O
executivo americano Mitch Barns está numa posição privilegiada. CEO
global da Nielsen, empresa americana de gestão de informação, que
faturou US$ 1,56 bilhão no primeiro semestre, ele tem à disposição dados
preciosos sobre o comportamento dos consumidores de mais de 100 países,
que lhe permitem antecipar tendências e novos hábitos. O valioso
material é capaz de ajudar a entender os avanços e regressos da economia
de um país, principalmente em períodos de ajuste como o vivido pelo
Brasil. Barns, porém, prefere falar do mercado brasileiro no longo
prazo. “No curto prazo, haverá um jogo de eficiência no Brasil, com
todas as operações buscando calibrar seus negócios para reajustar o
futuro”, diz ele, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Barns está na
Nielsen desde 1997 e já viveu e trabalhou em três continentes. De 2008 a
2011, por exemplo, ele esteve na China, onde foi obrigado a fazer a
transição para uma região autônoma, em meio à crise financeira global.
“A China é um país de muitos talentos, ideias, inovação e rica
história”, afirma.
DINHEIRO – Qual é a sua avaliação sobre a economia do Brasil?
MITCH BARNS – Claramente,
está em desaceleração. Mas nós pensamos que o Brasil é um mercado de
longo prazo e que, por isso, ainda é um dos mais importantes, em termos
de crescimento. Vemos a situação atual mais como um ajuste, mas continua
sendo um mercado no qual queremos investir e que, em nível global,
contamos como um importante local para o nosso crescimento.
DINHEIRO – Os investidores enxergam o Brasil da mesma maneira?
BARNS – Empresas
inteligentes veem o Brasil como um dos mercados-chave do mundo, no
longo prazo. Agora mesmo, com a desvalorização do real, há mudança no
ritmo do crescimento, no ritmo do investimento, no ajuste de tamanho. No
curto prazo, haverá um jogo de eficiência no Brasil, com todas as
operações buscando calibrar seus negócios para reajustar o futuro.
DINHEIRO – O sr. acredita na volta do crescimento, já no próximo ano?
BARNS – Não
sou economista, não é minha especialidade. Mas o que estamos vendo em
um mercado como o brasileiro é o que todos enxergam: não está bom no
curto prazo, mas, mesmo assim, há muitas oportunidades, por ser uma
economia diversificada. Nós ainda encontramos bolsões de crescimento,
mesmo com o mercado em baixa. Ainda há locais precisando se desenvolver e
criando oportunidades específicas, em nível nacional. Então, é
promissor pensar em um mercado como o Brasil, que é grande, diverso e
ainda está em desenvolvimento, mesmo que o País esteja passando por um
período de baixa.
DINHEIRO – Quais são as oportunidades nesses mercados em desenvolvimento?
BARNS – Quando
o crescimento diminui, várias empresas que tiveram movimentos rápidos
de expansão, por um longo tempo, precisam olhar para os seus negócios em
busca de mais eficiência. Muitas vezes, elas precisam da colaboração de
uma empresa como a Nielsen para encontrar a eficiência ou melhorar a
produtividade. Por exemplo, podemos ajudá-los a otimizar e aumentar a
eficiência, como investir sem prejudicar o orçamento ou fazer planos de
reinvestimentos de mercado ou na marca. Ou seja, é preciso mudar o foco
em diferentes questões dos negócios.
DINHEIRO – A palavra
eficiência está em discussão tanto no Brasil, como em outras partes do
mundo. Quais ações são necessárias para se chegar a ela?
BARNS – Vivi
na China durante muitos anos e eles cresceram a taxas muito elevadas,
ano após ano. Quando a crise financeira global aconteceu, o crescimento
foi reduzido e todos precisaram olhar para baixo e começar a buscar
eficiência. O que eles descobriram é que o rápido crescimento encobre um
monte de ineficiência dentro das empresas. Quando há a desaceleração é
preciso quebrar as áreas da empresa em partes, dividi-las em
componentes, para saber quais estão trabalhando bem e quais não estão. A
partir daí é possível identificar os custos dessas áreas e, então,
realocá-los para enfrentar um período mais lento de crescimento. Mas é
isso que faz uma empresa se fortalecer e melhorar sua posição quando uma
nova onda de crescimento reaparecer.
