terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Como Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, pretende mudar a educação no país


Costurar a criação da Ambev, adquirir o Burger King e a Heinz foram bons treinos. O desafio que Lemann se impôs agora é consertar o ensino público brasileiro

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Paulo Lemann (Foto: AE)

Jorge Paulo Lemann: urgência nos últimos três anos para deixar um legado educacional para o Brasil (Foto: Hélvio Romero/AE)
 
Esta matéria foi originalmente publicada na edição de agosto de 2014 de Época NEGÓCIOS
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Falar sobre a educação brasileira é repetir as mesmas reclamações feitas há décadas: limitado orçamento, professores mal pagos, conteúdos defasados, instalações públicas aos cacos e falta de interesse dos alunos, entre tantos outros. Paradas no tempo, as escolas não conseguem acompanhar a evolução pedagógica e tecnológica dos colégios privados de elite. Mesmo no universo de colégios particulares como um todo, o número de alunos ainda é restrito – são 8,6 milhões, pelas contas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A maior parte dos alunos brasileiros, mais de 41,4 milhões, frequenta cursos do ensino fundamental à universidade em instituições públicas. O número já foi maior – ao fim da década de 90, eram mais de 45 milhões. O gap de qualidade vem desengatilhando uma migração em direção ao ensino privado. De 2010 a 2013, o número de matriculados em escolas privadas subiu 14%. Não à toa, o mercado educacional privado vive um momento dourado, nos últimos anos, com a consolidação de diversas empresas menores em grandes players com ambições globais.
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[O melhor exemplo é a Kroton. Ao se fundir com a Anhanguera, em 2013, a empresa se tornou o maior grupo de educação do mundo em valor de mercado, próximo dos US$ 8 bilhões. É mais de 1,5 milhão de alunos no ensino superior, e com tanto potencial para crescer mais que suas ações são as que mais se valorizaram na bolsa de valores nos últimos dois anos e meio. Parece um contras-senso: a educação brasileira está mais rica, mas o ensino público está encolhendo.]
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Lemann não é o primeiro empresário a se preocupar com a educação. Há exemplos como a Fundação Bradesco, que atende mais de 100 mil alunos por ano em colégios próprios (só para funcionários), ou a Fundação Roberto Marinho (parte do Grupo Globo, que edita NEGÓCIOS), com conteúdo educacional pela TV que já atingiu mais de 6 milhões de alunos. Há instituições que contam com o apoio de empresários para criar modelos pedagógicos a serem disseminados pelo Brasil, como é o caso do Instituto Ayrton Senna, cujas metodologias atingem 2 milhões de alunos por ano.

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[O Bradesco calcula ter gasto R$ 4 bilhões desde o início da fundação, em 1956]
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O projeto de Lemann, porém, tem um escopo muito maior, na esteira do seu mantra de que “sonhar grande custa o mesmo que sonhar pequeno”. E o ritmo do sonho aumentou nos últimos anos. Todos os entrevistados próximos a Lemann citam a pressa do empresário para levar uma qualidade de ensino melhor ao maior número de brasileiros. Fala-se em 50 milhões de pessoas impactadas, sendo um bom naco disto de estudantes. São números audaciosos, não apenas porque a atual estatística é muito abaixo disto, mas por se tratar de um quarto de toda a população brasileira, algo que nem fundações com décadas de estrada conseguiram fazer. Os métodos são os mais diversos: plataformas de ensino adaptado, algoritmos para vestibular, aulas em vídeo, bolsas de pesquisa para educadores, formações para professores e até inserções em novelas. Além disso, Lemann tem dinheiro, tecnologia, profissionais gabaritados na área e, talvez o mais importante, a admiração de todos os setores para conseguir costurar acordos entre esferas e entidades tão distintas.

O investimento em educação é feito por diferentes institutos que conversam entre si, numa malha encabeçada por Lemann que envolve empreendedores, estudantes, executivos, professores, algumas das universidades mais respeitadas do mundo e outras fundações que tentam melhorar a educação no Brasil. São quatro os pilares com funções mais ou menos definidas: a Fundação Estudar custeia bolsas de estudo para graduação e pós-graduação e oferece treinamentos; a Fundação Lemann testa tecnologias para melhorar em massa a qualidade da educação e também distribui bolsas, mas apenas para pós-graduação; o gestor Gera Venture investe em startups e compra operações educacionais que não têm dinheiro para crescer; e o centro de estudos Lemann Center, em Stanford, na Califórnia, incentiva pesquisas sobre alguns dos principais problemas do setor no Brasil. As ações abarcam ensino básico, fundamental, vestibular, graduação, pós-graduação, concursos públicos e novos métodos de ensino. Também não é preciso estar dentro da sala de aula: tecnologias para melhorar a gestão dos colégios e formar diretores ou secretários de educação fazem parte do pacote.

Cada um dos quatro pilares segue à risca a mesma filosofia agressiva criada por Lemann para transformar empresas em apuros em queridinhas da bolsa de valores. Não é porque trabalham com algo intangível e tantas vezes subjetivo como educação que os executivos da Fundação Lemann, por exemplo, não têm metas agressivas, prazos que soam irreais – e bônus polpudos caso o trabalho seja benfeito. Nos próximos cinco anos, todas as iniciativas educacionais do projeto devem atingir mais de 30 milhões de brasileiros. Mais da metade disto será de alunos do ensino básico.

O assunto se tornou tão relevante para Lemann que ocupa parte considerável da sua atual rotina de trabalho. Sua presença é constante, mesmo que passe a maior parte do ano em sua casa na Suíça. Ele participa de reuniões de conselho das fundações, faz visitas ocasionais a startups investidas, dá palestras para bolsistas das suas duas fundações, organiza e participa de viagens para centros de excelência em educação e conecta figuras que, no seu entender, podem contribuir de alguma maneira com o projeto. “Uma coisa que ele diz muito é: ‘olha, tem um cara que se formou com algum tipo de apoio, então fala com ele’”, diz Paulo Blikstein, diretor do centro de pesquisa em educação Lemann Center, na prestigiosa Universidade Stanford, na Califórnia. Tal qual suas apostas em áreas onde não tinha tanta familiaridade no Banco Garantia (a primeira de suas investidas no mundo dos negócios), Lemann se cerca de técnicos que entendem de educação. É para eles que o empresário explica suas ideias e como enxerga a evolução da educação no país. “A grande inteligência do Jorge Paulo é que ele sabe que não é educador, mas se cerca das pessoas que mais entendem disso”, diz Blikstein.

Todas as ações da iniciativa educacional do empresário podem ser divididas em quatro grupos: a base da pirâmide; as bolsas de estudo; a pesquisa; e os investimentos.
 

