A
falência no Brasil não funciona. A prática jurídica é extremamente
nociva ao responsabilizar terceiros por dívidas que não são deles. Na
falência, qualquer pessoa que se envolva na recuperação de uma empresa
falida passa a ser responsável por todas as suas dívidas. Além disso,
não dá uma segunda chance para o empreendedor, que perdeu tudo, voltar
ao mercado.
Essa é a visão de um dos nomes mais reconhecidos na advocacia quando se trata de recuperação de empresas,
Thomas Felsberg. Em entrevista exclusiva à revista
Consultor Jurídico,
o advogado faz um balanço da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101 de
2005) e conta casos positivos em que o seu escritório, Felsberg
Advogados, usou a norma. Sempre relativizando o sucesso: “Na nossa
experiência [com recuperação], posso dizer que 100% dos nossos casos
deram certo, mas depende do interesse de quem estamos representando e do
que é possível fazer. Ou seja, o sucesso é um negócio relativo”.
O
advogado, especialista em Reestruturação Financeira, afirma que a Lei
de Recuperação Judicial é criticada por todos os lados. “Os bancos não
gostam da lei, então fazem grandes estruturas para não estarem sujeitos à
ela. Alguns juízes não gostam da recuperação, porque acham que tem
havido abusos em alguns casos. Os advogados reclamam da recuperação
judicial, porque acham que não está sendo eficaz. Muitos trabalhadores
também não conhecem os pontos positivos da lei e não a recebem bem."
O
problema, segundo ele, não é a lei e, sim, os pontos dela que não estão
funcionando. "Uma lei de falência envolve desde a indústria até
os administradores judiciais, passando pelos bancos. Sendo assim, para ser alterada precisa ser patrocinada pelo governo", afirma.
Felsberg
fundou o escritório há 44 anos. Tinha apenas uma escrivaninha, uma
cadeira e uma máquina de Telex — considerada a sua “primeira conquista”.
O escritório foi crescendo, se tornou uma grande boutique corporativa
financeira — eram os únicos que faziam os financiamentos dos grandes
aviões e foram um dos pioneiros na área de financiamento de
infraestrutura. No começo dos anos 1990 passaram a agregar outras áreas
como tributária, trabalhista, imobiliária, comércio exterior, ambiental e
hoje são chamados de escritório
full practice e atendem as principais áreas empresariais.
Sempre
pensando no bem estar do escritório, Felsberg não se vê como
indispensável e afirma que a banca não é familiar. "Não acho que o
escritório começa e termina comigo, eu nem tenho todo esse poder aqui
dentro. A equipe trabalha com um conselho. ninguém é indispensável ou
insubstituível."
Leia a entrevista:
ConJur
— Uma banca muito grande dificulta o controle direto dos advogados?
Qual é o número ideal de profissionais em um escritório?
Thomas Felsberg — Nosso escritório conta com cerca de 100
advogados, além dos estagiários. Gostamos do nosso tamanho, porque temos
os responsáveis por cada área, ou seja, a coordenação das áreas é
efetuada por um coordenador e com isso temos uma evolução. Um escritório
grande não dificulta o controle dos advogados, porque, no fundo, cada
sócio coordenador é responsável por um grupo reduzido de advogados.
Basicamente, o crescimento do escritório é sempre orgânico. Então,
quando uma área começa a ficar maior, passa a contar com um número maior
de sócios conselheiros que cuidam da coordenação da área.
ConJur — O senhor prevê um aumento de recuperação judicial em 2015?
Thomas Felsberg — A área tem sido muito demandada e deve
continuar assim. A recuperação judicial é como uma cirurgia, você tenta
resolver negociando e reestruturando, reperfilando a dívida,
reorganizando a empresa e a atividade empresarial.
ConJur — Qual a sua avaliação da Lei de Recuperação Judicial?
Thomas Felsberg — Essa lei vem sendo muito criticada por vários
aspectos. Os bancos não gostam muito dela, então fazem grandes
estruturas para não estarem sujeitos à Lei de Recuperação. Também falta
regulamentação da questão da recuperação judicial pelo Banco Central.