DINHEIRO – A China vai salvar o mundo?
BARNS – A
China tem sido ótima para a economia mundial, de diversas maneiras. Uma
delas é como fábrica de bens gerais, além de praticar custos mais
baixos para os consumidores de todo o mundo. Isso promoveu enormes
benefícios em nível mundial. Mas a China também é um país de muitos
talentos, ideias, inovação e rica história. Começamos a ver a inovação
com essa empresa fantástica chamada Alibaba, que é a maior competidora
do mundo do e-commerce. É maior que a Amazon e o e-Bay combinados,
talvez até que o PayPal. O Alibaba é mais do que todos eles, pois é uma
plataforma de mercado, de dados e encontrou maneiras incríveis para
conectar consumidores com os comerciantes e para aproximar as
oportunidades dos consumidores.
DINHEIRO – O que outras companhias têm a aprender com o Alibaba?
BARNS – Muitas
coisas podem ser aprendidas com o Alibaba. Claro, há muitas coisas
bem-feitas, outras nem tanto. Mas é uma empresa que entendeu o seu
negócio e está em constante transformação, criando novas áreas. Eles
sabem se movimentar com rapidez para surfar a onda no tempo certo e
fazer o negócio ser bem-sucedido. Creio que a produtividade foi a maior
inovação para a empresa. Por exemplo, eles estão construindo uma nova
plataforma para competir com o Netflix nas assinaturas de vídeos sob
demanda. Eles têm recursos, uma plataforma incrível e uma marca de
grande reputação na China, que está crescendo em termos globais.
DINHEIRO – Quando se fala em consumo, países como Brasil e China continuam com um conto diferente dos mercados desenvolvidos?
BARNS – Esse
tema continua sendo bastante diferente em algumas partes do mundo. Por
exemplo, em mercados desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa
Ocidental, o consumo está estagnado há mais de uma década. As principais
empresas precisam entender o comportamento do consumidor local para
saber por que não há crescimento, por um período prolongado. Esse é um
modelo de negócio e uma experiência muito diferente do que é
estabelecido pelo consumidor dos mercados emergentes, onde as taxas de
crescimento aumentaram nos últimos 10, 15 anos. O padrão deixou de ser
um e ganhou uma nova dimensão. O que quero dizer é que 130 milhões de
pessoas entram para a classe média todos os anos. É um dado para se
pensar com cuidado: a classe média cresce anualmente 130 milhões de
pessoas, sendo que a maioria está nos mercados emergentes, como Brasil,
China, sul da Ásia e Índia.
DINHEIRO – Como é o perfil de consumo desses países?
BARNS – Nesses
mercados emergentes, quando os consumidores chegam à classe média elas
entendem que estão crescendo e buscam novas conveniências para suas
vidas, novas abordagens e mudanças de comportamento. Elas procuram, por
exemplo, produtos premium. No Brasil, agora, há um pequeno retorno, com a
procura de marcas um nível abaixo do premium. Os consumidores que
atingiram um novo nível de consumo não querem perder seus benefícios,
dar um passo atrás ou voltar 15 anos no tempo. Eles querem manter-se
aonde chegaram e buscam encontrar uma maneira de otimizar o seu
comportamento de compras e a sua cesta de produtos, para oferecer o
mesmo padrão à sua família, seja com grandes quantidades e acesso a
produtos de qualidade.
DINHEIRO – Esse crescimento da classe média global é sustentável?
