As multinacionais emergentes buscam fusões como via
de expansão
Por Universia
Knowledge@Wharton*
As fusões
e aquisições (M&A, na sigla em inglês) continuaram a ser o principal método
de expansão das multinacionais emergentes (MEs), tanto em regiões desenvolvidas
quanto subdesenvolvidas. Um estudo da Thomson Reuters informa que o montante
anunciado de M&A nos mercados emergentes em 2014 saltou em torno de 29% em
relação ao ano anterior [o valor total da atividade de M&A nos mercados
emergentes em 2014 foi colossal: US$ 859 bilhões]. Ao comparar as
atividades de M&A das multinacionais emergentes com as atividades das
multinacionais ocidentais, Laurence Capron, professor de estratégia da INSEAD,
observa que cerca de 35% a 40% dos negócios transnacionais feitos atualmente
são realizados por empresas de mercados emergentes, ante cerca de 20% apenas em
princípios dos anos 2000.
China,
Brasil e Índia (nessa ordem) ocupam as primeiras posições na lista da Thomson
Reuters de economias emergentes com maior volume de atividades de M&A, uma
estatística que não surpreende Anil Gupta, presidente de estratégia,
globalização e empreendedorismo da Escola de Negócios Robert H. Smith da
Universidade de Maryland. “Observa-se a ocorrência de M&A externas por
parte dos mercados emergentes de maior porte”, diz ele, assinalando que as
economias menos ricas, em geral, não têm necessidade de escala. É o que pensa
também Exequiel Hernandez, professor de administração da Wharton. “As empresas
que estão se expandindo dessa forma costumam ser muito bem administradas […]
Não de trata de empresas insignificantes.”
As
desvantagens da China
Insignificantes ou não, multinacional emergente ou não, as empresas que fazem
M&A podem acabar descobrindo que negócios desse tipo nem sempre são
lucrativos como podem fazer crer no papel. “Inúmeras pesquisas mostram que mais
de 50% ? esse percentual hoje em dia é superior a 70% ? dos negócios de M&A
não geram valor de fato para o comprador”, revela Gupta. Em primeiro lugar,
falta a muitas empresas a capacidade organizacional para arquitetar um bom
negócio e acabam pagando um preço alto demais. Além disso, muitos não lidam da
forma certa com o período de integração posterior à fusão. Some-se a isso o
fato de que algumas empresas adquirem ativos cujo estado não é considerado
ideal. Gupta cita como exemplo a aquisição, em 2013, pela China National
Offshore Oil Company, da Nexen, companhia canadense de petróleo e gás por mais
de US$ 15 bilhões. “Foi um desastre. Os chineses compraram uma das piores
companhias de petróleo do Canadá. A empresa foi adquirida no momento errado; o
preço foi extremamente sobrevalorizado e eles não souberam gerenciá-la bem”,
recorda.
Gupta
reforça que a China, embora apareça em primeiro lugar na lista de compradores
de MEs e tenha por hábito fazer lances superiores aos de seus concorrentes,
está em desvantagem no jogo das M&A porque as empresas estatais dominam sua
economia. Como consequência desse ambiente dominado por estatais, os
compradores chineses geralmente têm pouca experiência em M&A em seu
currículo e tendem a ser motivados por uma missão nacional de tornar globais
suas empresas, em vez de se guiarem pela lógica dos negócios. Ele ainda
contrasta esse comportamento com o de países como Índia, Brasil, Turquia e África
do Sul, em que as empresas que fazem M&A pertencem ao setor privado – e, em
alguns casos, são controladas por famílias – resultando, em sua opinião, em
transações comerciais de maior visão. “Eles dizem: ‘Se a empresa incursionar
pelo exterior e a coisa não der certo, quem sairá prejudicado financeiramente
serei eu, o CEO, e as finanças da família a que ele pertence´. Essas empresas
tendem a não dar o passo seguinte sem antes ter pensado mil vezes sobre o
assunto procurando garantir que levaram em conta todos os riscos ou que dispõem
da capacidade necessária”, relata.
A China
também não se sai muito bem no momento de fechar o acordo. A pesquisa
encabeçada por Gupta mostra que quando as companhias chinesas planejam fazer
aquisições no exterior, cerca de 30% a 40% das M&A anunciadas jamais são
concluídas. (Daí porque a posição da China no topo da lista de M&A da
Thomson Reuters, que cobre acordos “anunciados”, deve ser interpretada com
ressalvas). Em um artigo de 2013 no South China Morning Post, Capron identificou
várias causas, entre elas, “a desconfiança política das empresas chinesas em
vários países visados […] bem como questões políticas próprias da China que
permitem às empresas tirar proveito das oportunidades de crescimento […], além
de problemas para a conclusão do financiamento da transação”. A resistência
demonstrada pela empresa-alvo também pode ser um problema. “A situação de uma
organização japonesa que está sendo adquirida por uma companhia chinesa talvez
seja diferente, por exemplo, de uma mesma situação em que o comprador é uma
empresa norte-americana, pois as pessoas talvez temam pelo futuro do modelo de
governança”, atesta o pesquisador.