Então o provisionamento é muito grande, o tratamento tributário não está
claro, ou seja, há lacunas ainda na área de regulamentação, o que
dificulta a aceitação da recuperação judicial. Alguns juízes não gostam
da recuperação porque acham que tem havido abusos em alguns casos.
Alguns advogados reclamam da recuperação judicial, porque acham que não
está sendo eficaz. Muitos trabalhadores também não conhecem os pontos
positivos da lei e não a recebem bem. Então, encontramos muitas
resistências à lei por diversos motivos, todos muito diferentes. O fato é
que apesar das dificuldades, a nova lei tem sido aplicada em alguns
grandes casos com bastante sucesso e tem conseguido resolver alguns
problemas muito sérios.
ConJur — Você poderia citar alguns casos que deram certo?
Thomas Felsberg — Em um caso, o escritório conseguiu converter
85% dos créditos em ações das empresas e o saldo depois foi
re-equacionado em seis anos. Em outro, uma produtora de eletrodomésticos
também conseguiu uma redução grande da dívida e três anos, em média,
para pagar juros bastante razoáveis. Fizemos a ação para ela não parar
de funcionar e, em seis meses, a recuperação judicial foi aprovada. O
controle da empresa foi transferido para outro grupo e houve uma
capitalização de R$ 800 bilhões. Ainda, um conjunto de
holdings de
oito distribuidoras de energia elétrica também foi concluída com
sucesso com a venda da empresa e capitalização de mais de R$ 2 bilhões.
Então, o que estamos vendo são alguns casos expressivos em que a
recuperação judicial funcionou bem. Mas há casos também em que a coisa
não funcionou. O que leva a crer que vai ser necessário, e isso é em
todos os países, que em uma lei de solvência, a gente deve observar as
coisas que não tem funcionado bem e corrigir. No Brasil já são nove anos
de lei (11.101/2005), e ainda é preciso corrigir algumas coisas que não
funcionam.
ConJur — O que não funciona no Brasil em relação a essa lei?
Thomas Felsberg — Por exemplo, a falência no Brasil não
funciona. Isso faz com que muitos planos de recuperação sejam aprovados
quando os credores não confiam que a empresa vá para frente. Então, o
plano é aprovado, mas a empresa fica “morta-viva” porque o plano não vai
ajudá-la a se recuperar. Caso a falência funcionasse do jeito que ela
foi concebida, a recuperação só seria concedida naqueles casos em que
realmente os credores acreditam que a empresa possa se recuperar.
ConJur — Por que a falência não funciona no Brasil?
Thomas Felsberg — Em primeiro lugar, porque temos uma prática
jurídica que é extremamente nociva. A prática jurídica é responsabilizar
terceiros por dívidas que não são deles, então, na falência, qualquer
pessoa que se envolva no processo de recuperação de uma empresa falida
passa a ser responsável, pela lei, pelas dívidas trabalhistas e todas as
demais empresas. Um segundo ponto é que ela é muito ruim para o
empreendedor, porque não permite uma segunda chance.
ConJur
— O senhor afirmou que a prática jurídica é agressiva no país. Um dos
motivos é não dar uma segunda chance à empresa para que ela possa se
fortalecer no mercado?
Thomas Felsberg — Nas várias jurisdições, o empresário que
quebra tem uma segunda chance, todo bilionário é o cara que deu errado
uma ou duas vezes, depois aprendeu e começou a dar certo. Então há
várias coisas que precisam se acertar: a falência precisa funcionar — e
aí primeira medida deve ser a mudança de mentalidade de legislação, para
fazer com que cada um pague sua dívida. No Brasil há uma mania de fazer
com que quem não é responsável pague a dívida do outro. Um
administrador judicial, por exemplo, recebe centenas, milhares de ações
trabalhistas e fiscais, e é mandado pelo juiz para administrar a
falência. Isso é só para mostrar a distorção que existe, e é a mesma
coisa, um sujeito compra uma empresa para consertar, se ele tiver outras
empresas ou se é um grupo empresarial grande, todo mundo é
solidariamente responsável por todas as dívidas daquela companhia que
ele comprou. Então o que acontece é que ninguém vai querer consertar o
que está errado.
