Obras na alta, entrega na baixa
Construir imóveis comerciais é coisa de quem tem coração forte. Faz-se o
projeto num país. Entrega-se a chave em outro. A torcida é sempre para
que o segundo seja melhor do que o primeiro. Mas, no caso brasileiro,
aconteceu o contrário. Os empreendimentos que estão ficando prontos hoje
foram desenhados no país do pibão, mas chegam no país do pibinho.
Os efeitos desse descompasso são visíveis: há imóveis vazios, e os
preços estão desabando. Segundo um levantamento da consultoria
imobiliária Cushman & Wakefield, a taxa de escritórios vagos subiu
de 13% para 18% no último ano — é o percentual mais alto desde 2005.
Há prédios inteiros vazios ou com meia dúzia de inquilinos. Um caso
emblemático é o edifício Pátio Malzoni, erguido num dos terrenos mais
caros de São Paulo, na avenida Faria Lima. Quando foi inaugurado, em
2012, tinha o metro quadrado mais caro do país para aluguel.
O valor pedido era 240 reais. Mas, até hoje, só há locatários em uma
das torres. A outra, de 19 andares, está vazia. Seus donos, um grupo de
bilionários árabes, dizem que só vão alugar quando o preço voltar a
subir — hoje, só há interessados em pagar 180 reais por metro quadrado.
Quem não pode se dar ao luxo de esperar por dias melhores está tendo de
aceitar preços mais baixos. Em média, o aluguel comercial caiu 15% em
São Paulo, 10% no Rio de Janeiro e 7% em Recife de 2012 a 2013. Na
região de Alphaville, no entorno da capital paulista, um quarto dos
imóveis está desocupado. Os donos de salas comerciais estão fazendo
qualquer negócio para ocupá-las.
“O que está acontecendo no mercado imobiliário comercial é consequência
da desaceleração da economia, que está se espalhando por mais setores. A
indústria não foi bem na década passada, e agora começa a haver
problemas no setor de serviços”, diz o economista Marcos Lisboa,
vice-presidente da escola de negócios Insper.
Num cenário de expansão, mais empresas planejam investimentos e buscam
imóveis comerciais maiores ou mais adequados à sua estratégia. Quando as
perspectivas pioram, o que não saiu do papel geralmente vai para a
gaveta, e a demanda por prédios costuma cair rapidamente.
Em nenhum mercado os sinais de uma bolha estourando são tão claros
quanto no de shoppings. O setor vive os efeitos de uma expansão caótica
na última década. A premissa que levou a essa expansão era realmente
tentadora. Os brasileiros compram menos em shoppings do que os
consumidores de outros países emergentes e desenvolvidos.
De acordo com um relatório do banco UBS, 21% das vendas no Brasil
acontecem em shoppings, ante 38% no México, 56% nos Estados Unidos e 65%
no Canadá. Portanto, concluíram os empresários do setor, há espaço para
mais empreendimentos do tipo.
“Muitas cidades médias receberam três shoppings ruins em vez de um
bom. Todos achavam que seu projeto era melhor, atrairia mais gente, mas
um acabou roubando o público do outro”, diz Henrique Cordeiro Guerra,
diretor executivo da Aliansce, uma das maiores administradoras de
shoppings do país.
Como os varejistas não estão dispostos a pagar essa conta, o resultado é
que shoppings têm sido inaugurados sem lojas que garantam um movimento
mínimo. Em 2013, só 14 dos 38 empreendimentos inaugurados tinham mais de
85% de ocupação.
Há casos dramáticos, como o Pátio Arapiraca Garden Shopping, no
interior de Alagoas, que abriu com 28 das 180 lojas, e o North Shopping
Jóquei, de Fortaleza, inaugurado com 25 das 223 lojas previstas.
Sorocaba, a 100 quilômetros de São Paulo, se tornou um símbolo dos
excessos desse mercado: apenas de setembro a novembro do ano passado a
cidade, de pouco mais de 580 000 habitantes, recebeu mais três
shoppings, que se somaram aos quatro já existentes.
Diferentemente do que começa a ocorrer no exterior, onde mais shoppings
vêm oferecendo atrações variadas aos visitantes, aqui a oferta ainda é
basicamente de lojas, restaurantes e cinemas. O maior shopping do mundo,
em Dubai, nos Emirados Árabes, tem um aquário externo com mais de
30 000 animais marinhos.
A ideia é atrair os turistas que vão passear por causa do aquário para
as lojas. Naturalmente, as ações das empresas brasileiras do setor
estão caindo — em alguns casos, mais de 40%. Assustada com a burocracia e
o aumento da concorrência, a americana Simon, maior empresa de
shoppings do mundo, suspendeu uma parceria com a brasileira BR Malls e
adiou os planos de operar aqui.
O que torna o problema ainda mais complexo é a perspectiva de mais e
mais inaugurações de prédios, shoppings e galpões nos próximos anos.
De novo, é gente que começou projetos numa realidade e não pode
simplesmente desistir deles. O jeito é entregar e se adequar ao novo
cenário.
O número de prédios comerciais a ser entregues em 2014 deve ser
equivalente ao do ano passado. Com isso, a taxa de vacância continuará
subindo. Segundo a gestora de recursos Rio Bravo, há dois cenários
possíveis, dependendo do desempenho da economia. Na estimativa mais
otimista, a taxa vai alcançar 20% neste ano e 21% em 2015.
