São Paulo — Com uma coluna no
The New York Times e um blog no site do mesmo jornal, o americano
Paul Krugman,
ganhador do Nobel de Economia de 2008, é uma das principais vozes do
debate econômico mundial. Duas características pessoais fazem dele uma
referência. Primeiro, o cuidado com que sempre tratou suas pesquisas ao
longo de sua sólida carreira acadêmica.
Depois de dar aulas nas universidades Stanford, Yale, Massachusetts
Institute of Technology (MIT) e Princeton, Krugman está agora na City
University of New York. Em segundo lugar, sua propensão fora do comum
para polemizar com quem se opõe às suas ideias. Krugman virá ao Brasil
em novembro para participar de um evento da empresa HSM. Antes de
participar de uma conferência na Austrália, concedeu a seguinte
entrevista a EXAME.
O Brasil colhe os resultados de uma política fiscal desastrosa
em meio a uma investigação sobre corrupção e uma crise política de
grandes proporções. Isso tudo em um momento de queda no preço das
commodities, o que afeta as exportações, e de expectativa de alta dos
juros nos Estados Unidos, o que provocará a saída de investimentos. O
Brasil vive uma tempestade perfeita?
Não tenho dúvida de que a situação é difícil. No entanto, acho que
descrevê-la como uma tempestade perfeita é muito forte. O Brasil não
está vulnerável da mesma forma que já esteve no passado. A situação
brasileira também não se compara à dos países europeus há poucos anos.
Claro que não ajuda em nada ter uma crise política no meio de tudo isso.
Também é ruim que os Estados Unidos estejam falando em aumentar os juros
exatamente quando o preço das commodities está em colapso, uma queda de
uma magnitude que, por sinal, quase ninguém conseguiu prever. Seria uma
tolice negar a gravidade da situação. Mas o endividamento do país não é
crítico, e o setor privado não parece tão exposto à desvalorização do
real. A
crise brasileira é gerenciável.
O Brasil e vários outros países emergentes cresceram a reboque
da fome chinesa por commodities nos últimos anos. Com a queda do preço
das matérias-primas, o que fará esses países crescer?
O Brasil teve vida fácil no período do boom de commodities e isso
acabou. Como pode fazer uma transição? O país tem uma economia
diversificada. Exportar commodities não é a única coisa que consegue
fazer. O Brasil precisa ganhar competitividade na venda de produtos
manufaturados. Uma maneira de fazer isso é com a desvalorização do
câmbio, o que já está acontecendo.
Nesse sentido, o país tem bastante flexibilidade. O Brasil não é a
Grécia. Mas a saída da crise seria bem mais fácil se o Brasil fosse uma
economia mais aberta. Embora sempre haja muita reclamação a respeito das
dificuldades de importar e exportar, o comércio internacional é uma boa
coisa. E o Brasil paga um preço por ser tão fechado.
A Austrália, do mesmo modo que o Brasil, é um grande exportador
de matéria-prima. Os australianos prepararam-se para a queda do preço
das commodities?
Há muitos anos a Austrália é vista como um modelo para o Brasil e para
outros países da América Latina. Trata-se de uma economia muito estável.
Isso se deve basicamente a dois fatores: uma política econômica
bastante sensata e uma longa história de credibilidade na política.
Nesse sentido, a Austrália mostra como se pode depender das exportações
de matérias-primas e, ao mesmo tempo, resistir às flutuações de preços
sem grandes sobressaltos. O país não vai conseguir passar sem arranhões
pela queda no preço das commodities.
No entanto, continuará tendo uma economia robusta. Muitos esperavam que o
Brasil se pareceria cada vez mais com a Austrália. De certa forma, isso
aconteceu um pouco. Mas não o suficiente.
O senhor acredita que o Fed, banco central americano, vai
anunciar o aumento dos juros na reunião que ocorrerá em meados de
setembro?
Provavelmente não. Muitos membros do Fed falam como se estivessem
procurando motivos para aumentar os juros. Mas acho que mesmo essas
pessoas vão esperar um pouco mais. Talvez não tanto quanto críticos como
eu gostariam. Eu esperaria a
inflação realmente aumentar. Com certeza, não mexeria nos juros neste ano.
