Gilmar
Mendes não foi o único ministro do Supremo Tribunal Federal que teve
escutas instaladas em seus telefones e no seu computador. Quando o
episódio veio a público, em 2007, as apurações da Polícia Federal não
conseguiram constatar que todos os ministros do STF estavam com seus
telefones grampeados ou com escutas ambientais instaladas em seus
computadores. E isso tudo feito por delegados da Polícia Federal.
As informações estão no livro Assassinato de reputações: um crime de Estado,
um depoimento do ex-delegado de classe especial da Polícia Civil de São
Paulo Romeu Tuma Jr. ao jornalista Claudio Júlio Tognolli. O livro é
uma coleção de memórias de Tuma Jr., ex-secretário de Segurança Nacional
do Ministério da Justiça, a respeito de relações suas e de seu pai, o
senador Romeu Tuma, morto em 2010, com o governo petista. O lançamento
do livro é previsto para as próximas semanas.
O grampo ao ministro
Gilmar Mendes foi o único que de fato chegou a vazar e ficar
comprovado. Mas, já em 2008, informações a respeito de escutas feitas
aos outros juízes do Supremo rondavam as apurações e chegaram à
imprensa. Em setembro daquele ano, uma comitiva de ministros do Supremo
foi até ao gabinete do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva
reclamar do uso indiscriminado das escutas ilegais, cobrando que a
Presidência da República desse uma resposta enérgica ao que estava se
tornando costume.
A primeira informação de grampo ao ministro
Gilmar Mendes foi vazada em agosto de 2007. Policiais federais disseram
que haviam interceptado uma ligação que comprovava que o então
presidente do STF havia recebido “mimos” da construtora Gautama,
investigada pela operação navalha, da PF. As informações, à época, eram
que a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, era quem estava
comandando as escutas e as operações de grampo. O episódio custou o
cargo do então diretor da Abin, Paulo Lacerda.
Mas o que Tuma Jr.
contou a Tognolli é que eram delegados e agentes da Polícia Federal que
estavam no comando das operações. Ele cita, por exemplo, Protógenes
Queiroz, então delegado e responsável por grandes operações, e o agente
Idalberto Matias de Araújo, o Dadá. “Protógenes, Dadá e seus gansos e
agentes fizeram uso dessa maleta para grampear todos os ministros do STF
e o Lacerda pagou o pato”, resume o livro.
A carta
Tuma Jr. contou a Tognolli em seu livro que soube do grampo
indiscriminado a ministros do Supremo por meio de uma carta enviada a
ele pelo amigo Edson Oliveira, ex-diretor da Interpol no Brasil, no dia 2
de maio de 2011. Na carta, Oliveira diz que ficou sabendo do caso sem
querer, numa conversa informal com o então presidente do Sindicato dos
Policiais Federais do Rio de Janeiro, Telmo Correia, no fim de 2008.
Eles trabalhavam juntos no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.
O
ex-presidente do Sindicato da PF no Rio contou que um amigo delegado da
PF o procurou logo depois de a imprensa divulgar a descoberta de
escutas telefônicas no STF, que tinham como alvo principal o ministro
Gilmar Mendes. Seu amigo estava desesperado, pois tinha a certeza de que
a história chegaria a ele a qualquer momento — e quando chegasse, não
saberia o que fazer.
Edson Oliveira, então, passa a narrar que,
preocupado com o teor da revelação, foi apurar o ocorrido. A partir de
um cruzamento de dados, feito por ele e pelo agente da PF Alexandre
Fraga, segundo a carta, chegou-se a um agente Távora, reputado como
autor dos grampos aos ministros do STF. Na época, ele trabalhava na
Delegacia Fazendária da PF no Rio. Era um policial com pouco tempo de
casa, segundo Oliveira, “mas muito experiente em análise financeira e
documental”.
“Távora participou de operações em Brasília,
recebendo diárias, tendo passado vários meses naquela cidade, convocado
para participar da equipe do delegado Protógenes [Queiroz, hoje deputado
federal pelo PC do B]”, diz a carta. “Durante o levantamento feito,
ficou evidente que a escuta realizada no STF foi feita com a utilização
de equipamentos de gravação digital sem fio, de origem francesa, produto
de um acordo feito entre o governo da França e o do Brasil.”
Aqui
cabe uma explicação, contida no livro. Esse equipamento de grampo
funciona dentro de uma maleta com se fosse uma estação de recepção e
emissão de sinal de telefonia. Ela fica apontada à direção de onde está o
telefone que será grampeado e a tela do equipamento mostra todos os
números naquele raio de distância.
De acordo com Tognolli e Tuma
Jr. no livro, essa “mala francesa”, como é chamada, entra no lugar da
operadora de telefonia, funcionando como uma substituta. Dessa forma, o
operador do grampo tem acesso a todas as operações feitas com o telefone
e pode controlá-las. Ele pode, por exemplo, apagar o registro de uma
ligação, ou fazer uma ligação a partir da máquina.
Segundo o
depoimento de Tuma Jr., esse equipamento foi usado pelos arapongas da
Polícia Federal no caso das escutas no Supremo. “Não só Gilmar Mendes
foi grampeado como também todos os outros ministros do STF”, diz o
livro. O ex-delegado relata ainda que, após fazer essa denúncia, Edson
Oliveira foi alvo de perseguições na Polícia Federal.