ConJur — Ninguém é mais responsável apenas pelas suas dívidas porque não há mais a chamada responsabilidade limitada?
Thomas Felsberg — É. No Brasil não existe mais a
responsabilidade limitada. Se o pai coloca 10% do capital de uma empresa
do seu filho para ajudar e o negócio der errado, ele tem de pagar a
dívida total, que envolve questões trabalhistas, tributárias,
ambientais, de consumidor... Mesmo a lei dizendo que quem compra uma
empresa com uma massa falida não responde por nenhuma contingência, tem
gente que não acredita nisso. A lei diz expressamente, mas dizem que nem
o juiz do Trabalho e nem o juiz federal, que cuida da cobrança de
impostos, vão acreditar. Então, para resolver a questão da reorganização
de empresas tem que mexer na questão da sucessão e fazer com que cada
um seja responsável pelas suas dívidas. Isso seria um grande passo.
ConJur — O início da contagem do prazo de cinco anos para acabar com as obrigações daquele que ficou falido contribui para essa confusão?
Thomas Felsberg — Nós temos a chamada insolvência individual,
prevista no Código de Processo Civil, que não é usada. Porque a lei diz
que o sujeito é responsável após cinco anos do término do processo de
insolvência. O processo de insolvência individual começa, o devedor
passa todos os seus bens para um administrador judicial e, a partir daí,
o administrador é que vai cuidar de vender os bens e pagar as dívidas
dele. O certo seria que o prazo cinco anos começasse a contar a partir
do momento em que o sujeito entregasse todos os seus bens para o
administrador judicial, e esse prazo serviria para ele ser uma pessoa
normal, com uma segunda chance. Mas, é preciso esperar o término de
todas as ações tributárias, trabalhistas, que leva vinte, trinta anos
para acabar e só aí que conclui o processo de insolvência individual.
ConJur — O empresário precisa esperar muito para começar de novo e por isso pode prorrogar a insolvência ou falência?
Thomas Felsberg — Sim. O empresário quebra e fica preso em
ações, às vezes até execuções de avais que não terminam, quando ele
poderia simplesmente entrar com um processo de insolvência dele mesmo,
pregar os bens e tendo passado cinco anos, que é o prazo da lei, ou três
anos que seria mais lógico, ele poderia começar de novo já tendo o
aprendizado, essa é a segunda chance. O resultado disso para a sociedade
é que quando o cidadão reconhece a insolvência ou falência, não
prorroga, porque ele sabe que a partir do momento que aconteceu o
desastre, perdeu a empresa, os bens, passado cinco anos ele pode
recomeçar. Como esse, eu poderia dar 50 itens que poderiam ser
melhorados na lei para torná-la mais eficaz, eficiente e atingir seus
objetivos.
ConJur — Tem algum projeto para mudar as regras?
Thomas Felsberg — Há algumas sugestões. Por exemplo, os
brasileiros investem muito lá fora, então existe uma lei modelo de
insolvência internacional que foi aprovada pela
United Nations Commission on International Trade Law
(Uncitral), que é um órgão das Nações Unidas, que foi adotado por cerca
de 40 países. Mas, nós não temos essa regra, não sabemos como vamos
resolver as questões internacionais na área de insolvência. Uma das
primeiras questões a serem cuidadas é em relação aos empréstimos para
empresas insolventes, como existe nos Estados Unidos. O governo da
Alemanha vai mais longe e dá dinheiro para a empresa insolvente para
aguentar o primeiro “tranco”. No Brasil o sujeito vai começar a negociar
com os bancos, que já pegam todo o dinheiro dele, e aí a situação
piora. Ou seja, dá para melhorar, mas o fato de dar para melhorar não
quer dizer que a lei não seja um avanço muito grande, nem que não haja
casos muito bem-sucedidos na recuperação. Isso que é importante.
