quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Por que cortar ministérios de Dilma não fará diferença




REUTERS/Ueslei Marcelino
Presidente Dilma Rousseff durante conferência em Brasília
Dilma Rousseff: a opinião dos analistas é de que o pacote proposto pela presidente está fadado ao fracasso
 
 
 
 
São Paulo – Como parte das medidas do pacote fiscal, o governo federal deve apresentar hoje (23) a reforma ministerial, que pode encerrar as atividades de 10 pastas da gestão Dilma Rousseff. A expectativa é de que o corte renda uma economia de R$ 200 milhões.

De um pacote que pretende arrecadar um total de R$ 32 bilhões, o enxugamento de ministérios tem mais importância política que econômica. Para analistas consultados por EXAME.com, a medida serve mais de alívio às pressões que Dilma sofre da oposição e de alguns setores da sociedade do que em economia real. Em termos práticos, o corte representa nada em soluções para reverter a crise.

Por outro lado, ter menos ministros só serve como pressuposto para agravar uma crise com a já abalada coligação parceira, uma vez que ao menos 10 membros da base aliada perderão seus postos. Fora isso, grande parte da arrecadação está baseada em aumento de tributos, através da recriação da CPMF.

“O pacote está fadado ao fracasso. Quando você tem essa situação em que o governante foi identificado pela população como responsável pelo descontrole das contas públicas, o nível de resistência é muito forte”, afirma José Matias-Pereira, professor de Administração Pública da Universidade de Brasília. “A crise está evidenciando que o Brasil já vem protelando há muito tempo algumas reformas estruturais. Essa reformas só podem ser feitas por um dirigente com credibilidade.”

Entre os fatores mais efetivos, que aliviariam o caixa em curto, médio e longo prazo, foram citados reformas na previdência, renegociação da dívida pública, reformulação dos cargos na administração pública e eficiência nos gastos.

Veja abaixo como pensam os especialistas.


Previdência social

 
Segundo os especialistas, a previdência social é a que mais sofre de um “defeito estrutural”. Hoje, as leis definem que os trabalhadores em atividade financiem o fundo que dá suporte aos aposentados. Mas, em virtude do aumento da expectativa de vida, o atual sistema gera déficits estimados em R$ 90 bilhões para esse ano, ou três vezes mais que o que se pretende arrecadar pela CPMF.

“Os governantes não gostam dessas reformas e arcar com esse ônus, pois gera pressões e perdas de votos. Se esse modelo atual continuar, seguirá dando prejuízos até um ponto insustentável”, diz Matias-Pereira, da UnB.

A proposta da maior parte dos especialistas consultados é que a previdência inicie um novo sistema, começando do zero. Aliado ao sistema vigente, a ideia é ir substituindo aos poucos por um fundo de previdência, dedicado exclusivamente à gestão desse dinheiro para retornar ao contribuinte mais adiante.

“Podem ser estruturados fundos de pensão por categoria e auto-geridos”, diz Ricardo Sennes, da consultoria política Prospectiva. “Não faz sentido esse tema seguir no orçamento federal.”

Do ponto de vista jurídico, no entanto, a reforma da previdência esbarraria na criação de projetos de emenda constitucional e convencimento de um Congresso que não vem colaborando com as propostas do Planalto.

“É preciso vontade política, pois é uma briga grande, com fórmulas jurídicas mais desafiadoras”, afirma Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, professor do departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP. “Deve ser discutido se o Estado vai gerir esse fundo, se será privado e como será desenvolvido, por exemplo. As negociações podem levar 3 dias ou 3 anos.”


Eficiência

 
Segundo os analistas, outro grande problema estrutural e que gera gastos é a ineficiência do funcionário e da gestão pública. A ideia é fortalecer os sistemas de controle e fiscalização do país, para evitar desvios e desperdícios, algo que elevado ao máximo gera a faísca para esquemas de corrupção.

O caso mais marcante é o esquema descoberto pela Operação Lava Jato, cujos desvios foram comandados por funcionários indicados para as estatais. Um marco recente de desperdício foi a renovação da frota de carros oficiais do Senado, gasto estimado em R$ 2 milhões.

“A crise é fruto da dificuldade de seguir princípios de boa governança. É isso o que leva a uma má aplicação dos recursos”, diz Geraldo Loureiro, diretor do Instituto Brasileiro de Governança Pública.

Para Marques Neto, da USP, uma boa fonte de corte seriam os cargos comissionados. Dos 22 mil trabalhadores — que por serem fruto de indicação não são necessariamente capacitados para as posições que ocupam —, cerca de 40% poderiam ser dispensados sem grandes prejuízos para o funcionamento da máquina pública.

“Se o presidente de uma empresa fosse escolher seus diretores, ele buscaria os melhores para não colocar em risco seu capital”, afirma Loureiro, do IBGP. “No Brasil, isso não existe, ministros e secretários são frutos de indicação para satisfazer necessidades políticas. Basta ver a confusão que criará o corte de ministérios.”