Para comemorar seus 75 anos, em agosto, Lemann convidou amigos como Bill Gates e Warren Buffett para um seminário de dois dias em Harvard, no qual discutiu negócios


 
Denis Mizne diretor da fundação Lemann O advogado Mizne ajudou a fundar o Instituto Sou da Paz , em 1997. Por sugestão de uma amiga, marcou uma reunião com Lemann na esperança de conseguir dinheiro para seu projeto. Saiu de lá como novo líder da fundação (Foto: Arthur Nobre)
 

A base da pirâmide
 

A espinha dorsal é a Fundação Lemann, que se aventura pelos quatro grupos, embora gaste “90% do seu tempo” na sua missão de melhorar a qualidade da educação básica no Brasil, como afirma o diretor-geral da fundação, Denis Mizne. Em 2002, Jorge Paulo já era um executivo reconhecido e rico, ainda que estivesse longe das principais tacadas da sua carreira. A cultura de meritocracia gerida no banco Garantia já tinha virado um modelo de gestão. A fundação, então, nasce do desejo do empresário de promover uma mudança aos moldes da deixada na história da administração privada, mas na educação brasileira. “Se a educação é a melhor maneira de uma pessoa atingir seu potencial individual, para o Brasil atingir seu potencial como país a educação pública precisa funcionar”, diz Mizne. Nos primeiros anos, a fundação tinha como foco ajudar a formar diretores e traduzir livros com conceitos pedagógicos interessantes. Era uma abordagem limitada. Ao fim da primeira década, Mizne se sentou para conversar com um Lemann decidido a mudar o escopo da sua fundação.

Até então, o advogado Mizne não tinha planos de trabalhar com educação. Sua especialidade era a violência. Em 1997, fundou o Instituto Sou da Paz, responsável por uma campanha popular na década de 90 contra a violência, que usava celebridades posando com os polegares unidos em frente ao rosto de forma que as mãos imitassem uma pomba de asas abertas. Ao voltar ao Brasil, em 2010, após estudar nas universidades de Yale e Columbia,  Mizne buscava investidores para viabilizar novos projetos dentro do instituto. Uma amiga lhe contou que Jorge Paulo Lemann buscava alguém para liderar a fundação que levava seu nome. “Fui lá conversar achando que ia tomar um dinheiro para o Sou da Paz”, diz ele.

Mizne é um executivo cordial e astuto, capaz de conduzir uma conversa sem perder por um minuto a atenção do interlocutor. Fisicamente, parece uma versão menos histriônica de Steve Ballmer, o ex-executivo da Microsoft conhecido pelos arroubos emocionais.  Assumiu o posto cheio de ideias e recebeu um conselho inesperado de Lemann: “Arrume a casa. Deixe a gestão perfeita para crescer, mude de escritório e organize o jurídico. Nos primeiros seis meses não quero saber de ideia”. Elas viriam com o tempo, defendia Lemann. Para ter inspirações de como deveria ser seu trabalho, Mizne apelou para outra das estratégias conhecidas do empresário. Quando o Garantia comprou a Lojas Americanas, em 1982, os donos do banco, sem saber patavina sobre varejo, escreveram para um sujeito que conhecia muito o setor: Sam Walton, o mítico fundador do Walmart. Walton não só respondeu à carta como aceitou receber Sicupira e Lemann na sede da empresa, em Bentonville, nos EUA. Mizne também fez seus contatos pelo mundo. Foi visitar países como Cingapura e Coreia, ter reuniões com ministros da educação, conhecer escolas com propostas modernas e fundações de bilionários que, tal qual Lemann, vinham apostando em educação, como a Bill & Melinda Gates Foundation e a Open Society, do megainvestidor George Soros.

De volta ao Brasil, Mizne começou sua gestão com uma pegada mais Vale do Silício do que Oxford. Lemann tinha lhe deixado claro que o objetivo do impacto em larga escala só seria alcançado com a introdução da tecnologia na educação. Em vez de construir escolas ou criar métodos de ensino próprio, um software online de qualidade pode ser traduzido para o português e distribuído para milhares de escolas em segundos. Mizne mapeou e entrou em contato com diversas startups e fundações responsáveis por plataformas digitais de educação. Quando fazia sentido (o que significa dizer que tem qualidade e consegue ter escala rápido), a Fundação Lemann traduzia para o português e ajudava a disseminar. Hoje, o principal exemplo é a Khan Academy, plataforma de educação digital nascida das aulas de matemática que o americano Salman Khan dava à prima pelo YouTube. Após atrair a atenção (e milhões de dólares em doações) de gente como Bill Gates e Carlos Slim, Khan montou uma tecnologia que ensina matemática, ciências e economia, entre outras áreas, com aulas gravadas e exercícios na tela do computador. Conforme o aluno vai acertando ou errando, a tecnologia identifica as áreas que ele domina e o que ele precisa estudar mais. A dificuldade dos exercícios é determinada pelo conhecimento do aluno, e não pelo ritmo de aprendizado da classe. Por isso, mesmo dentro de uma mesma sala de aula, a Kahn Academy mostra diferentes exercícios para diferentes alunos. Para professores, a tecnologia compila um relatório com as notas e o desempenho de cada aluno.

Em 2012, a Fundação Lemann fechou acordo com a Khan Academy para traduzir e aplicar a tecnologia em escolas públicas pelo Brasil. Há dois anos, eram 210 alunos na periferia de São Paulo com aulas apenas de matemática. Hoje, são mais de 70 mil, nos estados de São Paulo, Paraná, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os colégios que aderiram contam com carrinhos com laptops que percorrem as salas onde a Khan será usada em aula. Quem compra o hardware é a escola.

A fundação banca a plataforma, a formação do professor e o acompanhamento. “Hoje tem fila de escola” esperando para participar, diz Mizne. Aberta para o público em geral no começo do ano, a Khan Academy em português já atraiu mais de 700 mil usuários. Após a Khan, a Fundação Lemann foi atrás de outros projetos com escala. Em agosto de 2013,  traduziu para o português dois cursos da plataforma Coursera, que agrega material de universidades como Stanford e Princeton. Com tradutores voluntários, mais 26 cursos estarão em português em setembro. Também em setembro, deve lançar o Programaê!, plataforma para ensino de programação a jovens usando conteúdos do site americano Codeacademy, da própria Khan Academy e do projeto Scratch, criado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) para crianças. Em novembro, fechou acordo com o Google para produzir um canal de conteúdo educacional para o ensino médio no YouTube chamado YouTube Edu.
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[Fica claro que a Fundação Lemann, em vez de ter uma fórmula clara, vai tateando para tentar encontrar o melhor jeito de aplicar essas tecnologias ao atual currículo escolar, com a anuência de professores e sem apelar para a falha estratégica de achar que colocar um laptop em sala de aula já resolve todo o problema.]
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Só aulas de matemática usam a Khan Academy, por exemplo. Como fazer com que a tecnologia impacte também aulas de geografia, história e português sem atrapalhar o processo de ensino? É um dos principais desafios de Mizne.
Em 278 escolas, notebooks são usados para testar como a Khan Academy se encaixa nas aulas (Foto: Arthur Nobre)
 

Para fazer o meio de campo
 

Até pelo interesse na área, a Fundação Lemann se tornou um ponto de contato entre startups que misturam tecnologia e educação. Em algumas, a fundação investiu, como é o caso da Geekie, dona de uma tecnologia de aprendizado adaptativo. Em outras, financiou os testes da ferramenta de gestão educacional criada pela startup WPensar em escolas públicas de Niterói, como parte do concurso Start-Ed. Para outras, a fundação encomenda projetos, como é o caso da plataforma de cursos Veduca. Na primeira semana de setembro, Mizne estará à frente de uma excursão para o Vale do Silício com dez empreendedores, como Carlos Souza, da Veduca, e Claudio Sassaki, da Geekie. Na pauta, reuniões com investidores, escolas e startups semelhantes. Não é a primeira: há dois anos, Mizne liderou outra viagem para Califórnia e Nova York, desta vez com gente de outras fundações e do governo.