Na pessimista, a previsão é que fique em 22% em 2014 e 26% no ano
seguinte. Seria um recorde histórico. No setor de shoppings a situação
também é crítica. Estão previstas 43 inaugurações para 2014, novo
recorde. Quem pode pisa no freio. Até seis meses atrás, estava prevista a
construção de mais 1,4 milhão de metros quadrados de galpões neste ano.
O número caiu para 1 milhão de metros quadrados, segundo a consultoria
Colliers. “Havia de fato um excesso nesses mercados, e a correção de
preços no último ano tornou as coisas mais razoáveis”, diz André
Freitas, gestor de fundos imobiliários do banco Credit Suisse
Hedging-Griffo. “A quantidade de imóveis vazios deverá crescer até
2015, então é possível que os preços caiam ainda mais.”
Um mercado cíclico
O mercado imobiliário comercial é cíclico — algo natural, uma vez que
acompanha os altos e baixos típicos de uma economia de mercado. No
início da última década, houve uma queda brusca no preço dos aluguéis, o
que vitimou empresários como o gaúcho Rafael Birmann, um dos grandes
construtores do país (sua empresa tinha 400 funcionários e hoje tem 20).
O bilionário Donald Trump pediu falência nada menos do que quatro vezes
— e sempre voltou a construir assim que o mercado renasceu. Claro, há
bolhas e bolhas. Como se sabe, a última euforia generalizada no setor
imobiliário americano derrubou a economia mundial.
Naquele caso, o que potencializou o problema foi o excesso de dívida
envolvida. Tanto donos de casas quanto construtores de prédios tomaram
dinheiro demais emprestado de bancos.
Quando o mercado virou, em 2008, não tinham mais dinheiro para pagar
suas dívidas — criando uma bola de neve que arrasou os bancos e levou a
economia como um todo para a recessão. A cidade de Detroit, que já não
vinha bem antes da crise imobiliária, pediu falência depois dela: hoje,
há quase 80 000 imóveis vazios na cidade.
Nossa bolha imobiliária terá efeitos semelhantes? Felizmente, não
corremos esse risco. O volume de dívida contraída pelas empresas que
constroem imóveis comerciais é relativamente baixo.
Do total de crédito concedido pelos bancos às empresas do setor
imobiliário, apenas 18% vão para as companhias que constroem
escritórios, galpões e shoppings (o restante é direcionado ao segmento
residencial).
O crédito imobiliário equivale a 75% do PIB americano. No Brasil, a
apenas 8%. Isso não quer dizer que a crise atual passará sem
consequências. As varejistas que operam em shoppings estão perdendo
dinheiro com o movimento baixo.
Em fevereiro, as empresas de shoppings e as varejistas se reuniram num
evento com 400 pessoas num hotel em São Paulo, para tentar chegar a um
“acordo de paz” e repensar a estratégia daqui para a frente. Milhares de
investidores estão pagando a conta pelos excessos do setor.
Em cinco anos, o número de fundos imobiliários disponíveis no Brasil
triplicou. Esses fundos são lastreados em imóveis que recebem aluguéis
e, há três anos, eram propagandeados pelos bancos como uma opção segura
de investimento. O total de cotistas saiu de 20 000 em 2011 para 104 000
em junho de 2013. Atualmente, quase 90% desses fundos estão no
vermelho.
É o caso do Cidade Jardim Continental Tower, que investe numa torre
comercial ao lado do shopping Cidade Jardim, em São Paulo, e
desvalorizou quase 50% em 12 meses. Mais de um terço do prédio está sem
inquilinos.
O mercado imobiliário é um espelho da atual situação econômica
brasileira. Um segmento (o comercial) depende de empresas investindo,
confiança no futuro da economia, sensação de que as coisas vão melhorar.
Como se viu, esses são artigos um tanto raros no Brasil de hoje. Mas o
outro segmento (o residencial) parece estar situado em outro país.
Nele, o que importa é a combinação de desemprego baixo com crédito em
alta. Nesse país, tudo vai bem. O crédito para a compra de imóveis
residenciais dobrou nos últimos três anos, e pouca gente espera que vá
parar de crescer tão cedo.
O principal motivo para isso: esse tipo de empréstimo é um baita
negócio para os bancos, que conseguem manter o relacionamento com os
clientes por duas, três décadas — e, em caso de calote, podem,
atualmente, retomar o imóvel com relativa facilidade. Isso ajuda a
explicar por que o preço de casas e apartamentos continua crescendo
enquanto o resto do mercado cai.
Quanto tempo o mercado residencial resistirá? O economista Eugene Fama,
que dividiu o Nobel com Robert Schiller, gosta de provocar seu colega
ao lembrar que ele falava da bolha imobiliária americana anos antes do
estouro.
Segundo a maioria dos especialistas, o mais provável daqui para a
frente é que o preço dos imóveis residenciais pare de subir de forma tão
acelerada e passe a acompanhar mais de perto a taxa de inflação. Mas,
de novo, é o consenso de que tudo está bem que leva os preços a subir
mais do que devem.
Em algum momento os preços cairão. Nessa hora — não importa se daqui a
um, cinco ou dez anos —, lá estará Robert Shiller, o caçador de bolhas,
dizendo: brasileiros, eu avisei.