Para os entrevistados por EXAME.com, outro fator que geraria retorno e reforço no caixa é o que parece mais óbvio: investimento em educação. Com mão de obra mais capacitada, seria possível cobrar mais produtividade do trabalhador brasileiro, gerando competitividade e dando mais retorno à já pesada carga de tributos. “É algo para pensar em resultados daqui 30 anos”, diz Matias-Pereira, da UnB.


Saída à esquerda


Para Pedro Fassoni Arruda, professor do departamento de política da PUC-SP, não há consenso sobre as medidas de corte. Para o acadêmico, o fundamental para acertar as contas do governo é priorizar os investimentos públicos para gerar emprego e dar gás à economia, além de renegociar a dívida pública, principal responsável por comprometer o orçamento.

“Retirar direitos não é a saída. Apesar de ser um governo considerado de esquerda, é uma gestão que vem se alinhando com os desejos do capital financeiro e dos credores estrangeiros”, diz. “A alta de juros só aumenta os encargos da dívida pública, complicando ainda mais a situação. Cada ponto percentual a mais da taxa Selic significa o comprometimento de alguns bilhões no orçamento federal.”

Além de uma auditoria da dívida externa, Arruda diz que é preciso também uma reforma tributária para taxar os contribuintes de forma proporcional. Como medida paliativa, Arruda é favorável à restauração da CPMF para não sacrificar investimentos em educação ou saúde.

“O sistema que temos é regressivo, os ganhos de capital são muito pouco tributados”, afirma. “Diminuir impostos sobre consumo e aumentá-los de acordo com a renda. Nesse sistema, os pobres pagam a maior quantidade de tributos, enquanto poderiam ser taxadas as grandes fortunas para aumentar a arrecadação.”

São Paulo sobe 12 posições em ranking de centros financeiros




Nacho Doce/Reuters
Mulher passa em frente a logotipo da Bovespa
Mulher passa em frente a logotipo da Bovespa, considerado o principal centro financeiro da América Latina
 
 
 
São Paulo - São Paulo subiu 12 posições no último ranking dos centros financeiros mais importantes do mundo do Z/Yen Group

O índice, elaborado pelo Qatar Financial Centre e atualizado em março e em setembro, analisa 98 centros financeiros mundiais, dos quais 84 aparecem no ranking.

São levados em conta 105 fatores nas áreas de ambiente de negócios, desenvolvimento do setor financeiro, infraestrutura, capital humano e fatores gerais e de reputação, medidos por questionários e índices objetivos.
São Paulo foi da 43ª para a 31ª posição e continua sendo o principal centro financeiro da América Latina. O Rio de Janeiro também subiu 12 posições: de 47ª para 35ª.
A alta é em larga medida recuperação de espaço perdido: no ranking de março, SP tinha caído 9 posições e o Rio tinha caído duas.

“Condições econômicas e políticas continuam a enferrujar a América Latina, mas o Brasil desafia as probabilidades e continua a ficar mais importante", diz um gerente de ativos de Los Angeles citado pelo relatório.

Vale lembrar que o ranking é de importância e não de performance e ainda não reflete a piora do cenário brasileiro nas últimas semanas.

A escalada do dólar fez a bolsa brasileira perder para a mexicana a liderança em valor de mercado na América Latina, segundo a Economatica.
 

Ranking


Com aumento de 12 pontos, Londres superou Nova York e voltou ao primeiro lugar.

O relatório atribui as notas mais altas a menos incerteza desde a decisão da Escócia de não se separar e à reeleição em maio de David Cameron, do Partido Conservador.

Agora, os olhos se voltam para o referendo que vai decidir sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, já considerado um dos "cisnes negros" da economia global

Hong Kong, Singapura e Tóquio continuam na 3ª, 4ª e 5ª posições, respectivamente. No geral, 22 dos 25 principais centros melhoraram de nota.

Houve recuperação de muitos centros da Europa ocidental, mas só Zurique, na Suíça, aparece no top 10. Todos os centros norte-americanos e 12 dos 15 maiores centros na região Ásia/Pacífico também melhoraram de nota.

Dilma depende de Levy para concluir mandato, diz ex-ministro


Ueslei Marcelino/Reuters
A presidente da República, Dilma Rousseff, e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy
Thomas Traumann, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social: "A presidente Dilma e 'o burocrata Levy' formam uma dupla inesperada"
 
 
Elizabeth Lopes, do Estadão Conteúdo


São Paulo - Thomas Traumann, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República do governo Dilma Rousseff, afirmou em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo que a petista depende, "por ironia do destino", do "burocrata" Joaquim Levy, seu ministro da Fazenda, para concluir o mandato no prazo regimental, em 2018.