Em alguns casos, este apoio é decisivo na formação da empresa. Foi o que aconteceu com Thiago Feijão. No dormitório do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde estudava, Feijão criou uma plataforma para professores acompanharem o desenvolvimento dos alunos em sala de aula, chamada QMágico. Sem nenhuma experiência em educação, Feijão bateu na porta da Fundação Lemann, que financiou o teste da tecnologia em quatro escolas públicas em São José dos Campos, em 2012, com profissionais próprios destacados para acompanhá-los. A equipe ainda ajudou Feijão a definir o foco da startup e como montar a equipe. Sem este empurrão, não haveria startup, diz Feijão. Pode parecer uma estratégia para “guardar lugar” na hora de investir. Não foi o caso: quando abriu para investidores, a QMágico não captou dinheiro nem da Fundação Lemann nem do Gera.

Os exemplos mostram outra faceta da Fundação Lemann, além da de financiadora que investe em diferentes plataformas: a de agregadora. Converse com qualquer fundador de startup ou executivo de ONG do setor e todos, em algum momento, vão mencionar que já se sentaram para conversar com Mizne. No papel de articulador (facilitado pela rica agenda de telefones de Lemann), a fundação se aproxima dos reguladores por trás de políticas públicas que poderiam ajudar a resolver problemas vistos de perto nas escolas apoiadas pela fundação. Por exemplo: no papel, 84% das escolas brasileiras têm internet. Na realidade, a conexão serve, em muitos casos, apenas a funções burocráticas. “Estamos pensando no que precisamos para conseguir, em cinco anos, que todos os alunos e professores do Brasil tenham internet de altíssima velocidade”, diz. É uma meta privada, com impacto e exigência de envolvimento públicos, o que obriga a fundação a se aventurar no nem sempre amigável ambiente do governo. Como “desatadora de nós”, ela se junta à discussão e, nas palavras de Mizne, cria condições (como levantar dados e conectar profissionais de diferentes perfis) para agilizar a tomada de decisão. Outra discussão é a envolvendo a Base Nacional Comum de Educação, currículo nacional a ser cobrado dos alunos no ensino fundamental. São casos onde a tríade prazo/meta/bônus, mágica no ambiente privado, pode não ser tão eficiente.
 

As viagens para os EUA organizadas pela Fundação Lemann incluem também outras ONGs de educação bancadas por empresas, como a Inspirare, da família Gradin


 
Fabio tran codiretor da Fundação Estudar Quando assumiu a Fundação Estudar com Rodrigo Teles, em 2013, Tran tinha o desafio de encontrar novas fontes de renda e torná-la sustentável financeiramente. “Com mais de 20 anos, a fundação virou uma startup”, DI (Foto: Arthur Nobre)
 

As bolsas de estudos
 

A investida educacional mais popular de Jorge Paulo Lemann são as bolsas distribuídas pela Fundação Estudar. Historicamente, a primeira vez que o empresário pagou para que um jovem no qual via potencial estudasse fora foi na década de 80, quando um sujeito chamado Carlos Brito bateu à porta do banco Garantia pedindo dinheiro para um MBA em Stanford. Tudo era feito informalmente até 1991, quando o empresário oficializou a prática ao fundar a Fundação Estudar, com Telles e Sicupira. Nos primeiros anos, a fundação ocupava uma mesa e, quando as entrevistas precisavam ser feitas, salas de reunião dentro do Garantia. Em 23 anos, a Fundação Estudar pagou pelos estudos de mais de 570 estudantes, dentro e fora do Brasil. Trata-se de um clubinho de entrada limitada. Em 2013, mais de 31 mil inscritos enfrentaram seis etapas de seleção, de provas à temida entrevista final com o conselho, até que fossem definidos os 28 bolsistas.

O hábito de pagar bolsas de estudos surgiu da dificuldade de Lemann de encontrar gente qualificada o suficiente para tocar alguns dos negócios nos quais o Garantia e o 3G se aventuravam. A ideia era custear os estudos dos executivos e aproveitá-los assim que voltassem, algo copiado até hoje por consultorias. “Naquele momento, para um brasileiro ir para o exterior era superdifícil”, diz Lemann, em vídeo, para comemorar os 20 anos do grupo. Como um banco de investimento vive de fazer negócios no Brasil, melhorar a formação de executivos era bom para o mercado e, consequentemente, para o Garantia. Não há obrigação de que os beneficiados trabalhem em algumas das empresas de Lemann. Ainda assim, ali é o destino de muitos. Basta olhar o topo do organograma de Heinz, Ambev e AB InBev: Bernardo Hees, João Castro Neves e Brito, o precursor, foram bolsistas da Estudar.

Em 20 anos, a Fundação Estudar já deu 500 bolsas. Para Lemann, “é um número pequeno”. Há um ano, o grupo está ampliando seu alcance com cursos de preparação
 
Há uma obrigação (mais moral que formal) do estudante pagar as bolsas em até oito anos. Houve calotes, mas foram poucos. A devolução do dinheiro, em parcelas, é parte de um movimento maior que implica no reembolso por parte dos bolsistas. Não à toa, duas das etapas de seleção para a Estudar envolvem os ex-bolsistas. Na primeira, eles entrevistam os candidatos. Logo depois, se reúnem para trocar impressões sobre eles e eliminar os que não acham aptos. Aí está outro dos mantras de Lemann em ação: gente boa atrai gente boa. O contato entre quem procura e quem já ganhou uma bolsa também forma uma rede de contatos que extrapola áreas de estudo, profissões e idade. Bolsistas, ex-bolsistas, empresários e membros do conselho da Fundação Estudar se encontram anualmente. Nos primeiros anos, uma sala de reuniões do Garantia era suficiente. No início do mês passado, 350 pessoas se reuniram no hotel Unique, na Zona Sul de São Paulo. Ali, conhecidos se reveem, novas relações profissionais são formadas, quem ganhou bolsa se apresenta e quem já pagou a sua diz o que tem feito da vida. “É fenomenal o calibre das pessoas. Só tem gente interessante e apaixonada”, diz Gabriel Benarrós, manauara de 25 anos que terminou a gradução em Stanford com bolsa da fundação. Na entrevista final, ele e mais cinco pessoas passaram uma hora sendo avaliados pelo conselho da fundação – Jorge Paulo Lemann, inclusive. Passou, foi para Stanford e, no último ano da graduação, emendou um mestrado. Em uma das aulas, bolou um sistema de venda de ingressos. Voltou ao Brasil com um investimento do professor e lançou o Ingresse em março de 2012. Hoje, com mais de R$ 10 milhões recebido de investidores, a startup já vendeu mais de 200 mil ingressos para mais de 2 mil eventos. No mercado, a  Ingresse é vista como uma potencial ameaça à dominação de Ingresso Fácil, Tickets For Fun e Ingresso.com. Três anos após receber a bolsa, Benarrós era um dos palestrantes no encontro deste ano, falando sobre empreendedorismo a quem queria entrar. O ciclo, então, recomeça.