BARNS – Vai
continuar a ser nos próximos 10 anos. Alguns pensadores apresentam um
crescimento da população mundial de um bilhão de pessoas, ao longo dos
próximos 10 anos. Seremos mais de oito bilhões de pessoas, continuando a
crescer a nove e, provavelmente, nos aproximaremos de 10 bilhões, até o
final deste século. Então, ainda há um maciço crescimento da população
mundial. A população global está crescendo com a classe média, e esses
consumidores estão com mais poder de compra. Por isso, é preciso
entender esse lado como sendo o mercado-chave em todo o mundo. Ao longo
do tempo, a população global de classe média vai crescer em ritmo
acelerado e, em muitos mercados, as cidades vão se tornar mais
importantes porque a agricultura ficou mais eficiente para a economia
mundial, com muito mais escala comercial. Vamos ver na China, nas
próximas décadas, e em outros mercados emergentes, o crescimento da
classe média ao lado da urbanização, tudo ao mesmo tempo, com um poder
incrível de mexer com a economia. A exceção é a Índia, onde há
crescimento da população, da classe média, mas não há urbanização
adequada, por falta de infra-estrutura. Por isso, os indianos terão a
terceira maior economia global, mas a menor influência das cidades.
DINHEIRO – O desafio desse crescimento é a alimentação?
BARNS – Pode
ser, mas as pessoas correm para solucionar o problema do alimento ao
mesmo tempo em que há crescimento da população. Cada vez que projetam o
futuro, elas fazem previsões sobre a falta de comida. Mas esquecem que a
inovação está acontecendo, ao lado da ciência, com novas invenções e
culturas para aumentar a produtividade das práticas agrícolas. Essa é a
principal razão para mais de um bilhão de pessoas terem deixado a linha
de pobreza, nas últimas décadas. Os avanços na produção de alimentos, no
desenvolvimento de sementes, com inovação científica, nós vimos nas
últimas décadas e veremos muito mais .
DINHEIRO – Comida não é uma preocupação?
BARNS – É
uma preocupação, mas há condições para a inovação rápida, com novas
descobertas científicas e mais avanços para a produtividade. A partir do
momento em que há esse tipo de condição, não há com o que se preocupar.
Por outro lado, há questões importantes, como o excesso de
regulamentação em alguns países, a falta de livre mercado entre outros.
Eu confio em uma constante inovação no mercado, como a história nos
mostra que é possível acontecer.
DINHEIRO – Os Brics estão acabados?
BARNS – A
Índia ainda é vista com tendo tremendo potencial de crescimento a longo
prazo. A população indiana vai crescer entre três e quatro milhões de
pessoas anualmente, nos próximos 35 anos. É um salto demográfico
incrível para a economia, no longo prazo. Há várias oportunidades no
país, como melhoria de infraestrutura, simplificação da burocracia entre
outros avanços que vão ser de enorme importância para o mercado. A
China é a China e continuará a ser importante para a economia global. O
Brasil, como mencionei, continua a ser um mercado incrível para as
empresas.
DINHEIRO – Algumas das mais importantes empresas
de commodities do mundo, como Petrobras e Vale, estão no Brasil. Por
que o País não consegue desenvolver companhias inovadoras como as
americanas Apple e Facebook?
BARNS – Não estou
suficientemente familiarizado com a economia brasileira, mas o que posso
dizer de mercados como o brasileiro é que as empresas, para
florescerem, precisam de um ambiente favorável, como redução da
burocracia para dar início a um novo negócio. Um segundo ponto é a
capacidade de falhar, dar a volta por cima e seguir em frente. Muitas
pessoas falham e não conseguem mais se desenvolver, por falta de
encorajamento. Nesse sentido, um bom sistema de ensino é crucial. O
Brasil fez enormes avanços nos últimos anos, e teve oportunidade de
fazer grandes progressos, mas é preciso investir muito em educação para
ter empresas mais inovadoras e inventivas. Infelizmente, a educação é
algo a ser trabalhado para o benefício de longo prazo e não no próximo
trimestre. A Coréia do Sul assumiu esse compromisso 60 anos atrás e está
se beneficiando tremendamente hoje em dia. Uma das razões de os Estados
Unidos terem uma cultura empresarial inovadora é o seu sistema
universitário fantástico.