No artigo, Traumann recorda que antes de Levy ir para o atual governo, Dilma contava a história de "um burocrata" que em 2005 foi até o Palácio do Planalto para falar que o FMI havia autorizado o governo federal a investir R$ 500 milhões em saneamento no país, recursos que sua gestão, dez anos depois, investia em uma só cidade. O burocrata era Levy, então secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda.

Já no cargo de ministro, neste segundo mandato da petista, o ex- ministro da Comunicação Social diz que ele sempre encontrava uma maneira de falar do rombo nas contas públicas e não se sensibilizava com as exposições de seus colegas sobre a necessidade de recursos, mesmo para as áreas sociais.
"Por tudo isso, Dilma e Levy formam uma dupla tão inesperada", diz, reiterando que um reconhece no outro as melhores intenções, mas discordam de quase tudo o mais.

Traumann conclui o artigo dizendo que o ritmo do processo de um eventual pedido de impeachment de Dilma Rousseff será dado não pela Lava Jato, TCU, TSE ou disputas com o PMDB, mas sim pelo bolso do cidadão, com fatores baseados em índices como desemprego, inflação e queda no consumo.

Ele destaca que isso pode levar milhões às ruas, gerar pânico no mercado financeiro e esfacelar a base governista. Portanto, reitera que Dilma depende do sucesso do "burocrata Levy" para continuar presidente até 2018.

Para Lula, "melhor perder ministérios do que a Presidência"




Nacho Doce/Reuters
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Lula avaliou que a estratégia para atrair os aliados rebeldes deu fôlego para Dilma barrar pedidos de impeachment no Congresso
 
Vera Rosa e Isadora Peron, do Estadão Conteúdo


Brasília - Em reunião que durou cinco horas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aconselhou na quarta-feira, 23, a presidente Dilma Rousseff a atender a todos os pedidos do PMDB, mesmo que para isso tenha de desidratar o PT na reforma ministerial.

"É melhor perder ministérios do que a Presidência", disse Lula, segundo relato de ministros do PT que participaram da conversa, no Palácio da Alvorada.

A portas fechadas, o ex-presidente avaliou que a estratégia montada para atrair os aliados rebeldes, entregando o Ministério da Saúde - hoje com o PT - à bancada do PMDB na Câmara deu fôlego para Dilma barrar pedidos de impeachment no Congresso.
Além disso, para não contrariar nenhuma ala do PMDB, Dilma cogita deixar de lado a fusão das Secretarias de Portos e Aviação Civil. Com isso, o partido poderá ficar com seis ministérios, e não mais cinco, como previsto inicialmente.

O favorito para Saúde é o deputado Manoel Júnior (PB), homem da confiança do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Nessa nova configuração, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, deve permanecer no cargo e Helder Barbalho, hoje na Secretaria da Pesca, pode ser deslocado para Portos. A Pesca será abrigada no Ministério da Agricultura.

Lula e o vice-presidente Michel Temer sugeriram a Dilma que não deixasse "na chuva" o filho do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), para não criar novo foco de rebelião. Os ministros Eduardo Braga (Minas e Energia) e Kátia Abreu (Agricultura) continuam em seus postos. Henrique Eduardo Alves (Turismo), também ligado a Cunha, deve seguir no posto.

À noite, Dilma convidou o PDT para assumir o Ministério das Comunicações. O convite foi feito ao presidente do partido, Carlos Lupi. A bancada do PDT na Câmara pretende indicar para o cargo o deputado André Figueiredo (CE).

O PDT controla hoje o Ministério do Trabalho, que será fundido com Previdência. Insatisfeito com o governo, o partido vinha mantendo uma posição de "independência" na Câmara.

Embora o PT vá perder Comunicações - cargo estratégico para a legenda, que defende a regulamentação da mídia -, Ricardo Berzoini, titular da pasta, assumirá a Secretaria Geral da Presidência, que cuidará da articulação política do governo com o Congresso.

Lula também propôs à sucessora que adiasse por alguns dias o anúncio da reforma ministerial, previsto inicialmente para ontem.

Ele argumentou que Dilma deveria "amarrar bem" os acordos, uma vez que a ideia é por agora nos ministérios "quem tem voto" e pode ajudar o governo no Congresso. "Você não pode errar", insistiu ele.

Depois que a presidente concordou em transferir a Saúde para o PMDB na Câmara, o Palácio do Planalto venceu uma batalha no Congresso e conseguiu manter importantes vetos a projetos que aumentavam o rombo nas contas públicas.

Foi com esse diagnóstico que Lula pediu a ela que se aproximasse mais de Temer, que comanda o PMDB; do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e de Cunha, oficialmente rompido com o governo.

Apesar de lamentar a substituição do ministro da Saúde, Arthur Chioro (PT), Lula observou que o PMDB é crucial para garantir a governabilidade.

Além disso, na opinião do ex-presidente, Dilma precisa conversar com todos os aliados e até com movimentos sociais, para não deixar insatisfeitos pelo caminho, antes de acertar o primeiro escalão.

