A lei deve oferecer condições para o negócio voltar
a ter saúde
Por Fabricio Scalzilli*
Com um
volume significativo de empresas ingressando com pedidos de recuperação
judicial será que não teremos uma bolha? Já que o termo está na moda, com a
bolha no mercado imobiliário, a bolha da internet e a bolha do Bitcoin, podemos
pensar que num futuro de 10 anos poderemos a vir a ter uma bolha no mercado
empresarial brasileiro? Quando dezenas ou centenas de empresas que ingressaram
nos últimos anos com o pedido de recuperação judicial não tiverem fôlego para
cumprir os seus planos e pagar os credores teremos, na realidade, um grande
cemitério de corporações vegetando por aí, sem sentido de existir, e que
resistem por muitos fatores, como o próprio orgulho de seus donos, à liquidação
forçada, leia-se falência. Para piorar, uma massa de créditos podres ficam
circulando no mercado, fomentando a especulação e gerando mais prejuízo aos
desavisados.
Essa
previsão está alicerçada no fato de que a maioria das empresas que buscam o
benefício da recuperação judicial não possui um plano minimamente estruturado
sob a lógica econômico-financeira para suportar seu endividamento. Os pedidos
de recuperação judicial são feitos às pressas quando a companhia se vê já sem
crédito, com baixo capital de giro e prestes a sofrer pedidos de falências e
execuções forçadas. O instrumento que deveria ser utilizado para se criar um
real ambiente de diálogo e recuperação da empresa se desvirtuou, para ser
utilizado como medida de emergência e blindagem de caixa e patrimônio. Muitos
credores – grandes empresas e instituições financeiras – já se deram conta
disso e estão mudando a postura nas assembleias de credores. Aprovar planos de
15 a 20 anos, com grandes carências e descontos não está mais sendo fácil. A
farra acabou. O mercado se deu conta que o ambiente no Brasil – não só pela
crise, mas também pela própria cultura – não possibilita novas linhas de
crédito a empresas em recuperação judicial, que passam a sofrer ainda mais para
sobreviver. Credores já se deram conta que não vão receber seus créditos e que
a recuperação judicial, nesse caso, é um emaranhado burocrático que – sem a
melhora do ambiente de mercado – não levará a empresa a lugar nenhum. Sempre há
as exceções.
Empresas
com bons produtos e serviços, canais de distribuição estruturados, estrutura
física razoável, capital humano e intelectual podem, mesmo em recuperação
judicial, chamar a atenção de fundos de investimento e investidores sinérgicos.
Mas isso é a exceção, não a regra. Num país que não sabe quando e onde acabará
essa crise, companhias que ingressaram há poucos anos com suas recuperações
judiciais estão finalizando seus períodos de carência e necessitam iniciar o
pagamento de suas dívidas, o que não vem ocorrendo. Como resultado, aditivos ao
plano e novas adaptações, com proposição de dilatação de prazos, mais
carências, etc estão sendo feitos. Todos tem a esperança de que a empresa vai
melhorar. Todos fingem que acreditam nisso! Enganam-se a empresa, o juízo e os
credores! Ninguém quer a falência, a morte estruturada, que muitas vezes vende
ativos e paga realmente os credores, para roda girar. Preferimos as
empresas-zumbis que por anos, vão gerar mais despesas que receitas até
efetivamente adormecerem no passado depois de 20, 30 anos. Esperança aqui gera
um desvirtuamento e uma negação da realidade!
Defendo o
processo de recuperação judicial, uma lei moderna que possui muitos benefícios,
mas desde que haja estrutura e fundamentos reais para a empresa voltar a ter
saúde. Esse instrumento legal virou um produto vendido como solução para todos
os males. Se ajuda a blindar o passado, o que dizer do futuro? Uma companhia
que já apresenta sinais de dificuldades e perda de competitividade há mais de
cinco anos, com problemas estruturais sérios, não tem na recuperação judicial a
solução de seus problemas sem um choque de gestão interna e reposicionamento
efetivo no mercado. Não haverá crédito para ela! A desconfiança só
aumenta e para piorar o parco faturamento futuro já foi negociado com o mercado
financeiro em geral.
A
assertiva de que a recuperação judicial protege e gera caixa é no mínimo
duvidosa para não dizer falsa na maioria das vezes. A suspensão das ações
judiciais por 180 dias dá um folego, mas não traz solução. Créditos
extraconcursais e dívidas fiscais continuam correndo normalmente. E sobre esse
item – dívidas fiscais – existe outra realidade cinzenta! Como elas não estão
abarcadas na recuperação judicial, as empresas em dificuldade simplesmente as
deixam de lado. Afinal não há dinheiro nem para folha de pagamento e matéria-prima,
quanto mais para o fisco. Há companhias que alegam estar em melhor situação
momentânea com a concessão da recuperação judicial, por desconsiderar por
completo as dívidas fiscais que não param de se avolumar sem solução. Elas
praticamente não existem, até que venha um novo plano de parcelamento que será
cumprido parcialmente numa roda sem fim.
Somente
com uma análise crítica e adaptações da lei de recuperação judicial à realidade
de mercado, com fomento ao crédito às empresas sérias, mas em dificuldade, sem
perda das premissas e garantias que o mercado naturalmente exige; somente com
instrumentos punitivos a simulações e fraudes e somente através da elaboração
de planos com fundamentos econômicos e financeiros é que teremos a real
participação dos credores neste processo e evitaremos no futuro um cemitério de
empresas.
*Presidente
da Comissão de Falências e Recuperação Judicial da OAB/RS.
http://www.amanha.com.br/posts/view/976
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