terça-feira, 18 de agosto de 2015

Inovação, o combustível das multinacionais emergentes




A Infosys apostou que a tecnologia estaria por toda parte – e acertou 

Por Universia Knowledge Wharton

Inovação, o combustível das multinacionais emergentes

Milhões de americanos voam em aeronaves feitas pela Embraer. Talvez eles saibam o nome do fabricante, mas se tivessem de adivinhar de que país é a Embraer, muitos provavelmente não acertariam. A Embraer é a maior fabricante de jatos regionais do mundo e está entre as cinco mais importantes do planeta. “Em um segmento de tecnologia avançada como o dos jatos regionais, a maior empresa do mundo é brasileira. Quem poderia prever isso há alguns anos atrás?”, indaga Mauro Guillen,  professor de administração internacional da Wharton.

Cada vez mais, as empresas de países em desenvolvimento como Brasil, Índia, China e México estão se tornando líderes globais eclipsando marcas conhecidas do mundo desenvolvido. É o caso, por exemplo, da chinesa Alibaba, forte no setor de comércio eletrônico. Seu valor de mercado é maior do que o do Yahoo, Netflix, eBay, Yelp, LinkedIn, Twitter e Groupon juntas. O serviço de nuvem da Alibaba, o Aliyun, concorre ferozmente com a Amazon Web Services. A sul-coreana Samsung é a maior empresa de eletroeletrônicos do mundo superando em vendas a Sony, Panasonic e Philips. A Bimbo, do México, é a maior do segmento de panificação. Em 2010, ela comprou o negócio de panificação da norte-americana Sara Lee. Na lista atual das 2000 companhias globais da Forbes, embora os EUA ainda ocupem os postos mais importantes do ranking, as quatro colocações mais elevadas pertencem a bancos chineses.

O fenômeno das multinacionais emergentes (EMs, na sigla em inglês) — empresas bem-sucedidas do mundo em desenvolvimento — não deve desaparecer tão cedo, conforme dados de um relatório do Conselho da Agenda Global sobre Multinacionais Emergentes do Fórum Econômico Mundial. A tendência se fortalece graças ao crescimento dos mercados emergentes: de 2000 a 2010, os mercados em desenvolvimento e emergentes responderam por 60% do incremento do PIB mundial. No decorrer da próxima década, boa parte do crescimento da população mundial se dará nas economias emergentes, fazendo surgir novos consumidores e mercados de maior porte.


Modeladas pelas limitações
 

Como as EMs podem ser bem-sucedidas em escala global? A maior parte dos especialistas acredita que a inovação seja um fator decisivo. Contudo, qual a natureza dessa inovação? E qual a sua fonte? De acordo com Guillén, da Wharton, à medida que as EMs procuram se tornar semelhantes às empresas europeias ou americanas, elas são “forçadas a ser diferentes”. Diz Guillén: “Elas nasceram em ambientes em que não era fácil inovar. Não havia engenheiros; não havia recursos e nem os insumos necessários.” As regulações impostas pelo governo, a instabilidade política e a volatilidade econômica juntaram-se para acrescentar mais pedras de tropeço no caminho dessas empresas. Contudo, como consequência dessas limitações, diz Guillén, as EMs “colheram enormes dividendos” pois “quando se aprende a ser competitivo com poucos recursos, isso significa que você está inovando”. As empresas que aprendem essa habilidade terão um retorno positivo a longo prazo, acrescenta Guillén.

Uma EM que começou a vida com parcos recursos — US$ 250 em capital, para ser exato — foi a Infosys, empresa global de consultoria em tecnologia da Índia. Criada por sete engenheiros em 1981, a Infosys se tornou a primeira empresa indiana de tecnologia da informação (TI) a ser listada na NASDAQ em 1999. Hoje, sua capitalização de mercado é de cerca de US$ 40 bilhões. S. D. Shibulal (foto), um dos fundadores e ex-CEO da Infosys, atribui à inovação que mais caracteriza sua empresa — o modelo de execução mundial — a principal fonte do seu sucesso. “O modelo de execução global é uma metodologia pela qual pode-se desmembrar um projeto ou um programa, executá-lo em diferentes partes do mundo e entregá-lo ao cliente sem nenhuma aresta”, explica Shibulal. Ele contrasta esse modelo com a forma como o trabalho de TI costumava ser feito na época: “Digamos que você tivesse um projeto para ser executado em Nova York. Vinte pessoas de todo o mundo se deslocariam para Nova York, fariam o trabalho e retornariam para seus locais de origem. A ideia era levar o trabalhador ao local de trabalho. O modelo de execução global leva o trabalho ao trabalhador. Basicamente, ele mudou a indústria.”

De acordo com Shibulal, a adoção desse novo modelo foi um salto de fé. A empresa, ainda muito nova, apostou que a tecnologia estaria por toda parte, e que a indústria de tecnologia se tornaria global. “Agora, parece uma coisa simples de fazer, mas em 1981 […] não foi nada fácil. Estávamos à frente do nosso tempo.” Anil Gupta,  catedrático de estratégia, globalização e empreendedorismo na Escola de Negócios Robert H. Smith da Universidade de Maryland, observa que empresas indianas como a Infosys e a Tata Serviços de Consultoria “surgiram praticamente de lugar nenhum nos últimos 20 ou 30 anos” e mudaram a face da indústria de TI. Ele ressalta que das cinco principais empresas de serviços de TI do mundo atualmente, três delas são indianas e duas são americanas. “As empresas indianas se tornaram muito maiores do que as demais companhias de serviços de TI que havia, como a Electronic Data Systems. Elas a superaram e agora caminham lado a lado com a Accenture e a IBM Global Services.”