Dilma viajará nesta quinta-feira, 24, para Nova York, onde participa da Assembleia Geral da ONU, e só retornará na terça-feira, 29.

Diante disso, o anúncio da reforma, que vai cortar dez ministérios, pode ficar para a semana que vem. Na tentativa de fechar as mudanças, a presidente passou o dia e a noite de quarta numa verdadeira maratona de negociações, no Alvorada, e nem despachou no Planalto.

Ainda volátil, dólar reduz alta com declarações de Tombini




thinkstock
Dólares:
Dólares: questionado sobre o possível uso das reservas internacionais no câmbio, Tombini afirmou que "certamente todos os instrumentos estão à disposição do BC"
 
Da REUTERS


São Paulo - O dólar tinha uma sessão de extrema volatilidade nesta quinta-feira, reduzindo uma forte alta com investidores especulando sobre a possibilidade de o Banco Central realizar leilão de dólares no mercado à vista diante de declarações do presidente do BC, Alexandre Tombini.

Às 12:08, o dólar avançava 1,44 por cento, a 4,2059 reais na venda, após subir 2,48 por cento, a 4,2491 reais, na máxima da sessão.

Na mínima, a moeda norte-americana chegou a 4,1456 reais, oscilação negativa de 0,01 por cento, reagindo a rumores de que o BC estaria conduzindo pesquisa de demanda por dólares no mercado à vista. Mas segundo operadores isso não se confirmou e o dólar voltou a subir.
"O mercado está muito difícil. A atuação do BC está confusa, o resultado é que o mercado não sabe o que fazer e opera com essa volatilidade assombrosa", disse o operador de uma gestora de recursos nacional.

Questionado sobre o possível uso das reservas internacionais no câmbio, Tombini afirmou que "certamente todos os instrumentos estão à disposição do BC".

A declaração trouxe algumas expectativas de que a autoridade monetária poderia realizar leilão de dólares no mercado à vista, embora as perspectivas continuassem muito incertas.

Uma fonte da equipe econômica afirmou à Reuters na véspera que fazer leilões de dólares no mercado à vista é uma estratégia que não está na mesa neste momento.

Na véspera, o BC realizou dois leilões de venda de dólares com compromisso de recompra e um leilão de novos swaps cambiais, equivalentes a venda futura de dólares.

Também durante a sessão passada, anunciou para esta quinta-feira outro leilão de novos swaps, na qual vendeu a oferta total de até 20 mil contratos.

Além disso, o BC vendeu a oferta total de até 9,45 mil swaps cambiais para rolagem dos contratos que vencem em outubro. Ao todo, já rolou o equivalente a 7,621 bilhões de dólares, ou cerca de 80 por cento do lote total, que corresponde a 9,458 bilhões de dólares.

A moeda norte-americana tem sido pressionada pela deterioração das contas públicas do Brasil e pelas turbulências políticas. Investidores temem que o país perca seu selo de bom pagador por outras agências de classificação de risco além da Standard & Poor's.

Operadores relutavam em estimar até que ponto o dólar deve subir, mas é unânime a percepção de que a moeda deve continuar pressionada. O dólar subiu nas cinco sessões anteriores, acumulando alta de 8,14 por cento.

"O mercado está apostando em uma saída de capitais e em mais rebaixamento", disse o operador da corretora Spinelli José Carlos Amado.

Nesta sessão, o avanço do dólar em relação às principais moedas emergentes, como os pesos chileno e mexicano, também pesava sobre o mercado local.

Advogados de réus comemoram decisão do STF, que afasta Moro de processos da Lava Jato


 O STF (Supremo Tribunal Federal) em decisão extremamente temerária e lamentável, que poderá ir de encontro ao futuro dos processos oriundos da Operação Lava Jato, decidiu nesta quarta-feira desmembrar a investigação contra a senadora Gleisi Hoffmann, do PT.

Guiado pelo entendimento de que o caso da petista não está diretamente conectado ao petrolão, outro ministro deverá analisar as denúncias. O escolhido foi justamente, José Dias Toffoli.

Por outro lado, uma outra parte da apuração, que não envolve políticos com mandato, será remetida para a Justiça de primeira instância, em São Paulo.
A decisão do Supremo abre precedente para que a Lava Jato seja toda fatiada e suas ações penais, hoje nas mãos do juiz Sérgio Moro na primeira instância e do ministro Teori Zavascki em Brasília, acabem espraiadas pelas diferentes cortes do país. Em síntese, o Supremo entendeu que os processos deverão ser analisados por juízes instalados nas Varas onde os crimes foram cometidos.

A primeira consequência da decisão de espalhar pedaços da Lava Jato pela Justiça nos estados será tirar parte considerável das investigações da responsabilidade do juiz Sérgio Moro e da equipe de procuradores do Ministério Público Federal do Paraná. A decisão também mina o pilar central da Lava Jato: de que foi uma mesma quadrilha quem operou um contínuo assalto à República, cujo pano de fundo era um projeto de perpetuação do Partido dos Trabalhadores e seus aliados no poder.