ConJur — Os casos bem-sucedidos são maioria ou minoria no Brasil?
Thomas Felsberg — O sucesso é difícil de definir, porque o ele
pode ser um acionista, ou controlador que se saiu bem, ou pode contar
como sucesso o fato de que alguns empregos foram preservados ou que a
atividade produtiva foi preservada ou ainda que os credores recuperaram o
que era possível recuperar. Na nossa experiência, 100% dos nossos casos
deram certo, mas depende do interesse de quem estamos representando e
do que é possível fazer. O sucesso não é medido em termos absolutos, não
existe uma medida para todas as empresas. Ou seja, o sucesso é um
negócio relativo.
ConJur — A pouca garantia que os bancos
têm em caso de empréstimos para empresas em recuperação impede que eles
tenham acesso ao dinheiro que pode reerguê-las?
Thomas Felsberg — Hoje em dia, todas as operações bancárias
normais são garantidas por cessões fiduciárias de crédito, mesmo
créditos não performados, ou seja, recebíveis futuros. Existem casos em
que uma empresa já deu todo o recebível futuro dela para os bancos,
porque a cessão fiduciária, a titularidade do crédito, passa para o
credor. Então, como é que essa empresa vai sobreviver se ela tem de
pagar todas as contas, mas a totalidade dos recebíveis dela vão para
pagar a dívida bancária? Muitas vezes é necessário despedir muitos
funcionários ao mesmo tempo. Isso é uma peculiaridade da nossa lei. Se
pegasse vendas futuras não performadas, o negócio prosseguiria, seria
vendido e isso seria melhor para os credores. A lei é muito melhor do
que a antiga. Teve sucesso em muitos casos e, em outros, poderiam ter
tido um resultado diferente. Mas, aí é um misto de melhorar a lei,
corrigir alguns defeitos que ela tem, e também é um pouco de cultura
jurídica, a compreensão.
ConJur — A lei estabelece um
padrão, mas cada caso é muito específico e tem as suas peculiaridades.
Isso dificulta o julgamento das ações?
Thomas Felsberg — Desde a nova lei, não encontramos nenhum caso
que fosse igual ao outro. Cada caso é diferente. É por isso também que,
às vezes, os tribunais têm dificuldades. A norma estabelece um padrão
de solução, então se tem princípios, todos os credores têm que ser
tratados da mesma forma, as leis não podem ser violadas. Mas, as
soluções não são encontradas em ambientes com normas rígidas. Por
exemplo, existe uma jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo,
que diz que se eu não conseguir pagar, pelo menos 50% da dívida, tem que
falir a empresa. Eu discordo dessa tese, porque não existe número na
lei, e também não existe número mágico, se eu só consigo pagar 10%, é
porque só dá para pagar 10%.
ConJur — Esses argumento pesa na decisão judicial?
Thomas Felsberg — Em alguns casos. Existe uma corrente
doutrinária no tribunal que diz que se não conseguir pagar 50% está
falido, mas isso é um preconceito. Como eu disse, é preciso encarar a
insolvência, com base em um princípio americano que é meio evidente: as
coisas são o que são. Agora, como o Brasil também não dá perdão para
quem “dá uma trombada”, o sujeito espera até o fim para decretar a
falência e aí é que nem doença, quanto mais você espera, mais difícil de
curar.
ConJur — A lei prevê linhas de crédito específicas para empresas em recuperação. Mas elas existem na prática?
Thomas Felsberg — Não. As empresas em recuperação hoje no
Brasil só têm acesso a duas formas de financiamento, ou vende ativo, ou
desconta recebíveis. Nos Estados Unidos, existe o financiamento na
recuperação, que é o primeiro passo. Ninguém entra em juízo antes,
porque sem dinheiro não tem recuperação, então, primeiro, eles garantem
um financiamento.
ConJur — Por que isso não funciona no Brasil?
