A Infosys apostou que a tecnologia estaria por toda
parte – e acertou
Por Universia Knowledge Wharton
Milhões
de americanos voam em aeronaves feitas pela Embraer. Talvez eles saibam o nome
do fabricante, mas se tivessem de adivinhar de que país é a Embraer, muitos
provavelmente não acertariam. A Embraer é a maior fabricante de jatos regionais
do mundo e está entre as cinco mais importantes do planeta. “Em um segmento de
tecnologia avançada como o dos jatos regionais, a maior empresa do mundo é
brasileira. Quem poderia prever isso há alguns anos atrás?”, indaga Mauro
Guillen, professor de administração internacional da Wharton.
Cada vez
mais, as empresas de países em desenvolvimento como Brasil, Índia, China e
México estão se tornando líderes globais eclipsando marcas conhecidas do mundo
desenvolvido. É o caso, por exemplo, da chinesa Alibaba, forte no setor de
comércio eletrônico. Seu valor de mercado é maior do que o do Yahoo, Netflix,
eBay, Yelp, LinkedIn, Twitter e Groupon juntas. O serviço de nuvem da Alibaba,
o Aliyun, concorre ferozmente com a Amazon Web Services. A sul-coreana Samsung
é a maior empresa de eletroeletrônicos do mundo superando em vendas a Sony,
Panasonic e Philips. A Bimbo, do México, é a maior do segmento de panificação.
Em 2010, ela comprou o negócio de panificação da norte-americana Sara Lee. Na
lista atual das 2000 companhias globais da Forbes, embora os EUA ainda ocupem
os postos mais importantes do ranking, as quatro colocações mais elevadas
pertencem a bancos chineses.
O
fenômeno das multinacionais emergentes (EMs, na sigla em inglês) — empresas
bem-sucedidas do mundo em desenvolvimento — não deve desaparecer tão cedo,
conforme dados de um relatório do Conselho da Agenda Global sobre
Multinacionais Emergentes do Fórum Econômico Mundial. A tendência se fortalece
graças ao crescimento dos mercados emergentes: de 2000 a 2010, os mercados em
desenvolvimento e emergentes responderam por 60% do incremento do PIB mundial.
No decorrer da próxima década, boa parte do crescimento da população mundial se
dará nas economias emergentes, fazendo surgir novos consumidores e mercados de
maior porte.
Modeladas
pelas limitações
Como as
EMs podem ser bem-sucedidas em escala global? A maior parte dos especialistas
acredita que a inovação seja um fator decisivo. Contudo, qual a natureza dessa
inovação? E qual a sua fonte? De acordo com Guillén, da Wharton, à medida que
as EMs procuram se tornar semelhantes às empresas europeias ou americanas, elas
são “forçadas a ser diferentes”. Diz Guillén: “Elas nasceram em ambientes em
que não era fácil inovar. Não havia engenheiros; não havia recursos e nem os
insumos necessários.” As regulações impostas pelo governo, a instabilidade
política e a volatilidade econômica juntaram-se para acrescentar mais pedras de
tropeço no caminho dessas empresas. Contudo, como consequência dessas
limitações, diz Guillén, as EMs “colheram enormes dividendos” pois “quando se
aprende a ser competitivo com poucos recursos, isso significa que você está
inovando”. As empresas que aprendem essa habilidade terão um retorno positivo a
longo prazo, acrescenta Guillén.
Uma EM
que começou a vida com parcos recursos — US$ 250 em capital, para ser exato —
foi a Infosys, empresa global de consultoria em tecnologia da Índia. Criada por
sete engenheiros em 1981, a Infosys se tornou a primeira empresa indiana de
tecnologia da informação (TI) a ser listada na NASDAQ em 1999. Hoje, sua
capitalização de mercado é de cerca de US$ 40 bilhões. S. D. Shibulal (foto),
um dos fundadores e ex-CEO da Infosys, atribui à inovação que mais caracteriza
sua empresa — o modelo de execução mundial — a principal fonte do seu sucesso.
“O modelo de execução global é uma metodologia pela qual pode-se desmembrar um
projeto ou um programa, executá-lo em diferentes partes do mundo e entregá-lo
ao cliente sem nenhuma aresta”, explica Shibulal. Ele contrasta esse modelo com
a forma como o trabalho de TI costumava ser feito na época: “Digamos que você
tivesse um projeto para ser executado em Nova York. Vinte pessoas de todo o
mundo se deslocariam para Nova York, fariam o trabalho e retornariam para seus
locais de origem. A ideia era levar o trabalhador ao local de trabalho. O
modelo de execução global leva o trabalho ao trabalhador. Basicamente, ele
mudou a indústria.”
De acordo
com Shibulal, a adoção desse novo modelo foi um salto de fé. A empresa, ainda
muito nova, apostou que a tecnologia estaria por toda parte, e que a indústria
de tecnologia se tornaria global. “Agora, parece uma coisa simples de fazer,
mas em 1981 […] não foi nada fácil. Estávamos à frente do nosso tempo.” Anil
Gupta, catedrático de estratégia, globalização e empreendedorismo na
Escola de Negócios Robert H. Smith da Universidade de Maryland, observa que
empresas indianas como a Infosys e a Tata Serviços de Consultoria “surgiram
praticamente de lugar nenhum nos últimos 20 ou 30 anos” e mudaram a face da
indústria de TI. Ele ressalta que das cinco principais empresas de serviços de
TI do mundo atualmente, três delas são indianas e duas são americanas. “As
empresas indianas se tornaram muito maiores do que as demais companhias de
serviços de TI que havia, como a Electronic Data Systems. Elas a superaram e
agora caminham lado a lado com a Accenture e a IBM Global Services.”