Na segunda-feira (21), o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima resumiu o ponto-chave da investigação: "Quando falamos que estamos investigando esquema de compra de apoio político para o governo federal através de corrupção, estamos dizendo que os casos Mensalão, Petrolão e Eletronuclear são todos conexos porque dentro deles está a mesma organização criminosa e as pessoas ligadas aos partidos políticos. Não tenho dúvida nenhuma de que todos ligados à Casa Civil do governo Lula, tudo foi originado dentro da Casa Civil". Na terça-feira (22), antevendo os possíveis danos de uma decisão como a que o Supremo tomou, disse que o desmembramento das ações "pode ser o fim da Lava Jato", como ela foi desenhada.

A partir de agora, o caminho está aberto para que uma enxurrada de recursos questione, por exemplo, porque o esquema de corrupção em Angra 3 não está sendo julgado no Rio de Janeiro ou os processos que tratam essencialmente da atuação criminosa do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto em esquemas anexos ao petrolão não poderiam tramitar na Justiça de São Paulo. Mais: o julgamento desta quarta-feira (23) fortalece a tese capenga dos defensores de que quadrilhas autônomas e desconectadas atuaram no roubo à República e que teria havido uma espécie de "encontro fortuito" de casos de corrupção em outros órgãos.

Os votos dos ministros foram comemorados por advogados de presos pela operação da Polícia Federal. Tirar os processos das mãos do juiz Sérgio Moro, considerado irredutível e duro, era uma das principais táticas dos defensores para tentar escapar de condenações.

Dos dez ministros presentes na corte - Luiz Fux não estava -, somente Gilmar Mendes e o decano Celso de Mello votaram contra retirar os processos da Lava Jato da Justiça Federal do Paraná. "No fundo, o que se espera é que processos saiam de Curitiba e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que se diga em português claro", advertiu Mendes.

Em um célebre voto, Celso de Mello afirmou: "O Ministério Público Federal destacou que a investigação penal, não obstante fragmentada em diversos inquéritos e procedimentos de apuração de delito, tem por objeto uma vasta organização criminosa de projeção tentacular com métodos homogêneos de atuação, integrada por diversos atores e protagonistas e operando por intermédio de vários núcleos com idêntico ou semelhante modus operandi na captação, operacionalização e distribuição criminosa de vantagens ilícitas".

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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Lavagem de dinheiro: no que consiste o ocultar necessário ao crime?




Por mais que existam inúmeras definições de lavagem de dinheiro, a mais precisa é aquela prevista na lei, em especial no caput do artigo 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro: “ocultar ou dissimular” bens direitos ou valores provenientes de infração penal.

A questão central, portanto, para que se defina a materialidade da lavagem de dinheiro é identificar no que consiste esse ato de ocultar ou dissimular bens. Aquele que pratica um crime patrimonial e esconde o dinheiro em fundo falso de parede, que enterra o bem ou que o coloca na conta de sua esposa pratica lavagem de dinheiro? Aquele que recebe dinheiro ilícito em espécie para dificultar seu rastreamento pode ser punido pelo delito em comento? Qual a complexidade ou sofisticação dessa ocultação para que seja caracterizado o crime em questão?

Há quem sustente que a mera ocultação já revela o crime de lavagem de dinheiro, uma vez que a lei não exige que os valores “sujos” sejam reintroduzidos na economia com aparência de licitude para a consumação do delito. A realização da 1ª etapa do ciclo de lavagem, o simples “esconder”, já seria suficiente para a consumação do tipo penal.

Por outro lado, há quem afirme o contrário: a mera ocultação não é lavagem de dinheiro quando desacompanhada de um ato adicional, seja objetivo, seja subjetivo, que aponte para a busca de reinserir os bens na economia formal.

Neste último sentido, merecem destaque alguns votos de ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 referentes à lavagem de dinheiro[1], no sentido de que esse crime não se limita a uma simples ocultação de bens, mas exige algo mais.

Embora essa tese tenha sido vencedora — após julgamento dos embargos infringentes interpostos —, a natureza deste “algo mais” que se exige da ocultação na lavagem de dinheiro não ficou clara.

O ministro Peluso manifestou-se da seguinte forma:

“Em síntese, creio não se deva confundir o ato de ‘ocultar’ e ‘dissimular’ a natureza ilícita dos recursos, presente no tipo penal de lavagem de dinheiro, e o que a doutrina especializada descreve como estratagemas comumente adotados para que o produto do crime antecedente — já obtido — seja progressivamente reintroduzido na economia, agora sob aparência de licitude, com os atos tendentes a evitar-lhe o confisco ainda durante o iter criminis do delito antecedente, em outras palavras, para garantir a própria obtenção do resultado do delito” (fls.53894 da Ap 470).