Lemann não é o único do 3G a investir em educação. Marcel Telles fundou o Ismart em 1999 para oferecer bolsas de estudo a jovens pobres com alto potencial no ensino fundamental. Hoje, são 924 bolsistas em colégios como o Bandeirantes (SP)

Educação (Foto: Reprodução)
 
Para as massas
 
O limitado grupo cresce ao ritmo de mais ou menos 30 novos bolsistas por ano. “É um número pequeno em relação ao tamanho do país. Porque 500 jovens, em 20 anos, é nada”, diz Lemann, no vídeo. Há três anos, a Fundação Estudar tomou um novo caminho. A dupla Rodrigo Teles e Fabio Tran, dividindo a liderança a partir de janeiro de 2013, traçou um modelo para atingir mais estudantes, enquanto achava uma fonte de receita própria. Hoje, o dinheiro vem de reembolso e doações dos ex-bolsistas, dos três mantenedores (Ambev, o banco BTG Pactual e a Falconi Consultores de Resultados) e de empresas como a Cosan e o Itaú-Unibanco. “Temos buscado construir produtos que tenham receita própria e recorrente”, diz Tran. “A fórmula encontrada foram treinamentos pagos”, diz, no segundo andar do sobrado que a Fundação Estudar ocupa na Vila Madalena, em São Paulo. O modelo é parecido com o das bolsas tradicionais, com uma diferença: quem não passa na seleção paga para entrar.

Um bom exemplo é o Personal Prep, curso que ajuda estudantes do ensino médio a preparar os documentos para tentar entrar em faculdades fora do país, lançado em 2013. Ele é composto por aulas gravadas em vídeo e orientações presenciais por quem já passou pelo processo. Os mais bem posicionados na seleção feita pela Fundação Estudar fazem de graça. Quem não passou paga entre R$ 1,5 mil e R$ 20 mil. Parte da margem vai para a fundação, parte para financiar os custos de quem passou por mérito. O nível de sucesso é alto: metade dos alunos aprovados nas dez melhores universidades americanas neste ano saiu do curso, diz Tran. É o tipo de estatística que todo colégio adoraria trompetear para atrair mais alunos. Outros dois treinamentos são o LabX, curso de formação de liderança que dura dois fins de semana e custa até R$ 570 por pessoa, e a conferência de carreira Ene, onde empresas pagam para que estudantes selecionados façam um “pitch” (uma apresentação falada das próprias qualificações) de si mesmo. Somadas, as três iniciativas devem atingir quase 3 mil alunos em um ano, cem vezes mais que o número de bolsas. Não é a mesma coisa que estudar em Stanford, por exemplo, mas aumenta o alcance da Fundação Estudar, como Lemann quer. Espera-se também outra consequência dos treinamentos: com mais procura, a Fundação Estudar deverá crescer de tamanho, abrindo espaço para outros jovens em ascensão. “Para viver a meritocracia, devemos ter uma organização crescendo. Se não cresce, não tem como promover as pessoas”, diz Tran. De novo, é a cartilha de Lemann em ação.
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[No LabX, a Fundação Estudar também treina quem possa replicar o conteúdo por conta própria. Além dos 23 estados brasileiros, o evento já tem datas marcadas em Nova York e Boston.]
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As bolsas da Estudar não são as únicas financiadas pelo executivo. Desde 1999, a Fundação Lemann distribuía bolsas exclusivamente para pós-graduações em Harvard. Nos anos seguintes, estudantes foram mandados para outras faculdades respeitadas, como Columbia, Yale e Stanford, mas ainda de forma fragmentada. Em 2011, uma das ações de Mizne foi juntar todas as bolsas sob um mesmo projeto, chamado Lemann Fellowship. Há uma sobreposição: a Fundação Estudar também distribui bolsas de pós, mas a tendência é que acabe ficando apenas com a graduação, segundo Tran. E ainda que se trate do mesmo produto – financiamento estudantil –, a Lemann Fellowship tem suas particularidades. Só ganha gente mais avançada na carreira, que esteja disposta a “dedicar suas vidas a enfrentar os principais problemas sociais brasileiros”, na definição de Mizne. Chamados de Lemann Fellows, eles vão fazer mestrados e doutorados em sete faculdades prestigiosas (Harvard, Stanford, Columbia, Oxford, Illinois, Ucla e Yale). É gente que, de volta ao Brasil, trabalhará, em sua maioria, em qualquer esfera do governo. Não à toa, mais de 60% dos Felllows estudam gestão e políticas públicas. Eles incorporam a aposta da fundação em destravar, dentro do governo, alguns dos nós observados nas escolas. Ao contrário da política de reembolso da Estudar, os Lemann Fellows não precisam pagar a bolsa. O retorno ao Brasil, porém, é quase inegociável.

“Moralmente, eles têm de voltar. Por enquanto, estamos indo pela cenoura. Se precisar, vamos pelo porrete (risos)”, diz Mizne. Em vez da violência da piada, a fundação apelou para a agenda telefônica de Lemann. Para facilitar este retorno, Mizne organiza encontros nos quais os bolsistas recém-chegados se encontram com figuras de projeção do cenário político e econômico brasileiro. Nos últimos anos, Lemann Felllows se sentaram para conversar com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o empresário Guilherme Leal e o presidente do Banco Central Alexandre Tombini, entre outros. Não é difícil acomodá-los na mesma sala: trata-se de um grupo ainda menor que o da Fundação Estudar. No total, são cerca de 200, com quase 50 novos por ano. O plano de Mizne é formar 500 nos próximos cinco anos, sendo que 50 farão parte de uma elite ainda mais limitada: seja no setor público ou privado, eles terão a responsabilidade de encarar um problema de altíssimo impacto. É gente como o economista Leandro Costa. No começo de 2013, ele foi aceito como pesquisador convidado no Lemann Center, em Stanford. Lá, conduziu uma pesquisa para medir o impacto que o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), criado pelo governo do Ceará, teve no desempenho dos alunos. Ao fim da bolsa, voltou ao Brasil como funcionário do Banco Mundial (antes, era um prestador de serviços), onde  atua como consultor de projetos educacionais com tecnologia. Quando governos têm projetos educacionais, mas não a verba para fazê-los, recorrem ao Banco Mundial, que lhes empresta dinheiro e ajuda no planejamento técnico. Entre as referências que Costa usa ao dar esta consultoria estão não apenas as pesquisas do Lemann Center mas também algumas das iniciativas da Fundação Lemann.
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[Tal qual bolsistas da Fundação Estudar, os Lemann Fellows também se reúnem uma vez por ano. Em 2014, o encontro foi em um sítio em Itu (SP), com a presença de Jorge Paulo Lemann.]
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Paulo Blikstein diretor do Lemann Center (Foto: Divulgação)
 

A pesquisa em Stanford
 

Alguns dos Lemann Fellows têm um destino especial durante a pesquisa. Em 2011, o Lemann Center foi fundado em Stanford por uma parceria entre o empresário e quatro professores de educação especializados em Brasil. Único brasileiro entre os professores, Paulo Blikstein é um sujeito magro de olhos claros e calvície pronunciada. Com os americanos Eric Bettinger, David Plank e Martin Carnoy, ele lidera estudos, organiza eventos e orienta brasileiros interessados no assunto. Cada um deles ganha uma bolsa de até US$ 70 mil. Durante os dez anos que estão previstos no contrato que fundou o Lemann Center, 150 brasileiros passarão por lá, entre mestres, doutores, formadores de educadores e empreendedores.