Thomas Felsberg — Porque quem empresta o dinheiro depois da
recuperação tem uma preferência sobre os credores pré-recuperação. Ele é
pago antes, só que ele é pago da mesma forma como todos os credores
posteriores da recuperação. E aí está o erro, porque a preferência tem
que ser dada para quem financia a recuperação e não para quem, depois de
financiada a recuperação, faz negócio com ela. Esses outros que fazem
negócio não correram o risco, quem correu o risco foi quem financiou.
Quem tem que ter preferência é quem correu o risco na hora da
insolvência.
ConJur — Economicamente, o Brasil vive uma fase difícil?
Thomas Felsberg — O ambiente no Brasil está muito difícil. As
empresas estão muito ruins. É bom para a recuperação isso? Não é, pois
em uma economia normal é mais fácil achar a solução para a insolvência
do que quando está todo mundo quebrado, já que a solução muitas vezes é
vender a empresa. Uma economia normal diminui o número de casos, mas
aumenta o número de soluções. Muita gente diz que para os advogados está
ótimo, porque há muito trabalho, mas tem trabalho de gente que tem
dificuldade de pagar. Qual é a graça de você pegar um caso e não
conseguir resolver?
ConJur — Quando a situação está crítica, discutir a lei é mais fácil no Brasil?
Thomas Felsberg — Eu comecei a trabalhar com insolvência na
época em que a lei foi feita e pude ver como é que se faz uma lei de
falência. É muito complicada, pois afeta a indústria, o comércio, os
bancos, os trabalhadores, a Justiça, os advogados, os administradores
judiciais, ou seja, afeta um mundo inteiro e tem problema de tudo que é
gênero. Só que não tem um grupo predominante, ou seja, uma lei de
falências só pode ser alterada quando patrocinada pelo governo. Na época
em que realmente se fez a lei, discutiu-se a fundo a lei com base na
expertise acumulada
do Banco Mundial. Fizeram um exame da lei de 70 países. No site do
Banco Mundial tem cerca de 30 diretrizes básicas de uma moderna lei de
falências e o Brasil atende a esses requisitos. O problema está no que
não está funcionando. A lei em si seguiu um figurino de lei moderna.
ConJur — Quais são os meios dos credores para evitar os calotes nas recuperações?
Thomas Felsberg — Do ponto de vista formal, a transparência
total. O administrador judicial que é, pela doutrina, uma espécie de
fiscal do juiz, deveria ser fiscal dos credores, mas eu tenho uma
orientação doutrinária diferente.
ConJur — Como seria essa mudança?
Thomas Felsberg — Todo processo judicial, e principalmente
falimentar, é uma burocracia judicial enorme. Na medida em que há
pessoas interessadas em resolver um assunto, com interesse econômico,
existe um motor para achar soluções. Seria necessário atrair mais o
pessoal que tem interesse em resolver o assunto, para que eles
movimentem a máquina da Justiça.
ConJur — A Justiça do Trabalho dificulta a recuperação de empresas?
Thomas Felsberg — Sim e não. O que acontece é que num processo
de recuperação falimentar a Justiça do Trabalho vai até o ponto de
definir o valor devido. Depois, o juiz da recuperação ou o juiz
falimentar vão habilitar e determinar os pagamentos. O que acontece é
que muitos juízes do Trabalho acham que devem continuar bloqueando bens,
indo atrás da empresa, mas isso se chama um conflito positivo de
competência, entre a Justiça do Trabalho e o juiz de recuperação. O
Superior Tribunal de Justiça tem resolvido os casos a favor dos juízes
de recuperação. Hoje é uma chateação, mas não chega a ser um
impedimento.
ConJur — O STJ já decidiu algumas vezes que o
Judiciário não pode e nem deve se intrometer em planos de recuperação,
mas às vezes os credores, insatisfeitos com a decisão da assembleia, vão
à Justiça. Como isso pode ser resolvido?
Thomas Felsberg — Esse é um problema sério. No começo, todos os
planos eram observados religiosamente, mas surgiu uma jurisprudência no
Tribunal de Justiça de São Paulo dizendo que o juiz tem que interferir,
e é uma tendência da Justiça de intervir. Isso é perigoso porque o
espírito da lei é num sentido de que são direitos oponíveis e, no fundo,
é um problema de acordo entre o devedor e os credores.