Com isso, o ministro entendeu que a ocultação, quando ocorrida durante o iter criminis — que termina com a consumação do delito — não caracteriza a lavagem de dinheiro. Aquele que oculta a forma de recebimento na corrupção, por exemplo, não comete o crime de lavagem de dinheiro porque tal ato se deu durante a execução, e não após a consumação do delito.

O ministro Luís Roberto Barroso — ao distinguir o crime de lavagem de dinheiro do crime de corrupção passiva assentou que:

“O recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Para caracterizar esse crime autônomo seria necessário identificar atos posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida” (fls.31 do Acórdão dos Sextos EI da AP470, sem grifos no original).

Em outras palavras, o ministro parece ter ido além do voto anteriormente destacado, exigindo não apenas um ato de simples ocultação posterior ao iter criminis, mas um ato “destinado a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida”, ou seja, um ato específico de reciclagem, ou destinado à reciclagem.

Já o ministro Teori Zavascki enfrentou o tema nos seguintes termos:

“À luz dessas premissas teóricas, tem-se que os fatos narrados na denúncia – o recebimento de quantia pelo denunciado por meio de terceira pessoa – não se adequam, por si sós, à descrição da figura típica. Em primeiro lugar porque o mecanismo de utilização da própria esposa não pode ser considerado como ato idôneo para qualifica-lo como “ocultar”; e ademais, ainda que assim não fosse, a ação objetiva de ocultar reclama, para sua tipicidade, a existência de um contexto capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores. Embora conste da denúncia a descrição da ocorrência de crimes antecedentes (contra o sistema financeiro nacional e a administração pública), bem como a afirmação de que o embargante ‘consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática’ desses crimes, ‘almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina enviou sua esposa (...) para sacar no caixa o valor de (..), ela não descreve qualquer ação ou intenção do réu tendente ao branqueamento dos valores recebidos” (fls.43 do Acórdão dos 6os Embargos Infringentes)

Assim, o ministro expõe que a ocultação deve trazer consigo a finalidade específica de emprestar aparência licita aos valores decorrentes do crime. Não se trata de um ato objetivo, mas de um elemento subjetivo especial,, uma intenção  implícita no tipo penal, que deve ser identificada para materializar a lavagem de dinheiro. A mera intenção de esconder é atípica. Nos parece a posição mais adequada.

Mas, ainda que os fundamentos e requisitos expostos pelos ministros citados tenham suas peculiaridades — e até divirjam em certos pontos — parece haver um denominador comum entre todos: a mera ocultação não basta para a tipicidade da lavagem de dinheiro. É preciso algo mais, seja um estratagema para reintroduzir o bem ilícito na economia realizado após o iter criminis anterior (ministro Peluso), seja um ato posterior destinado a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida (ministro Barroso), seja a identificação de um contexto capaz de evidenciar que o agente realizou a ação com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores (ministro Teori).

Note-se que nenhum deles exige a reintrodução dos valores ilícitos na economia, uma vez que o tipo penal não impõe tal circunstância. Porém, todos destacam a necessária demonstração desse algo a mais do que a mera ocultação, seja um ato objetivo, seja uma finalidade específica revelada naquele contexto.

Portanto, o ato de enterrar o produto do crime, de escondê-lo em paredes falsas, ou na casa de terceiros — ainda que seja ocultar não parece característico da lavagem de dinheiro, uma vez que qualquer movimentação desses valores (desenterrar, retirar do esconderijo, buscar na casa de terceiro) fará com que retornem ao status quo ante, à natureza original, de produtos sem origem lícita[2]. Ou seja, não são atos com capacidade potencial de facilitar a reintrodução dos bens na economia formal.

Afinal, se o mero ocultar caracterizasse a lavagem de dinheiro, a única diferença entre esse crime e o de favorecimento real (CP, artigo 349) seria a possibilidade de incriminar o autor do crime antecedente no primeiro e a inviabilidade dessa operação no último, fato que não justifica o significativo aumento de pena de 1 a 6 meses de detenção (favorecimento) para 3 a 10 anos de reclusão (lavagem de dinheiro).

A diferença de penas indica uma distinção qualitativa entre a lavagem de dinheiro e o favorecimento real, um plus que confere gravidade maior àquela. E esse plus é justamente a intenção de lavar, de reciclar, de completar as três fases necessárias ao branqueamento do capital — para usar a definição do ministro Teori Zavascki. A lavagem é uma espécie de favorecimento real qualificado pela intenção de ocultar os bens através de sua reciclagem. Não se trata mais do simples escamoteamento para tornar seguro o proveito do crime, mas da ocultação ou dissimulação que indique uma tentativa — presente ou futura — reintegração do produto do crime à economia com aparência de licitude.