Além de fortalecer seu currículo, os bolsistas desenvolvem pesquisas que, entregues aos tomadores de decisão, ajudarão na definição de políticas públicas. É o caso da cientista social Luana Marotta, bolsista por duas vezes. No mestrado, estudou o impacto da separação entre os melhores e os piores alunos no colégio. A sala de aula dos melhores tende a ter melhor desempenho, mas a qualidade na sala dos piores também cai. Luana descobriu que misturar alunos aleatoriamente faz mais bem ao desempenho geral da escola que separar os melhores dos piores. Já Tassia Cruz estuda no seu doutorado como a distribuição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) beneficia e prejudica os estados brasileiros. Para não ficar só na teoria, o centro de estudo paga para que os bolsistas voltem ao Brasil durante as férias para trabalhar dentro de órgãos educacionais.

O centro de estudos, na sua visão, é uma ponte que mantém aberta a comunicação entre o  Brasil e um dos polos de inovação em tecnologia educacional. Os Lemann Fellows que por lá passam também são “moralmente obrigados” a voltar ao Brasil. Na cabeça de Blikstein, o momento que o Brasil atravessa na educação lembra dois marcos da história recente: o plano Real e a bossa nova. Em ambos, argumenta ele durante um café nos Jardins, Zona Sul de São Paulo, o cenário estava preparado com uma massa crítica de economistas e músicos, respectivamente, com formações acadêmica sólidas. Bastava uma fagulha para que, juntos, algo que soava impossível conseguisse ser realizado. “Às vezes, esta fagulha acontece no vácuo. Inspiração acontece o tempo todo, mas para virar um movimento, precisa ter pessoas que saibam”, diz. Seu temor era que a fagulha viesse, mas o Brasil a perdesse por falta de preparo. O Lemann Center, os Lemann Fellows e a Fundação Estudar ajudariam a evitar este vácuo.
 

Além das matérias tradicionais, a plataforma de ensino do Eleva também ensinará às crianças “habilidades da vida”, como comunicação e perseverança

 
Gabriel Benarrós fundador da ingresse  (Foto: Arthur Nobre)
 

Os investimentos
 

Desengatilhar negócios não passa apenas pelas cabeças, mas também pelo dinheiro necessário para fazê-los. É onde entra o Gera Venture, braço da estratégia educacional de Lemann que mais lembra os negócios que fizeram seu nome. O gestor nasceu em 2010, pela vontade das fundadoras, Duda Falcão e Rafaela Vilella, ambas com experiência no mercado financeiro, de investir em educação. Um dia, quando já tinha saído do Pactual e trabalhava na Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, Duda conheceu Ana Vitória, filha de Jorge Paulo, que deu a dica: “Meu pai quer fazer algumas coisas de educação, bate um papo com ele”. Ela foi, o plano caiu nas graças de Lemann e as duas fundaram a única organização educacional de Lemann com fim lucrativo. Não que eventuais ganhos voltem ao bolso de Lemann: todos os lucros do Gera são repassados à Fundação Lemann. Como a fundação financia quase todos os outros projetos, espera-se que a estratégia educacional pare de pé sozinha. Aí está outro dos mantras de Lemann: se o negócio é bom mesmo, você consegue dinheiro com outras pessoas. No molde da criação da Fundação Lemann, o primeiro ano do Gera foi de estudo e viagens. 

Após rodar o mundo, Duda e Rafaela definiram duas atuações claras do gestor em 2011: fazer aportes em startups de tecnologia educacional e comprar operações educacionais para acelerar seu crescimento, ambas restritas ao ensino básico. Pelo primeiro, o Gera investiu em seis startups, sendo quatro delas brasileiras: a já citada Geekie (junto à Fundação Lemann), a Rota dos Concursos, especializada em estudos para concursos públicos, a Starline, responsável por um sistema que torna a correção de provas 50% mais rápida e barata, e a MindLab, sistema de aprendizado usando jogos de tabuleiro. Nesta última, o gestor vendeu sua participação. As outras duas startups são estrangeiras: a plataforma de vídeos Kaltura e o estúdio de games educativos Mangahigh. Em todas, o Gera é minoritário.

É o modelo contrário à outra divisão. Tal qual as investidas do 3G, a parte de growth do Gera só entra em negócios quando é majoritário, e para influenciar diretamente na administração. Desde 2011, a companhia comprou dois tradicionais colégios de ensino básico do Rio de Janeiro, o Elite e o Ponto de Encontro. Ambos serviram de base para a criação da Eleva, uma holding de escolas que deverá ter “cinco ou seis espalhadas pelo Brasil” e “um número relevante de alunos”, segundo Rafaela. Faz parte do plano também desenvolver uma nova plataforma de ensino única a ser usada em todos os colégios da Eleva nos próximos anos, nos moldes de outras plataformas, como o Sistema Anglo de Ensino. “Temos uma estrutura interna que só estuda modelos pedagógicos e acadêmicos pelo mundo que estão dando certo”, diz ela. Algumas das tecnologias investidas serão acopladas à plataforma, como os algoritmos da Geekie e os games educativos da Mangahigh. Além da capital carioca, fontes próximas à operação dizem que o Gera vem negociando com colégios no Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde a concorrência é menor. O Gera não confirma a informação. Quando os negócios forem fechados, porém, o modelo tende a se repetir: 100% do capital é comprado e a administração ficará a cargo de um time de gestão montado pelo Gera. Duda, uma das fundadoras, virou coCEO da Eleva com Bruno Elias, executivo com experiência nos mercados educacional e financeiro. “Nosso foco é escola para classe B e C. Hoje, elas competem em termos de aprovação no IME e no ITA com qualquer escola do Brasil, mas estamos perdendo para escolas da classe A”, diz Rafaela. O objetivo final é levar qualidade de ensino da classe A com um boleto da classe C.

De todas as iniciativas, a única criada para dar lucro é o Gera. Não que Lemann queira ficar ainda mais rico: todos os ganhos vão direto para a Fundação Lemann
 
A holding ainda terá um alcance limitado em termos de número de alunos. É parte, porém, de uma estratégia que deverá ganhar corpo em médio prazo e que, somadas às demais iniciativas, ajudará Lemann a chegar àquele mágico e desejado número de 50 milhões de pessoas impactadas por seus investimentos em educação. O empresário não descarta nenhuma oportunidade de levar conhecimento em grande escala aos brasileiros. No mês passado, durante a novela Geração Brasil, da Rede Globo, o ator Murilo Benício, na pele do empresário Jonas Marra, passou mais de um minuto explicando em cadeia nacional de TV o que é a Khan Academy. A cena teve influência de Lemann – funcionários da sua fundação e roteiristas da novela se reuniram para discutir o assunto. Fazer menção na novela não é o que se espera quando se discute popularização da educação. Pode até ser motivo de risada para pedagogos mais tradicionais. Não seria uma reação inédita a algo que Lemann se propõe a fazer. Muita gente também gargalhou ao ouvir do próprio Lemann, décadas atrás, o seu sonho de virar o controlador de alguns gigantes do capitalismo global.  
 