O desafio
ocidental
A insistência em participar das atividades de M&A para “ganhar escala
global” não se limita à China ou às estatais. Hernandez diz que algumas MEs
podem simplesmente querer testar a si mesmas comprando ativos ocidentais
motivadas por uma mentalidade do tipo “se consegui aqui, posso conseguir em
qualquer lugar”. “Talvez não seja uma estratégia muito racional, embora haja
empresas que tenham sido bem-sucedidas nisso.” Há consenso entre os
especialistas de que as multinacionais emergentes não devem partir do princípio
de que os acordos de M&A serão sua passagem para o sucesso. Se não são, de
que maneira devem elas escolher seus alvos?
Capron
observa que inúmeras empresas de mercados emergentes procuram sair do seu país
em busca de aquisições de ativos que elas mesmas não possuem, tais como uma
marca forte e tecnologia de primeira linha. Capron cita os exemplos de duas MEs
bem-sucedidas no segmento automotivo que compraram duas marcas ocidentais
bastante conhecidas: a Geely, que adquiriu a Volvo em 2010, e a indiana Tata,
que comprou a Jaguar Land Rover em 2008 [A respeito da Tata, o New York Times
publicou alguns anos depois da aquisição: “De acordo com os analistas, a Tata
fez o que poucas empresas de mercados emergentes foram capazes de fazer ? dar
meia volta e administrar com sucesso uma empresa ocidental com problemas”].
Na
Turquia houve o caso da empresa de produtos alimentícios Yildiz Holding, que
comprou a conhecida marca Godiva Chocolates da norte-americana Campbell Soup
Company, em 2008. Gupta diz que a Godiva “foi muito bem administrada”, cresceu
de forma formidável na China e na Europa Oriental. A Cemex mexicana, líder
mundial na produção de concreto usinado, é outra empresa que, historicamente,
baseou seus acordos de M&A em sólida lógica de negócios, segundo Hernandez.
A Cemex foi fundada em 1906 com uma unidade no México. “A empresa não estava
apenas afirmando: ‘Somos uma pequena empresa mexicana; queremos ter maior
legitimidade no mundo, por isso vamos comprar a maior fabricante de cimento da
Europa’”, diz Hernandez. Ele explica que a empresa, então novata, sabiamente
escolheu mercados cujas indústrias de construção fossem contracíclicas em
relação à indústria mexicana, ajudando dessa forma a proteger a empresa dos
inevitáveis altos e baixos de sua economia doméstica.
Dizem os
especialistas que outro ingrediente fundamental para o sucesso das M&A
consiste em começar fazendo pequenas aquisições antes de tentar fazer
aquisições maiores. “É um tipo de processo repetitivo: compro uma empresa,
aprendo com ela, modernizo minhas capacidades e parto para o próximo negócio.
Algumas empresas souberam fazer isso muito bem”, observa Capron. Ele ressalta
que esse padrão foi seguido “até mesmo pelas P&Gs, IBMs e GEs deste mundo”,
e que ele ajuda o comprador a aprender como integrar culturas e sistemas
organizacionais. O Grupo Tata mencionado anteriormente, cujo patrimônio líquido
hoje é de US$ 360 bilhões, teve como ponto de partida para M&A sua
aquisição, em 2000, da empresa TetleyTea, do Reino Unido, por US$ 434 milhões.
“Não foi uma compra particularmente grande, mas eles a fizeram como parte de um
aprendizado: queriam aprender como negociar de forma engenhosa e jogar o jogo
da M&A transnacional”, analisa Gupta.
Lidando
com os detalhes práticos
Uma vez concluído o negócio, há um período complicado de integração pós-fusão
em que duas empresas devem se tornar uma só. No caso da M&A transnacional,
o comprador está lidando não apenas com diferentes culturas organizacionais,
mas com culturas de países diferentes. Isso pode ser uma dificuldade para
alguns compradores, mas para outros é vantajoso. Capron destaca que a
experiência de integração das M&A para as multinacionais emergentes pode
ser muito diferente dependendo do alvo, isto, se se trata de um mercado
emergente ou de uma empresa de país desenvolvido. “Se a empresa entra em um
mercado emergente, ela poderá, de certa forma, estar mais bem posicionada
porque sabe o que é preciso para trabalhar com as diferentes partes
interessadas na empresa [os chamados stakeholders] […] Talvez eles saibam como
se integrar melhor localmente. Por outro lado, se a empresa adquirida for do
mundo desenvolvido, talvez não estejam habituados, por exemplo, a um tipo de
ambiente anglo-saxão”, completa. Gupta compara as M&A das rivais Índia e
China no tocante às suas capacidades organizacionais e afirma que os
compradores indianos gerenciam melhor as diferentes culturas. “Como a Índia é
um país muito mais heterogêneo do que a China no que se refere à religião,
língua e antecedentes étnicos, os compradores indianos lidam com a integração
das M&A com um preparo mais completo sobre como respeitar e gerir
diferenças, quando recuar e quando se impor”, relata.
“Embora o
quadro corporativo tradicional esteja repleto de acordos fracassados, várias
das multinacionais de mercados emergentes de perfil mais sofisticado
tornaram-se ainda mais sofisticadas e prosperaram exatamente através de suas
aquisições”, escrevem Mauro Guillen e Esteban Garcia Canal no livro “Regra dos
mercados emergentes: estratégias de crescimento dos novos gigantes globais” [Emerging
Markets Rule: Growth Strategies of the New Global Giants]. Para as
multinacionais emergentes que se aventuram nas M&A, os desafios são
complexos, mas as recompensas são excelentes.
*Serviço
gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade
da Pensilvânia, e Universia, rede de universidades que conta com o apoio do
Banco Santander.
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