Por isso, o tipo penal de lavagem — na forma do caput do artigo 1.º — apresenta-se como assimétrico, pois o elemento volitivo não recai apenas sobre os elementos objetivos do tipo (dolo), mas se estende à reinserção do capital na economia formal. Ainda que tal reintegração não seja necessária para a consumação tipo, é imprescindível a demonstração da vontade de alcançá-la, no plano subjetivo. Do contrário, haverá apenas favorecimento real, desde que o autor da ocultação seja distinto daquele que cometeu o crime antecedente.

* Trecho de palestra proferida no Seminário Internacional sobre “Combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado”, organizado pelo STJ, AMB, CJF e Instituto Innovare.

[1] Aqui tomamos por base a decisão dos ministros em relação ao réu João Paulo Cunha — no entanto, tal decisão trata da questão da ocultação de forma genérica, de forma que pode ser considerada como paradigma nessa questão.
[2]Da mesma forma, para Bonfim, Lavagem de dinheiro, p. 29: “a ocultação de um bem ou de determinada quanta de origem ilícita, sem a finalidade de inseri-los nos sistemas econômico e financeiro, não configura lavagem de dinheiro, podendo caracterizar outro ilícito penal (v.g., receptação ou favorecimento real)”.

Direito de Defesa

Lavagem de dinheiro: no que consiste o ocultar necessário ao crime?