Qual é a possibilidade de que tenhamos uma nova crise global?
Embora estejamos vendo vários países e regiões em dificuldades, o risco
de uma nova crise global é relativamente baixo. Em termos de gravidade, a
situação atual não é comparável ao que tivemos em 2008, quando veio
tudo abaixo. Também não parece ser tão ruim quanto o que vivemos em 2011
e 2012, quando parecia que a crise europeia sairia de controle.
A gente tende a esquecer quanto o passado tem sido difícil. Na Europa,
as coisas só melhoraram depois que Mario Draghi, presidente do Banco
Central Europeu, declarou que faria o que fosse necessário para evitar o
pior. O que estamos vivendo hoje também não é comparável à crise
asiática de 1997. Temos problemas nos países emergentes, mas
provavelmente não uma crise global.
O que o faz pensar que não estamos prestes a ter uma nova crise global?
A crise que começou na Ásia no fim dos anos 90 teve dois componentes
principais: baixo crescimento e alto endividamento das empresas locais
em
moeda
estrangeira. Ainda que seja verdade que muitas empresas chinesas tenham
dívidas em dólares, não podemos esquecer que a China tem enormes
reservas internacionais.
Por isso, não parece que estejamos prestes a ter uma crise generalizada
no balanço das companhias. Em resumo, a China não parece tão vulnerável
quanto estavam os países que deflagraram a crise asiática no final da
década de 90.
A China está desacelerando e levando junto parte dos emergentes,
as principais bolsas de valores do mundo estão altamente voláteis e a
Europa continua mergulhada em uma crise. O que mais o preocupa?
Dois acontecimentos me preocupam igualmente: a desaceleração dos países
emergentes e a crise na Europa. Tomando o passado como parâmetro, o
mundo não parece que vai desabar. Mas, olhando o que acontece nos
emergentes e na Europa, conclui-se que falta força para a economia
global. Esses sinais de fraqueza indicam que a estagnação econômica
mundial é persistente.
Por algum tempo, os mercados emergentes eram uma fonte de crescimento.
Agora são fonte de más notícias. Ou seja, devemos ver em câmera lenta a
continuação dessa estagnação que temos vivido nos últimos tempos.
O Banco Central Europeu acabou de rever para baixo a estimativa
de crescimento da zona do euro. O que deve ser feito para que a Europa
volte a crescer?
O problema da Europa é que cada vez se parece mais com o Japão. Tem
demonstrado uma persistente fraqueza econômica. A demografia é terrível,
com a queda no número de trabalhadores em relação aos idosos. É difícil
pensar em algo que tire a Europa do torpor. Uma grande política fiscal
expansionista e a expectativa de elevação da inflação funcionariam.
Infelizmente, não vejo nenhuma dessas duas coisas acontecendo. Por isso
acredito que uma estagnação duradoura é uma grande possibilidade. A
Grécia é um capítulo à parte. Nada foi resolvido. Não ficarei surpreso
se, em um ou dois anos, a situação ficar ainda mais horrível do que no
último pico da crise.
Na China, a renda continua crescendo num ritmo alto e nunca se
viu a criação de tantos empregos fora do setor agrícola como agora. A
China está mesmo desacelerando muito abaixo dos 7% de crescimento anual
ou é o mercado que está exagerando no pessimismo?
A verdadeira resposta é que ninguém sabe exatamente. As estatísticas
chinesas são pouco confiáveis. Os números são um conjunto do que as
autoridades locais repassam ao governo central. É bem possível que a
renda esteja aumentando, uma vez que a China já deve ter aproveitado
todo o seu contingente de trabalhadores baratos.
Talvez o governo chinês esteja conseguindo aumentar a demanda com a
aplicação de medidas extraordinárias. Mas, analisando todos os
indicadores disponíveis, minha impressão é que a economia chinesa, mesmo
com todos os esforços, está, sim, desacelerando.
É isso o que mostram dados como o consumo de eletricidade e os números
do comércio internacional. Sem falar que o preço das commodities está
desabando. Se a desaceleração da China não é a causa, o que seria?