Cortinas cerradas
Até
mesmo um texto de ficção gera danos morais quando ofende direitos da
personalidade de alguém, ainda que tenha sido pouco divulgado. Com esta
tese, desembargadores da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo indicam que condenarão o autor de uma peça de
teatro baseada na morte de Isabella Nardoni a indenizar a mãe da menina
em R$ 20 mil por danos morais.
Um pedido de vista suspendeu o
julgamento iniciado nesta quinta-feira (27/8). Na prática, como dois
membros do colegiado já seguiram o mesmo entendimento, deve valer
decisão de primeira instância que viu problemas na peça Edifício London.
O espetáculo, da companhia Os Satyros, foi proibido de ser apresentado por uma liminar de 2013. No ano passado, a sentença atendeu pedido da mãe de Isabella.
Ana Carolina Cunha de Oliveira alegou que era retratada como uma mulher
vulgar e considerou como “verdadeira aberração” cena em que uma boneca
decapitada era lançada através de uma janela.
O grupo teatral não foi responsabilizado. Só foram condenados o autor do texto e a editora Coruja, que publicou a obra em livro.
Em
sustentação oral, a defesa do autor afirmou que, apesar do título, a
peça tratava de várias tragédias familiares, com referências inclusive a
Medeia (personagem da mitologia grega) e Macbeth (Shakespeare), e
retratava a mãe da menina como “carinhosa” e “afetiva”, sem qualquer
intenção de denegrir a imagem de Ana Carolina.
O advogado Caio Victor Fornari disse que o caso Nardoni foi amplamente divulgado por meios de comunicação e que Edifício London
teve pouca repercussão nesse cenário, já que o espetáculo foi retirado
de cartaz e o livro teve menos de 500 exemplares. Baseou-se ainda na
liberdade de expressão e apontou recente decisão do Supremo Tribunal
Federal que reconheceu a publicação de biografias não autorizadas.
Passado remexido
Já o desembargador Fortes Barbosa, relator do caso, entendeu que o
direito de livre expressão artística se chocou com direitos da mãe de
Isabella, retratada em algumas cenas em “condutas inadequadas”. Em uma
delas, por exemplo, ela aparece bêbada, em uma boate, ao mesmo tempo em
que sua filha está sendo espancada por um casal.
Para Barbosa, o
fato de o livro ter sido publicado e a peça ter contado com “alguma
divulgação” já são suficientes para gerar o dano, pois a situação
“reavivou acontecimentos trágicos em uma situação que macula a
integridade moral da apelada e de sua filha”. Ele também considerou
adequado o valor da indenização.
O revisor, desembargador Paulo
Alcides, disse que a peça “remexe o passado de maneira desvirtuada”,
como uma “lembrança de mau gosto”, e representa o que ocorreu de forma
“muito mais violenta do que a própria realidade” ao retratar a menina
como uma boneca decapitada e jogada pela janela. Ele entendeu que a obra
não pode ser comparada com notícias de jornais nem com biografias.
Pediu
vista o desembargador Eduardo Sá Pinto Sandeville. O advogado Caio
Fornari já planeja recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.
ConJur censurada
A controvérsia sobre o espetáculo também rendeu censura à revista Consultor Jurídico,
no ano passado.
Como o processo corre em segredo de Justiça, a juíza
Fernanda de Carvalho Queiroz, da 4ª Vara Cível de São Paulo, determinou que o site retirasse do ar uma notícia sobre o caso, fixando multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
Mas a publicação foi liberada no Supremo Tribunal Federal,
pelo ministro Celso de Mello. Ele avaliou que o sigilo imposto a
processos não atinge a imprensa e declarou preocupação com “o fato de
que o exercício, por alguns juízes e tribunais, do poder geral de
cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura
estatal”.
Processo 0007919-86.2013.8.26.0001
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