Por mais que existam inúmeras definições de lavagem de dinheiro, a mais precisa é aquela prevista na lei, em especial no caput do artigo 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro: “ocultar ou dissimular” bens direitos ou valores provenientes de infração penal.
A questão central, portanto, para que se defina a materialidade da lavagem de dinheiro é identificar no que consiste esse ato de ocultar ou dissimular bens. Aquele que pratica um crime patrimonial e esconde o dinheiro em fundo falso de parede, que enterra o bem ou que o coloca na conta de sua esposa pratica lavagem de dinheiro? Aquele que recebe dinheiro ilícito em espécie para dificultar seu rastreamento pode ser punido pelo delito em comento? Qual a complexidade ou sofisticação dessa ocultação para que seja caracterizado o crime em questão?
Há quem sustente que a mera ocultação já revela o crime de lavagem de dinheiro, uma vez que a lei não exige que os valores “sujos” sejam reintroduzidos na economia com aparência de licitude para a consumação do delito. A realização da 1ª etapa do ciclo de lavagem, o simples “esconder”, já seria suficiente para a consumação do tipo penal.
Por outro lado, há quem afirme o contrário: a mera ocultação não é lavagem de dinheiro quando desacompanhada de um ato adicional, seja objetivo, seja subjetivo, que aponte para a busca de reinserir os bens na economia formal.
Neste último sentido, merecem destaque alguns votos de ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 referentes à lavagem de dinheiro[1], no sentido de que esse crime não se limita a uma simples ocultação de bens, mas exige algo mais.
Embora essa tese tenha sido vencedora — após julgamento dos embargos infringentes interpostos —, a natureza deste “algo mais” que se exige da ocultação na lavagem de dinheiro não ficou clara.
O ministro Peluso manifestou-se da seguinte forma:
“Em síntese, creio não se deva confundir o ato de ‘ocultar’ e ‘dissimular’ a natureza ilícita dos recursos, presente no tipo penal de lavagem de dinheiro, e o que a doutrina especializada descreve como estratagemas comumente adotados para que o produto do crime antecedente — já obtido — seja progressivamente reintroduzido na economia, agora sob aparência de licitude, com os atos tendentes a evitar-lhe o confisco ainda durante o iter criminis do delito antecedente, em outras palavras, para garantir a própria obtenção do resultado do delito” (fls.53894 da Ap 470).
Com isso, o ministro entendeu que a ocultação, quando ocorrida durante o iter criminis — que termina com a consumação do delito — não caracteriza a lavagem de dinheiro. Aquele que oculta a forma de recebimento na corrupção, por exemplo, não comete o crime de lavagem de dinheiro porque tal ato se deu durante a execução, e não após a consumação do delito.
O ministro Luís Roberto Barroso — ao distinguir o crime de lavagem de dinheiro do crime de corrupção passiva assentou que:
“O recebimento por modo clandestino e capaz de ocultar o destinatário da propina, além de esperado, integra a própria materialidade da corrupção passiva, não constituindo, portanto, ação distinta e autônoma da lavagem de dinheiro. Para caracterizar esse crime autônomo seria necessário identificar atos posteriores, destinados a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida” (fls.31 do Acórdão dos Sextos EI da AP470, sem grifos no original).
Em outras palavras, o ministro parece ter ido além do voto anteriormente destacado, exigindo não apenas um ato de simples ocultação posterior ao iter criminis, mas um ato “destinado a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida”, ou seja, um ato específico de reciclagem, ou destinado à reciclagem.
Já o ministro Teori Zavascki enfrentou o tema nos seguintes termos:
“À luz dessas premissas teóricas, tem-se que os fatos narrados na denúncia – o recebimento de quantia pelo denunciado por meio de terceira pessoa – não se adequam, por si sós, à descrição da figura típica. Em primeiro lugar porque o mecanismo de utilização da própria esposa não pode ser considerado como ato idôneo para qualifica-lo como “ocultar”; e ademais, ainda que assim não fosse, a ação objetiva de ocultar reclama, para sua tipicidade, a existência de um contexto capaz de evidenciar que o agente realizou tal ação com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores. Embora conste da denúncia a descrição da ocorrência de crimes antecedentes (contra o sistema financeiro nacional e a administração pública), bem como a afirmação de que o embargante ‘consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática’ desses crimes, ‘almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina enviou sua esposa (...) para sacar no caixa o valor de (..), ela não descreve qualquer ação ou intenção do réu tendente ao branqueamento dos valores recebidos” (fls.43 do Acórdão dos 6os Embargos Infringentes)
Assim, o ministro expõe que a ocultação deve trazer consigo a finalidade específica de emprestar aparência licita aos valores decorrentes do crime. Não se trata de um ato objetivo, mas de um elemento subjetivo especial,, uma intenção  implícita no tipo penal, que deve ser identificada para materializar a lavagem de dinheiro. A mera intenção de esconder é atípica. Nos parece a posição mais adequada.
Mas, ainda que os fundamentos e requisitos expostos pelos ministros citados tenham suas peculiaridades — e até divirjam em certos pontos — parece haver um denominador comum entre todos: a mera ocultação não basta para a tipicidade da lavagem de dinheiro. É preciso algo mais, seja um estratagema para reintroduzir o bem ilícito na economia realizado após o iter criminis anterior (ministro Peluso), seja um ato posterior destinado a recolocar na economia formal a vantagem indevidamente recebida (ministro Barroso), seja a identificação de um contexto capaz de evidenciar que o agente realizou a ação com a finalidade específica de emprestar aparência de licitude aos valores (ministro Teori).
Note-se que nenhum deles exige a reintrodução dos valores ilícitos na economia, uma vez que o tipo penal não impõe tal circunstância. Porém, todos destacam a necessária demonstração desse algo a mais do que a mera ocultação, seja um ato objetivo, seja uma finalidade específica revelada naquele contexto.
Portanto, o ato de enterrar o produto do crime, de escondê-lo em paredes falsas, ou na casa de terceiros — ainda que seja ocultar não parece característico da lavagem de dinheiro, uma vez que qualquer movimentação desses valores (desenterrar, retirar do esconderijo, buscar na casa de terceiro) fará com que retornem ao status quo ante, à natureza original, de produtos sem origem lícita[2]. Ou seja, não são atos com capacidade potencial de facilitar a reintrodução dos bens na economia formal.
Afinal, se o mero ocultar caracterizasse a lavagem de dinheiro, a única diferença entre esse crime e o de favorecimento real (CP, artigo 349) seria a possibilidade de incriminar o autor do crime antecedente no primeiro e a inviabilidade dessa operação no último, fato que não justifica o significativo aumento de pena de 1 a 6 meses de detenção (favorecimento) para 3 a 10 anos de reclusão (lavagem de dinheiro).
A diferença de penas indica uma distinção qualitativa entre a lavagem de dinheiro e o favorecimento real, um plus que confere gravidade maior àquela. E esse plus é justamente a intenção de lavar, de reciclar, de completar as três fases necessárias ao branqueamento do capital — para usar a definição do ministro Teori Zavascki. A lavagem é uma espécie de favorecimento real qualificado pela intenção de ocultar os bens através de sua reciclagem. Não se trata mais do simples escamoteamento para tornar seguro o proveito do crime, mas da ocultação ou dissimulação que indique uma tentativa — presente ou futura — reintegração do produto do crime à economia com aparência de licitude.
Por isso, o tipo penal de lavagem — na forma do caput do artigo 1.º — apresenta-se como assimétrico, pois o elemento volitivo não recai apenas sobre os elementos objetivos do tipo (dolo), mas se estende à reinserção do capital na economia formal. Ainda que tal reintegração não seja necessária para a consumação tipo, é imprescindível a demonstração da vontade de alcançá-la, no plano subjetivo. Do contrário, haverá apenas favorecimento real, desde que o autor da ocultação seja distinto daquele que cometeu o crime antecedente.
* Trecho de palestra proferida no Seminário Internacional sobre “Combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado”, organizado pelo STJ, AMB, CJF e Instituto Innovare.

[1] Aqui tomamos por base a decisão dos ministros em relação ao réu João Paulo Cunha — no entanto, tal decisão trata da questão da ocultação de forma genérica, de forma que pode ser considerada como paradigma nessa questão.
[2]Da mesma forma, para Bonfim, Lavagem de dinheiro, p. 29: “a ocultação de um bem ou de determinada quanta de origem ilícita, sem a finalidade de inseri-los nos sistemas econômico e financeiro, não configura lavagem de dinheiro, podendo caracterizar outro ilícito penal (v.g., receptação ou favorecimento real)”.

 é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.