quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Juiz condena Odebrecht por trabalho escravo e tráfico de pessoas em Angola

 

Justiça ordenou que a empresa indenize em R$ 50 milhões os trabalhadores afetados - cerca de 500, segundo a acusação

BBC

A Justiça do Trabalho brasileira condenou a construtora Odebrecht e duas de suas subsidiárias por promover tráfico de pessoas e manter trabalhadores em condições análogas à escravidão na construção de uma usina de açúcar e etanol em Angola.

Na decisão, o juiz Carlos Alberto Frigieri, da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), afirma que operários brasileiros que ergueram a usina Biocom, na Província de Malanje, foram submetidos a um regime de trabalho "prestado sem as garantias mínimas de saúde e higiene, respeito e alimentação, evidenciando-se o trabalho degradante, inserido no conceito de trabalho na condição análoga à de escravo". Frigieri ordenou que a empresa indenize em R$ 50 milhões os trabalhadores afetados - cerca de 500, segundo a acusação.
Ação teve início após relatos de maus-tratos de operários na usina entre os anos de 2011 e 2012
BBC
Ação teve início após relatos de maus-tratos de operários na usina entre os anos de 2011 e 2012

São rés na ação a Construtora Norberto Odebrecht (CNO), a Odebrecht Serviços de Exportação (antiga Olex) e a Odebrecht Agroindustrial (antes chamada ETH Bionergia). O grupo nega irregularidades na obra e diz que vai recorrer.

A empresa afirma que nunca "existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador nas obras de Biocom", que as condições de trabalho foram "adequadas às normas trabalhistas e de saúde e segurança vigentes em Angola e no Brasil" e que não tinha responsabilidade sobre a obra por ser dona de participação minoritária na usina.

A ação teve início após a BBC Brasil publicar, em 2013, uma reportagem em que operários relatavam ter sofrido maus-tratos na usina entre 2011 e 2012. Com base na reportagem, o procurador Rafael de Araújo Gomes, do Ministério Público do Trabalho (MPT), abriu um inquérito que deu origem a uma ação civil pública contra a companhia.

Boa parte dos processos tramitou na Justiça trabalhista do interior de São Paulo, onde as empresas recrutaram muitos dos operários enviados a Angola.

Maior construtora da América Latina, a brasileira Odebrecht é uma das maiores empresas também em Angola, onde atua desde 1984 em vários setores.

A derrota ocorre em um mau momento para o grupo: seu presidente-executivo, Marcelo Odebrecht, e três executivos estão presos desde junho, acusados de envolvimento no escândalo de corrupção investigado pela operação Lava Jato. Eles negam envolvimento em corrupção.


'Verdadeiro calvário'


Na decisão, redigida em 28 de agosto, o juiz Carlos Alberto Frigieri diz que as empresas denunciadas deixaram de proporcionar aos operários "meio ambiente de trabalho adequado, condições mínimas de higiene nos banheiros e refeitórios, tornando o trabalho mais penoso e mais sofrida a estadia, um verdadeiro calvário, com a agravante de que muitos trabalhadores adoeceram no local".

O juiz diz que as condições de higiene nos banheiros usados pelos funcionários - registradas em fotos e vídeos apresentados pela acusação - obrigaram "alguns trabalhadores, que não queriam correr o risco de contaminação por bactérias, a utilizarem o matagal próximo ao alojamento".

Segundo o magistrado, além de violar normas trabalhistas, a postura das companhias causou aos operários "humilhação e sofrimento íntimo, especialmente porque tais obreiros se encontravam longe de suas casas".

O juiz diz que as condições degradantes de trabalho enquadram as empresas no crime de "redução à condição análoga à de escravos".

Segundo o Código Penal, o crime pode ser cometido de três maneiras: submetendo alguém "a trabalhados forçados ou a jornada excessiva"; "sujeitando-o a condições degradantes de trabalho"; ou "restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".

Em nota à BBC Brasil, a Odebrecht disse que as condições no canteiro de obra "foram adequadas e aderentes às normas trabalhistas e de saúde e segurança vigentes em Angola e no Brasil, incluindo quanto às condições de alojamento, transporte, sanitárias, de alimentação (...) e saúde, incluindo presença de serviço médico local e ambulatório".


Tráfico de pessoas


Em sua decisão, o juiz afirmou ainda que a Odebrecht promoveu "aliciamento de trabalhadores e tráfico de pessoas" ao transportar os operários a Angola com vistos ordinários, que não dão o direito de trabalhar, em vez de vistos de trabalho.

Segundo o juiz, o objetivo da empresa era contar com "mão de obra especializada cativa, completamente dominada, com pouca ou nenhuma capacidade de resistência, eis que mantidos de forma ilegal em país estrangeiro".

Já a Odebrecht afirma que nunca "existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador nas obras de Biocom" e que a "expatriação de trabalhadores sempre foi realizada observando a legislação brasileira e angolana".

"Os trabalhadores tinham ampla liberdade de locomoção dentro de Angola e para retornar ao país a qualquer momento, incluindo em datas festivas nas quais diversos trabalhadores voltaram ao Brasil e depois retornaram para Angola, bem como os trabalhadores tinham acesso gratuito à internet", diz a empresa, em nota.

A Odebrecht afirma ainda que não tinha responsabilidade sobre a obra e que é dona de uma participação minoritária na Biocom.

No processo, a companhia afirmou que, por ser uma empresa angolana, a Biocom não poderia ser julgada no Brasil.

Segundo a Odebrecht, as obras na usina foram realizadas por empresas subcontratadas pela Biocom, entre as quais a Planusi e a Pirâmide, ambas com sede no interior paulista.

O juiz afirmou, porém, que provas apresentadas pela acusação - entre as quais contratos assinados entre as empresas envolvidas - revelam que a Odebrecht era a verdadeira dona da obra.

"É possível afirmar, inclusive, que a Biocom/Odebrecht de Angola também é uma empresa do poderoso Grupo Odebrecht, justificando a responsabilidade solidária por eventuais condenações", diz o juiz.

Além dos R$ 50 milhões de indenização (um décimo do valor pedido pelo MPT na acusação), Frigieri condenou a empresa a pagar uma série de multas caso não mude suas práticas.

O juiz negou, porém, o pedido do Ministério Público do Trabalho para que a construtora deixasse de receber empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). O banco financia boa parte das operações da empresa no exterior.
 
 

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