Com o apoio de três pesquisadores americanos, Blikstein sugeriu a Lemann um centro de estudo focado só na educação brasileira dentro da prestigiosa Stanford. Em dez anos, o Lemann Center receberá mais de 150 brasileiros

 
Educação (Foto: Reprodução)
 

Delator na “lava jato”, empresário pede perdão judicial em troca de auxílio






O empresário Julio Gerin de Camargo pediu à Justiça Federal para receber perdão judicial por ter apontado desvios de dinheiro ligados a contratos na Petrobras, em um dos processos envolvendo a operação “lava jato”. Depois de ter firmado delação premiada e assumido pagamento de propina de US$ 30 milhões, ele disse que se encaixa nos critérios para ser perdoado, conforme petição apresentada no último sábado (10/1).

A advogada Beatriz Catta Preta, defensora de Camargo, reconhece no documento que é “escassa” a jurisprudência nesse tipo de pedido, mas relata que o benefício tem sido concedido “corriqueiramente” quando alcançado o principal objetivo: a confissão e a identificação de outras pessoas.

O empresário afirmou ter repassado o valor a Fernando Falcão Soares, o Fernando Baiano, para que a Petrobras comprasse sondas de perfuração para águas profundas. Baiano, segundo ele, “mantinha um compromisso de confiança” com o ex-diretor da estatal Nestor Cerveró, responsável pela área internacional. Camargo disse ainda que uma de suas empresas, a Piamonte, fez o pagamento em contas bancárias, algumas delas movimentadas pelo doleiro Alberto Youssef.

Todos os quatro viraram réus em um dos processos da “lava jato”. De acordo com Julio Camargo, “procedem por completo os fatos narrados na denúncia” oferecida pelo Ministério Público Federal. Assim, ele alega que merece o perdão ao ter ajudado a identificar participantes da ação criminosa, cumprindo ao menos um dos critérios fixados na Lei 12.850/2013 — que trata sobre organizações criminosas e aborda termos para colaboração.

Pela lei, o perdão pode ser solicitado pelo réu, pelo Ministério Público e pelo delegado de polícia. Caso o juiz federal Sergio Fernando Moro negue o benefício, a alternativa apresentada pela defesa é que a pena seja reduzida em dois terços ou substituída por restritiva de direitos.


“Obra de ficção”




Embora o doleiro Alberto Youssef também tenha firmado acordo de delação premiada, sua defesa afirma que ele nunca teve relações com a área internacional da Petrobras. De acordo com o advogado Antonio Figueiredo Basto, o cliente só assumiu contato com Paulo Roberto Costa, que comandava o setor de abastecimento.

A defesa do ex-diretor Nestor Cerveró alega que as acusações do MPF são “despidas de provas” e que a compra de sondas foi aprovada em colegiado pela diretoria da Petrobras. O advogado Mário de Oliveira Filho, que representa Fernando Baiano, define a denúncia como uma “peça de ficção”. Segundo ele, Fernando tem duas empresas especializadas em “detectar” negócios e intermediar a relação entre companhias, sem “relação íntima” com diretores da Petrobras.


Clique aqui para ler a petição.
Processo: 5083838-59.2014.404.7000

*Texto alterado às 20h37 do dia 12 de janeiro de 2015 para correção.

Novo CPC permite abusos interpretativos do juiz, dizem advogados



Ao dar poderes ao juiz para ponderar qual norma (e não princípio) deve prevalecer em caso de conflito entre leis, o novo Código de Processo Civil — que aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff — dá margem a abusos interpretativos e fundamenta uma ordem jurídica baseada na subjetividade. Essa é a opinião de diversos advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

A regra criticada está no artigo 486, parágrafo 2º, do projeto, que tem a seguinte redação: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.



As críticas ao dispositivo começaram a proliferar após o jurista Lenio Streck fazer uma análise detalhada da questão em sua coluna de 8 de janeiro na ConJur. "O malsinado dispositivo servirá para que o juiz ou tribunal escolha, de antemão, quem tem razão, ideológica-subjetivamente", escreveu. Na conclusão, o colunista pede que Dilma vete essa norma.
O advogado e professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP Antônio Cláudio da Costa Machado concorda com Streck. Ele explica que a ponderação só pode ser feita quando há conflito entre princípios constitucionais ou direitos fundamentais e ataca a generalização da técnica interpretativa.  
“A ponderação é um princípio que vem do Direito alemão para uma situação muito específica, que é quando estão em rota de colisão princípios constitucionais ou direitos fundamentais. Só para essa situação é que a ponderação serve, porque, quando se trata de legislação infraconstitucional, é o “tudo ou nada”: ou se aplica a norma X, ou se aplica a norma Y. Não dá pra aplicar as duas ao mesmo tempo. (...) O princípio da ponderação não permite ao juiz pegar dois dispositivos da legislação infraconstitucional, fazer um meio-termo entre os dois e aplicar, entende? Isso é um absurdo”, critica Costa Machado.
Para o professor da USP, o dispositivo dá poderes excessivos ao juiz: “Isso é uma abertura para uma discricionariedade judicial que não pode existir. O juiz se pauta na lei, e ele interpreta a lei com as ideias de razoabilidade e proporcionalidade. Mas tudo isso serve para o juiz interpretar a lei, não para ele criar a lei. Esse dispositivo inteiro é uma porta aberta à criação judicial. O juiz com base numa regra dessas vai fazer o que quiser”.
O processualista ainda afirma que o veto ao parágrafo 2º do artigo 486 — tal como pedido por Streck — não seria suficiente, uma vez que o código inteiro “dá margem a voos interpretativos” dos magistrados.
De acordo com o advogado José Miguel Garcia Medina (foto), sócio do Medina & Guimarães Advogados, a redação imprecisa põe nos ombros dos doutrinadores a tarefa de delimitar os poderes interpretativos do juiz.

“A 'ponderação', de fato, tem conduzido a arbitrariedades. O uso da expressão, no texto do novo CPC, a meu ver, não foi feliz. Cumpre a nós, na doutrina, explicar que 'ponderar' não significa 'escolher arbitrariamente'. Trata-se de interpretar ao aplicar, o que significa identificar de modo preciso os limites entre os direitos em conflito, a fim de apresentar uma solução racional para a questão levada ao Judiciário”, elucida Medina.

O especialista em Direito Processual Civil Eduardo Arruda Alvim, sócio do Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica, também se mostrou preocupado com a questão.

“Soa-me preocupante a banalização do assunto, estampada em um preceito de lei ordinária. É assunto que toca muito mais com a doutrina do que com o legislador. Com relação às regras é ainda mais preocupante, porque não é o caso de falar-se em ponderação quando estão em pauta regras, pois estas aniquilam-se umas às outras. O dispositivo, portanto, além de indevidamente abrangente, trata um assunto de extrema delicadeza, e que não faz parte do cotidiano, como algo corriqueiro. Pode, portanto, dar margem a desmandos e interpretações distorcidas, gerando muita confusão”, opina Arruda Alvim.