Então, se
os credores aceitam, por exemplo, um pagamento em 50 anos, o Judiciário
não pode dizer que 50 anos é demais e que o pagamento deve ser feito em
25 anos. A lei diz que são direito oponíveis, enquanto não houver
violação da lei ou fraude, o juiz deve presidir sobre isso e não para
decidir o mérito econômico do plano, a menos que você queira chamar os
credores de incompetentes. Porque, na medida em que você não respeita a
soberania da assembleia, como há muitos casos hoje na jurisprudência,
você corre o risco de chamar os credores de incapazes, então nós vamos
ter de mudar o Código Civil.
ConJur — Que
obrigação o administrador judicial tem em recuperar a empresa? Ou sua
função é de ser apenas um síndico, que pode, inclusive, enterrar o
negócio de vez? Ele pode decidir sobre investimentos importantes?
Thomas Felsberg — Ele pode influenciar o juiz e dizer que,
passados dois anos, não há mais nada a fazer quando encerrar. Mas não
decide sobre investimentos.
ConJur — A escolha do administrador judicial é feita pelo juiz ou pelos credores?
Thomas Felsberg — É pelo juiz. Quando a gente estava
discutindo a Lei de Recuperação, queríamos regulamentar a profissão de
administrador judicial e a ideia seria que houvesse um cadastro, uma
aprovação pelo tribunal da lista de administradores judiciais, e que os
juízes designassem um administrador judicial que fosse devidamente
cadastrado e que poderia perder esse cadastro se cometesse algumas
irregularidades. Essa parte ficou para depois e ainda está para depois.
ConJur
— A gente tem um grupo seleto de administradores judiciais. Eles se
destacam por ter muitos casos, mas há uma “máfia” de administradores
judiciais?
Thomas Felsberg — Existem administradores judiciais de todo
tipo: os competentes, os incompetentes, os corretos e os corruptos. A
Deloitte, por exemplo, é uma grande administradora judicial e tem
equipes técnicas para atuar nas grandes empresas. Por isso, tem sido
nomeada.
ConJur — Essas grandes empresas de auditoria são mais confiáveis?
Thomas Felsberg — São empresas organizadas e, digamos, acima de
qualquer suspeita. Elas têm, sobretudo, o aspecto técnico de poder
entregar o trabalho nos prazos.
ConJur — Como é feito o pagamento do administrador judicial?
Thomas Felsberg — Quem paga é o devedor. Na maior parte dos
casos, acaba ocorrendo um acordo, pagam um valor mensal durante a
recuperação e, quando chega no final, negociamos um acordo para
finalizarmos o pagamento.
ConJur — E se não houver um acordo?
Thomas Felsberg — Então o juiz vai determinar qual é a
remuneração. Muitas vezes, o juiz determina uma remuneração que as
partes já acordaram. Há casos em que as partes entram com uma petição
aos juízes dizendo que chegaram a um acordo com relação à recuperação
judicial. Na aprovação do plano, é comum entrar com uma petição, o juiz
arbitra e as partes aceitam ou, quando não aceitam, podem pedir a
reconsideração do juiz ou mandar para o tribunal.
ConJur — O administrador pode ter alguma porcentagem daquilo que foi recuperado?
Thomas Felsberg — Há uma incompreensão sobre isso. A lei
estabelece um teto de 5%, mas, em casos grandes, isso não funciona.
Temos casos passivos de R$ 5, 6 bilhões, 5% disso é muito dinheiro para
cuidar de um caso.
ConJur — Em casos grandes, pode haver uma porcentagem menor?
Thomas Felsberg — Em casos maiores, um número bastante usado é
1% do valor da dívida. Mas, em casos muito grandes, ainda é muito
dinheiro. A lei acabou não ficando muito clara, mas a finalidade era
sempre remunerar o trabalho profissional que, a rigor, não tem muito a
ver com o valor do caso.