De minigeladeiras ao genoma humano
 

Ao discorrer sobre a estratégia usada por muitas EMs de se concentrar nas necessidades simples dos mercados americanos, Guillén diz: “Elas melhoraram os produtos existentes; tornaram-nos mais fáceis de usar e baratearam sua produção.” Algumas delas, como a chinesa Haier, diz ele, exploraram mercados de nichos “apelando a um grupo de clientes negligenciados pelas empresas estabelecidas”. Em seus primeiros tempos, a Haier visava os estudantes universitários: criou para eles minigeladeiras para uso no dormitório da escola.

Gupta acrescenta que a Haier também se dedicou a um mercado de nicho na China: pessoas que moravam em apartamento em Xangai. A empresa criou uma máquina de lavar pequena projetada para lavar com frequência uma quantidade pequena de roupa de acordo com o nível de renda, espaço disponível e estilo de vida desse segmento da população, em vez de copiar o modelo americano. “A Haier analisou as características dos clientes de Xangai e criou uma máquina adequada às suas características específicas”, diz Gupta. Atualmente, a Haier é a maior marca de eletrodomésticos do mundo. De acordo com a Economist, as receitas da empresa quadruplicaram desde 2000. Hoje ela é considerada uma das empresas mais inovadoras do mundo.

Gupta divide as inovações das EMs em duas categorias: impulsionadas pelo mercado e impulsionadas pela tecnologia. Para ele, boa parte das inovações das EMs tende a se orientar pelo mercado. Ele coloca a inovação da Haier nessa categoria. “Tem pouco a ver com tecnologia. Trata-se, na verdade, de dar uma resposta ao mercado e de inovar de olho nele”, diz Gupta. Ele também coloca na mesma categoria outra companhia chinesa: a fabricante de equipamentos médicos Mindray Technologies. “No fundo, sua vantagem competitiva consiste em desenvolver e comercializar aparelhos médicos de baixo custo.”

Ao comentar o sucesso da Bharti Airtel, principal operadora de telecomunicações da Índia, que adotou o que Gupta chama de “terceirização extrema” — a empresa terceirizou toda a sua rede para a Nokia e a Ericsson e todos os seus processos de negócios para a IBM — Gupta diz: “A Airtel descobriu uma maneira inovadora de usar o know-how e os recursos dessas empresas e com isso reduziu sua estrutura de custos sem sacrificar a qualidade do serviço.” No segmento de inovação tecnológica, Gupta cita a Huawei Technologies, a principal empresa de equipamentos de telecomunicações  da China e uma das três maiores do mundo. Ao descrever a empresa como “usina de tecnologia”, Gupta diz que o número de patentes que a empresa já registrou em escritórios dos EUA e da Europa mostra que a Huawei está desenvolvendo “tecnologias para a próxima geração”.

Guillén diz que algumas das EMs brasileiras também participam da inovação tecnológica. São empresas que trabalham em projetos em sintonia com o meio ambiente: por exemplo, elas querem descobrir como produzir energia ou plástico com etanol e desenvolver cosméticos que usem ingredientes naturais. Há empresas na Índia, diz ele, que estão combinando TI com o genoma humano especializando-se no fornecimento de produtos para hospitais e médicos que precisam analisar a genética de um paciente por vários motivos. Guillén acredita que essas empresas “são praticamente as melhores do mundo” no desempenho desse serviço e a um custo bastante competitivo.


A receita do sucesso
 

A curto prazo, quais as empresas inovadoras que terão êxito e quais as que fracassarão? De acordo com Gupta, as EMs fazem bem em mudar seu enfoque da inovação orientada pelo mercado para a inovação tecnológica. “Basta ver o que está acontecendo no segmento da digitalização — sejam os smartphones, carros sem motoristas, etc. Em termos de inovação impulsionada pela tecnologia, as multinacionais emergentes (com duas ou três exceções, como é o caso da Huawei) estão muito atrasadas.” Ele acrescenta que a inovação tecnológica é mais fácil de se globalizar porque é mais “portátil” e não está atrelada às necessidades de um mercado específico. Outro fator de sucesso, na opinião de Gupta, é que as EMs devem ser empresas do setor privado, as quais têm um “incentivo muito maior para inovação e êxito”, ao contrário das estatais.

Shibulal também acha que as inovações impulsionadas pelo mercado nem sempre transcendem facilmente as fronteiras entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento. No mundo ocidental, inovar tem a ver com tornar as coisas “maiores, mais inteligentes, mais rápidas”. Todavia, essas não são necessariamente as qualidades que o resto do mundo está procurando. Para as classes médias cada vez mais numerosas da Índia e da China, por exemplo, a possibilidade de acesso a um bem e sua durabilidade são mais importantes, e os produtos devem ser enxutos, e não volumosos.

Guillén acrescenta: “Se você for à China, não verá eletrodomésticos da GE; verá os da Haier por toda parte. Ou, se for à Índia, verá muitos carros da Tata e não verá muitos da Chrysler.” Nos próximos dez ou 15 anos, a Índia e a China juntas serão um mercado maior do que o americano e europeu combinados, portanto muitas EMs sairão em vantagem. “Elas serão as maiores do mundo e se tornarão mais conhecidas.”


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