 

Na visão de Arruda Alvim (foto), o dispositivo deve ser vetado para não prejudicar a intenção do legislador de que o juiz fundamente suas decisões, algo especificado, principalmente, no parágrafo 1º do artigo 486. “Há — e isso é louvável — uma preocupação do novo CPC no sentido de dirigir o juiz a fundamentar adequadamente a decisão. Vários dispositivos foram redigidos nesse sentido, sendo esse um deles. Mas, este, pelas razões apontadas, merece o veto. O dispositivo realmente dá um poder desmesurado ao juiz, e desdiz tudo o que o parágrafo 1º do artigo 486 especifica com muito cuidado”, argumenta o advogado.

Membro da comissão de juristas que assessorou a Câmara dos Deputados na elaboração do novo CPC, Dierle Nunes, sócio do Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia, discorda das avaliações de Lenio, Costa Machado, Medina e Arruda Alvim. Segundo ele, a leitura isolada do dispositivo encobre o verdadeiro objetivo dele, que é de evitar abusos interpretativos.

“O artigo 486 é um dos dispositivos mais relevantes do Novo CPC, e seu objetivo é exatamente o de tentar coibir abusos no momento da fundamentação. A leitura do professor Lenio é uma das possíveis, uma vez que as premissas do novo CPC coíbem o aludido aumento dos poderes judiciais. Porém, a leitura do parágrafo 2º somente pode ser feita em conformidade com premissas do contraditório dinâmico, que impede decisões de surpresa (artigo 10), da teoria normativa da cooperação (artigo 6º) e do próprio artigo 486, caput, e parágrafo 1º. Creio que a leitura isolada do dispositivo deve ser abandonada, pois contrariaria os referidos comandos da parte geral do código”, sustenta Nunes.

Clique aqui para ver todas as alterações feitas no projeto do Novo CPC.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Decisão de acordo bilateral deve partir do Brasil, avisa a UE

Por Assis Moreira | Valor
 
 
GENEBRA  -  A discussão sobre uma negociação de acordo comercial diretamente entre a União Europeia e o Brasil depende basicamente de uma decisão política do lado brasileiro, deixou claro a nova comissária europeia de comércio, Cecilia Malmström nesta quinta-feira.

Recentemente, uma pesquisa mostrou que várias empresas europeias e brasileiras consideram que, até pelo seu atraso, as negociação birregional  UE-Mercosul podem não ter êxito. E que vale tentar um acordo bilateral entre Brasil e UE, que consideram como "menos pesado" e mais capaz de fornecer resultados "em um futuro previsível".

Por sua vez, a comissária de comércio, ao ser indagada sobre a questão, sorriu, balançou a cabeça e sinalizou que depende de o Brasil tomar uma eventual iniciativa, para o tema ser avaliado por Bruxelas. Ela lembrou que o mandato atual da UE é para negociar com o Mercosul.

O diretor-geral da Comércio, Jean-Luc Demarti, disse que não partiria de Bruxelas uma iniciativa de acordo diretamente com o Brasil, para a 'UE não ser acusada de ter quebrado o Mercosul'.

O fato, para importantes negociadores, é que, apesar de acenos da presidente Dilma Rousseff de novo ao bloco do Cone Sul, o sentimento é de que não dá para o Brasil esperar muito a Argentina arrumar sua economia e um dia decidir avançar em acordo de liberalização com outros parceiros importantes.

Alem disso, esses negociadores notam que a Tarifa Externa Comum  (TEC) do Mercosul hoje é uma fantasia, com 50% de exceções. O Uruguai é um membro cada vez menos convencido de que faz bom negócio permanecendo no bloco.

Comissária da UE quer regras anticorrupçao com Mercosul

Presidenta Dilma Rousseff durante cerimônia de Abertura da XLVII Cúpula do Mercosul e Estados Associados. (Paraná, Província de Entre Rios - Argentina - 17/12/2014 (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)
Por Assis Moreira | Valor
 
GENEBRA  -  A comissária de comércio da União Europeia (UE), Cecilia Malmström, chamou nesta quinta-feira a corrupção de 'uma doença' e sinalizou que uma das prioridades de Bruxelas na negociação com o Mercosul será a inclusão de regras nas licitações públicas,  que são conhecidas como regras "anticorrupção".

Em sua primeira visita a Genebra, na sexta semana no cargo, a nova negociadora comercial chefe europeia respondeu a vontade sobre o impacto dos escândalos no Brasil na confiança de investidores europeis e da própria Comissao Europeia.

Ela disse que não julgaria 'a natureza' dos escândalos no Brasil, mas que em geral casos de corrupção 'não são bons para a confiança e não só do Brasil, mas de todos". Acrescentou que 'a corrupção não é ruim apenas para a economia. Mas ela também causa dano para a confiança, legitimidade ou na relação dos cidadãos e de outros sobre o país". Para a comissária, corrupção não é apenas uma questão econômica, como também política', daí a prioridade que o governo brasileiro diz estar dando a esse problema. 

Companhias europeias são responsáveis por 45% do Investimento Estrangeiro Direito (IED) no Brasil. Por sua vez, 53% dos investimentos brasileiros no exterior foram destinados a países europeus. A UE é um dos principais parceiros comerciais do Brasil.

Cecilia Malmström reiterou que a UE quer bom acesso ao mercado do Mercosul, e que isso inclui acesso ao mercado de compras governamentais, e portanto para empreiteiras europeias no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. A negociação de um acordo birregional, se avançar, deve estabelecer também regras para garantir as transparencias nos contratos.

Existe um Acordo de Compras Governamentais, na Organizaçao Mundial do Comércio (OMC), com participação restrita de países. O Brasil nunca quis aderir a esse que é chamado um do principais instrumentos anticorrupçao no comércio mundial. Mas o país tem negociado no tema de compras governamentais com os europeus.

Para a comissária europeia, e há 'muitas razões' pelo atraso na retomada negociação UE-Mercosul, mas evitou apontar culpados. Ela repetiu a posição europeia de que o mais importante agora é que os países do Mercosul disseram que querem se engajar na negociação do acordo birregional.

Como outras autoridades europeias, a comissária de comércio reiterou que Bruxelas quer se assegurar sobre a dimensão das ofertas de liberalização do Mercosul, ante de 'retomada de reais negociações'. 'Queremos ver se as ofertas tem o mesmo nível de ambição de abertura dos respectivos mercados, para ver se é necessária calibrá-las'', afirmou. 'Precisamos ainda de detalhes de parte do Mercosul, antes de avaliar o que mudou em relação a oferta de 2004', avisou.

A comissária europeia declarou-se otimista sobre a retomada da Rodada Doha, elogiou a reaproximação EUA-Cuba, insistiu que os problemas da Russia atualmente nada tem a ver com o embargo ocidental e sim com falta de reformas que não foram feitas por Moscou.

Carolyn, a 'arma secreta' do Facebook


Por Gustavo Brigatto | De São Paulo
Luis Ushirobira/ValorCarolyn Everson, do Facebook: desde sua chegada, em 2011, receita quadruplicou
 
Pouca gente já ouviu falar de Carolyn Everson. Talvez por isso, a executiva americana de 42 anos possa ser considerada uma espécie de "arma secreta" na estratégia de crescimento do Facebook.

