce e o Brasil
não?”. Aí, cheguei a esse círculo virtuoso: poupança, investimento,
desenvolvimento, geração de empregos. Por isso, digo que o debate deve
ser feito dentro de uma visão estratégica que definará aonde queremos
chegar.
ÉPOCA – Nos últimos anos, o governo adotou diversas medidas
protecionistas para beneficiar a indústria nacional. Até que ponto o
protecionismo afeta a competitividade do país?
Gerdau – O protecionismo não favorece o crescimento, mas evita
o desaparecimento da indústria. Não gosto do conceito de protecionismo,
mas, quando macrofatores mundiais afetam as moedas, tenho de analisar
melhor o quadro.
ÉPOCA – Quem pagará essa conta, o consumidor?
Gerdau – É o consumidor, mas você tem de definir o que quer. A
manufatura do Brasil já caiu de 32% para 24% e de 24% para 13% do PIB.
Você acha que o Brasil deve abrir mão de sua indústria? Quem acha que
tem de abrir mão? Se você corrigir os problemas de logística e o sistema
tributário, a discussão muda de figura. São duas deficiências que têm
de ser corrigidas. A reforma tributária está na nossa mão e melhoraria
enormemente a competitividade do Brasil. O governo começou a atacar a
questão da infraestrutura por meio das concessões.
ÉPOCA – Em 2013, o Brasil crescerá uns 2,5%. Em 2012, cresceu apenas 0,9%. O que acontece? O que emperra o crescimento?
Gerdau – Como já disse, poupança e investimento. É o governo
que não cumpre a parcela dele, não o setor privado. O setor privado tem
uma taxa de poupança e investimento na faixa de 30% do PIB. O setor
governamental, que representa 40% do PIB, não tem poupança e investe
pouco.
ÉPOCA – No fim a responsabilidade por esse baixo crescimento é em boa medida do próprio governo.
Gerdau – É do próprio governo, de sua macroestratégia
política. O PIB inteiro não é suficiente para atender à demanda social.
Então, é preciso aprender a gerenciar com mais eficiência a escassez.
ÉPOCA – O senhor está otimista com a economia em 2014?
Gerdau – Ficará mais ou menos como está. Em relação ao mundo,
não é o pior cenário. Difícil está na Europa. O Brasil está navegando
razoavelmente bem. Mas não é esse o Brasil com que sonhamos.
ÉPOCA – No ano que vem, teremos eleições presidenciais. De que lado o senhor ficará?
Gerdau – Meu sonho é que se aproveite o debate político não só
para conquistar o voto popular, algo emocional. Gostaria que as
lideranças políticas, econômicas e acadêmicas aproveitassem a eleição
para debater propostas de visão estratégica do país. É o momento. Não
perdi a esperança. Reclamo, discuto os defeitos, mas não achei lugar
melhor para trabalhar e viver que o Brasil.