De
minigeladeiras ao genoma humano
Ao discorrer sobre a estratégia usada por muitas EMs de se concentrar nas
necessidades simples dos mercados americanos, Guillén diz: “Elas melhoraram os
produtos existentes; tornaram-nos mais fáceis de usar e baratearam sua
produção.” Algumas delas, como a chinesa Haier, diz ele, exploraram mercados de
nichos “apelando a um grupo de clientes negligenciados pelas empresas
estabelecidas”. Em seus primeiros tempos, a Haier visava os estudantes
universitários: criou para eles minigeladeiras para uso no dormitório da
escola.
Gupta
acrescenta que a Haier também se dedicou a um mercado de nicho na China:
pessoas que moravam em apartamento em Xangai. A empresa criou uma máquina de
lavar pequena projetada para lavar com frequência uma quantidade pequena de
roupa de acordo com o nível de renda, espaço disponível e estilo de vida desse
segmento da população, em vez de copiar o modelo americano. “A Haier analisou
as características dos clientes de Xangai e criou uma máquina adequada às suas
características específicas”, diz Gupta. Atualmente, a Haier é a maior marca de
eletrodomésticos do mundo. De acordo com a Economist, as receitas da empresa
quadruplicaram desde 2000. Hoje ela é considerada uma das empresas mais
inovadoras do mundo.
Gupta
divide as inovações das EMs em duas categorias: impulsionadas pelo mercado e
impulsionadas pela tecnologia. Para ele, boa parte das inovações das EMs tende
a se orientar pelo mercado. Ele coloca a inovação da Haier nessa categoria.
“Tem pouco a ver com tecnologia. Trata-se, na verdade, de dar uma resposta ao
mercado e de inovar de olho nele”, diz Gupta. Ele também coloca na mesma
categoria outra companhia chinesa: a fabricante de equipamentos médicos Mindray
Technologies. “No fundo, sua vantagem competitiva consiste em desenvolver e
comercializar aparelhos médicos de baixo custo.”
Ao
comentar o sucesso da Bharti Airtel, principal operadora de telecomunicações da
Índia, que adotou o que Gupta chama de “terceirização extrema” — a empresa
terceirizou toda a sua rede para a Nokia e a Ericsson e todos os seus processos
de negócios para a IBM — Gupta diz: “A Airtel descobriu uma maneira inovadora
de usar o know-how e os recursos dessas empresas e com isso reduziu sua
estrutura de custos sem sacrificar a qualidade do serviço.” No segmento de
inovação tecnológica, Gupta cita a Huawei Technologies, a principal empresa de
equipamentos de telecomunicações da China e uma das três maiores do
mundo. Ao descrever a empresa como “usina de tecnologia”, Gupta diz que o
número de patentes que a empresa já registrou em escritórios dos EUA e da
Europa mostra que a Huawei está desenvolvendo “tecnologias para a próxima
geração”.
Guillén
diz que algumas das EMs brasileiras também participam da inovação tecnológica.
São empresas que trabalham em projetos em sintonia com o meio ambiente: por
exemplo, elas querem descobrir como produzir energia ou plástico com etanol e
desenvolver cosméticos que usem ingredientes naturais. Há empresas na Índia,
diz ele, que estão combinando TI com o genoma humano especializando-se no
fornecimento de produtos para hospitais e médicos que precisam analisar a
genética de um paciente por vários motivos. Guillén acredita que essas empresas
“são praticamente as melhores do mundo” no desempenho desse serviço e a um
custo bastante competitivo.
A receita
do sucesso
A curto
prazo, quais as empresas inovadoras que terão êxito e quais as que fracassarão?
De acordo com Gupta, as EMs fazem bem em mudar seu enfoque da inovação orientada
pelo mercado para a inovação tecnológica. “Basta ver o que está acontecendo no
segmento da digitalização — sejam os smartphones, carros sem motoristas, etc.
Em termos de inovação impulsionada pela tecnologia, as multinacionais
emergentes (com duas ou três exceções, como é o caso da Huawei) estão muito
atrasadas.” Ele acrescenta que a inovação tecnológica é mais fácil de se
globalizar porque é mais “portátil” e não está atrelada às necessidades de um
mercado específico. Outro fator de sucesso, na opinião de Gupta, é que as EMs
devem ser empresas do setor privado, as quais têm um “incentivo muito maior
para inovação e êxito”, ao contrário das estatais.
Shibulal
também acha que as inovações impulsionadas pelo mercado nem sempre transcendem
facilmente as fronteiras entre o mundo desenvolvido e o mundo em
desenvolvimento. No mundo ocidental, inovar tem a ver com tornar as coisas
“maiores, mais inteligentes, mais rápidas”. Todavia, essas não são
necessariamente as qualidades que o resto do mundo está procurando. Para as
classes médias cada vez mais numerosas da Índia e da China, por exemplo, a
possibilidade de acesso a um bem e sua durabilidade são mais importantes, e os
produtos devem ser enxutos, e não volumosos.
Guillén
acrescenta: “Se você for à China, não verá eletrodomésticos da GE; verá os da
Haier por toda parte. Ou, se for à Índia, verá muitos carros da Tata e não verá
muitos da Chrysler.” Nos próximos dez ou 15 anos, a Índia e a China juntas
serão um mercado maior do que o americano e europeu combinados, portanto muitas
EMs sairão em vantagem. “Elas serão as maiores do mundo e se tornarão mais
conhecidas.”