Enquanto o fundador da rede social Mark Zuckerberg, cuida da parte estratégica e seu braço direito, a diretora de operações Sheryl Sandberg toca o dia a dia do negócio, é Carolyn quem faz o meio de campo da companhia com o mercado publicitário. Em outras palavras, é ela quem faz com que o dinheiro dos anunciantes seja colocado na rede social. Na verdade, foi a executiva quem construiu as pontes que ligam os dois mundos e acelerou exponencialmente o avanço do Facebook nos últimos anos.

Desde sua chegada, em fevereiro de 2011, a receita da companhia saltou de US$ de 2 bilhões para quase US$ 8 bilhões no ano passado. Em 2014, a rede social responderá por 7,75% dos US$ 146 bilhões que devem ser investidos globalmente em publicidade digital, um avanço de dois pontos percentuais em relação ao ano passado, segundo a empresa de pesquisa eMarketer. No 3º trimestre, a publicidade respondeu por 92% da receita da companhia - em 2011 eram 83%. "Nos últimos quatro anos evoluímos de uma plataforma social, onde as empresas constroem suas marcas bases de fãs, para uma plataforma de mídia, que gera resultados de negócios para os anunciantes", disse a vice-presidente de soluções globais de marketing do Facebook ao Valor.

O caminho ainda é longo para alcançar o Google, que detém um terço da publicidade digital no mundo. Mas três aspectos da estratégia da companhia podem ajudá-la a reduzir mais rapidamente essa distância: o foco em dispositivos móveis, nos anúncios no formato de vídeo e a exibição de anúncios fora do ambiente do Facebook. Este último passo, aliás, pode ser considerado um dos mais interessantes da companhia.

Mesmo com 1,35 bilhão de usuários - quase 70% dos internautas no mundo - o Facebook sofre por ser um ambiente fechado. Ao contrário do Google, que é acessado quando o internauta está em busca de alguma coisa, portanto mais suscetível ao impacto da publicidade, no Facebook, os usuários precisam acessar suas contas, para então ver os anúncios. Com a possibilidade de vender anúncios fora de suas cercas, o Facebook aumenta o impacto que uma campanha pode ter. "Podemos ajudar os anunciantes a fazer publicidade direcionada e encontrar pessoas de verdade fora do Facebook [usando os dados que são coletados dos usuários da rede]", disse Carolyn.

Em sua segunda visita ao Brasil, ela se reuniu com publicitários para discutir ideias e levantar sugestões de novos funcionalidades e formatos de anúncios. O conselho de clientes foi criado em 2011 e funciona no Reino Unido, Brasil, Índia e como um bloco único para os países da Europa, África e Oriente Médio. "Ela conduz muito bem esse diálogo com o mercado", disse um executivo que participou do encontro.

Carolyn tem um currículo recheado com passagens pela Microsoft, Disney e MTV. Foi no canal de música que ela ouviu falar pela primeira vez do Facebook. Em 2005, quando comandava a área de publicidade da MTV, ela se interessou pela rede social que começava a se tornar popular entre os jovens e chegou a sugerir sua aquisição pela MTV. As negociações chegaram a acontecer, mas não resultaram em um acordo. "Talvez tenha sido melhor assim", disse a executiva.

Assim como Sheryl Sandberg, Carolyn é uma defensora do aumento da presença das mulheres no mercado de tecnologia. "Elas são apenas 18% dos formandos em ciência da computação nos Estados Unidos", ressaltou. Para estimular isso, ela faz encontros e também acompanha a carreira de algumas profissionais da companhia. "Acredito que as mulheres podem ter uma carreira e cuidar da família. Não é um, ou outro", disse a mãe de gêmeas. Ela destaca, no entanto, que essa questão não é apenas das mulheres. "Também estímulo os homens da minha equipe a passar tempo com a família", completou.

Conselheira de diversas empresas, Carolyn ainda acha tempo para fazer trabalho voluntário. Antes de chegar ao Brasil, ela passou 10 dias com as filhas de 12 anos no Equador ajudando a construir casas para famílias carentes. "Tento mostrar a elas que o mundo não é só a vida que temos nos Estados Unidos", disse.
No mundo da publicidade, ela disse acreditar que o cenário de restrição de verbas por conta da turbulenta situação econômica global não é um problema para os planos de crescimento do Facebook. "Dá para fazer publicidade eficiente com menos verba", disse.

A Medida Provisória 656/2014 enriquece ainda mais os donos de cartórios


 Manual sobre como conservar documentos foi elaborado pelo CNJ



 
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A MP 656, no inciso IV do artigo 54, estabelece o procedimento da concentração das ações judiciais na matrícula do imóvel, sendo a cobrança deste procedimento estabelecido no art. 56, § 1º.

Traduzindo: o autor de qualquer ação judicial (trabalhista, juizado especial, penal, etc.) para ser considerado diligente, deverá percorrer todos os cartórios de registros de imóveis de sua cidade fazendo pesquisas para localizar bens dos réus e depois promover as averbações dessas ações nas matrículas de seus imóveis. Para efeito de pagamento ao cartório de registro de imóveis, esta averbação é considerada sem valor declarado.

Os donos de cartórios de registro de imóveis, além de ganhar grandes somas de dinheiro com todas essas pesquisas de bens, averbações nas matrículas dos imóveis, foram contemplados também com a exigência de mais uma certidão para a lavratura do contrato de compra e venda de imóveis – a certidão de propriedade (artigo 59).

Todos nós sabemos que as receitas dos cartórios de registro de imóveis são milionárias. Dou como exemplo as receitas do ano 2013 de dois cartórios, divulgadas pelo Conselho Nacional de Justiça:

Registro de Imóveis da 1a Zona de Porto Alegre – R$16.064.090,00
1º Oficio de Registro de Imóveis de São Paulo – R$ 14.400.194,00

Para se ter uma ideia do quanto a MP 656/2014 ajudará aos donos de cartórios ficarem mais ricos, basta refletirmos sobre os seguintes pontos:

1. Até agosto de 2014, tramitava no TJ/SP 20.258. 821 ações (conforme o Comunicado nº 1090/2014 da Corregedoria Geral-TJ/SP);

2. O valor da averbação sem valor declarado cobrado em São Paulo (item 2.1 da tabela da ARISP) é de R$ 20,14 por ato;

3. Como a baixa da averbação também será cobrada, o autor da ação pagará, no mínimo, R$ 40,28 por ação averbada no cartório. Eu digo "no mínimo" porque qualquer alteração durante a tramitação da ação judicial (retificações, redistribuições, inclusão e/ou exclusões de nomes, etc) deverá ser averbada e paga pelo autor de qualquer ação judicial:

4. Considerando apenas as ações em curso na Justiça Estadual de São Paulo, os autores de ações judiciais arcarão com uma despesa de dois bilhões de reais, que está sendo direcionada, pela MP 656, aos donos cartórios de registros de imóveis. O montante desse valor é muito maior, pois neste cálculo não se levam em conta as ações das justiças federal e trabalhista.