Leia abaixo a carta de Edson Oliveira a Romeu Tuma Jr:
“Rio, 2 de maio de 2011
Caro Romeu: recebi uma informação no final de 2008 por volta do mês de
outubro, dando conta de que a escuta telefônica feita no Supremo
Tribunal Federal teria sido feita por um agente federal lotado na
Superintendência do DPF no Rio de Janeiro, o qual, na ocasião da
realização do grampo, estaria cumprindo missão em Brasília. Essa
informação me foi passada pelo presidente do Sindicato dos Policiais
Federais no Rio de Janeiro, o agente Telmo Correia.
Segundo Telmo,
após a publicação da notícia da descoberta da realização da escuta no
STF, o agente o procurou na condição de presidente do Sindicato dos
Policiais Federais no Rio de Janeiro para pedir aconselhamento, alegando
que havia feito a escuta e que estava apavorado e preocupado, sem saber
o que dizer caso fosse descoberto.
Para melhor compreensão, Telmo
era um dos agentes que compunha uma das equipes que trabalhava comigo
no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e deixou escapar essa
informação durante uma conversa informal, quando falávamos da existência
de inúmeros valores nos quadros da PF e Telmo procurava exaltar as
qualidades de um dos seus amigos, com o qual já trabalhara na Delegacia
Fazendária e que o procurara recentemente para expressar sua preocupação
e pedir apoio e aconselhamento.
Insisti com Telmo para que me
fornecesse o nome do agente, entretanto este se recusou, alegando que
recebia inúmeras pessoas em sua sala como presidente do Sindicato, e que
esse caso era somente mais um. Alertei a Telmo para o fato de que ele
não era padre para ouvir confissão e guardar segredo mas sim, antes de
tudo, um agente federal e que como tal tinha o dever de informar
oficialmente o conhecimento de um crime e de sua autoria. Disse ainda
que levaria o caso ao conhecimento da autoridade que presidia inquérito e
que, fatalmente ele, Telmo, seria convocado a depor. Telmo, na ocasião,
me disse que, caso fosse realmente chamado, negaria tudo.
Investigando
o assunto juntamente com o agente federal Alexandre Fraga, outro
componente de uma das equipes de plantão naquele aeroporto, chegamos ao
autor do delito, através do cruzamento de vários dados que foram vazados
por Telmo durante inconfidências que fazia ao longo do dia durante os
seus plantões. A investigação nos conduziu ao agente federal Távora, na
época lotado na Delegacia Fazendária da PF do Rio de Janeiro.
Távora
participou de operações em Brasília, recebendo diárias, tendo passado
vários meses naquela cidade, convocado para participar da equipe do
delegado Protógenes. Segundo os levantamentos feitos, Távora é um agente
federal com pouco tempo de polícia mas muito experiente em análise
financeira e documental, pois foi analista de empresas de consultoria
por muito tempo antes de ingressar na PF.
Ao iniciar a
investigação, no início de novembro de 2008, entrei em contato através
do agente Fraga com o delegado William, presidente do inquérito policial
que apurava o crime.
Dias após, o agente Fraga recebeu uma ordem
de missão para comparecer em Brasília, onde se reuniu com o delegado e o
informou que o levantamento estava sendo feito, tendo recebido sinal
verde para continuar a operação.
Nessa mesma época, comuniquei
pessoalmente ao então superintendente da PF no RJ, delegado Angelo
Gioia, a respeito da investigação que realizava com o conhecimento da
direção geral.
Posteriormente prestei declarações dos autos do
inquérito, tendo inclusive passado por acareação com o presidente do
Sindicato, agente Telmo, o qual na ocasião negou o fato e alegou que eu
estava mentindo.
Não bastasse esse fato, Telmo, imediatamente após
ter sido informado por mim de que o assunto estava sendo levado
oficialmente às esferas superiores, convocou o delegado Protógenes para
alertá-lo a respeito. Protógenes veio ao Rio de Janeiro e se reuniu com
Telmo na sede do Sindicato dos Policiais Federais.
No início de
janeiro de 2009, toda a equipe de policiais lotados no aeroporto Santos
Dumont, inclusive esse delegado, foi dispensada e transferida para
diferentes setores da PF do RJ.
Durante o levantamento feito,
ficou evidente que a escuta realizada no STF foi feita com a utilização
de equipamentos de gravação digital sem fio, de origem francesa, produto
de um acordo feito entre o governo da França e o do Brasil.
Além
disso, a maior parte dos componentes da equipe que trabalhou nessa
escuta e em outras, legais ou não, fez curso de especialização nessa
área na França.
Surpreendentemente, já em outubro de 2009 o mesmo
agente Fraga recebeu um e-mail que o informava do cancelamento da viagem
que havia realizado a Brasília por determinação da Direx/DPF, alegando
que o motivo do cancelamento é que havia se tratado apenas de uma
simulação.
Conversei hoje com o agente federa Fraga, o qual não se
opôs a que o nome dele fosse citado, bem como se colocou à disposição
para fornecer mais detalhes sobre esse caso e outros que tem
conhecimento. Estou à disposição para qualquer outra informação.
Um grande abraço, Edson Oliveira”