Campo Grande/Bentonville - Quando o
Walmart
começou sua expansão na cidade de Campo Grande (MS) sete anos atrás, a
economia estava crescendo e executivos se mostravam ansiosos para abrir
lojas mesmo em locais tradicionalmente pouco indicados, como vias de mão
única que levam para fora da cidade.
A ofensiva acabou não durando. No fim de dezembro, a varejista norte-americana fechou suas lojas de atacado Maxxi em
Campo Grande
como parte de uma reestruturação em que encerrou 60 unidades no Brasil,
incluindo alguns hipermercados. Consumidores disseram que as lojas não
podiam competir em termos de sortimento, preço e localização.
"Não estava claro para quem era o Maxxi. Não era barato o suficiente
para os pobres. Mas não havia apelo para a classe média", disse Ordecy
Gossler, 40 anos, contador que enchia seu carrinho de compras com
artigos de limpeza em uma loja Atacadão rede rival controlada pelo
francês Carrefour, em Campo Grande.
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"Quando anunciaram em dezembro que os dois Maxxi fecharam, ninguém do meu trabalho sabia onde eles ficavam."
Atualmente, o Wal-Mart tem apenas um supermercado na cidade de 850 mil
habitantes, cuja demografia marcada por consumidores parcimoniosos
pareceu em algum momento adequada à maior varejista do mundo.
A empresa fechou a outra unidade na cidade no fim do ano passado,
conforme o tráfego de clientes caiu no shopping center que deveria ser
sua âncora.
A saída de Campo Grande é emblemática das questões mais amplas que o
Wal-Mart enfrenta no Brasil, que foi por algum tempo destino importante
de varejistas estrangeiros e outras companhias, mas que desacelerou. E o
desempenho ruim da maior economia da América Latina mostra como as
táticas que ajudaram o Wal-Mart a ter sucesso nos Estados Unidos às
vezes não funcionam em outros países.
Os resultados internacionais da companhia têm sido anêmicos, apesar do
investimento de 22 bilhões de dólares nos últimos cinco anos. No ano
passado, o Wal-Mart gerou margem de lucro operacional de 4,5 por cento
nos mercados internacionais, bem abaixo do retorno de 7,4 por cento
publicado nos Estados Unidos.
Buscando retornos mais altos, o presidente-executivo do Wal-Mart, Doug
McMillon, anunciou em outubro uma revisão estratégica para os ativos
globais da companhia. Alguns analistas especularam que o Wal-Mart
poderia sair do Brasil, assim como de outros países da América Latina,
onde já está fechando outras 55 lojas.
O recuo no Brasil também remete a outros problemas sofridos pela empresa
fora dos EUA, incluindo Coreia do Sul e Alemanha, dois mercados que o
Wal-Mart abandonou em 2006.
Fica no Brasil
No Brasil, em particular, a empresa tem sido afetada pela localização de
suas lojas em pontos ruins, operações ineficientes, questões
trabalhistas e preços não competitivos. Com alguns dos problemas tendo
surgido durante o crescimento agressivo de uma década, de acordo com
entrevistas com dezenas de antigos e atuais executivos do Wal-Mart,
assim como analistas, consumidores e funcionários.
O Wal-Mart disse que não comentaria seus resultados financeiros no
Brasil antes da divulgação do balanço trimestral da companhia em 18 de
fevereiro.
Mas pessoas com acesso aos números disseram à Reuters que o Wal-Mart
publicou perdas operacionais no Brasil nos últimos sete anos.
Jo Newbould, porta-voz da varejista, disse que o fechamento de lojas é
parte dos esforços da empresa de "administrar ativamente" seus ativos
globais e que tem trabalhado para reduzir custos no Brasil.
David Cheesewright, chefe das operações internacionais do Wal-Mart,
disse em entrevista que a companhia não tem planos de deixar o Brasil.
Ele citou a decisão da companhia de investir na conclusão da
transferência de sistemas de informática legados para a plataforma mais
ampla do Wal-Mart como evidência do comprometimento da companhia com o
mercado brasileiro.
Cheesewright expressou otimismo sobre a retomada. "É um mercado que
sempre teve alto potencial, mas teve altos e baixos em termos de
desempenho", disse. "Isso acontece em momentos como de desaceleração
como este, e tenho certeza de que acontecerá o que sempre acontece,
melhora."
Crescimento
O Wal-Mart entrou no Brasil em 1995 e cresceu a passos comedidos por
quase uma década. Isso mudou em 2004-2005, quando gastou cerca de 1
bilhão de dólares para comprar dois varejistas, o Bompreço Supermercados
do Nordeste e Sonae Distribuição Brasil.
Os acordos expandiram as operações do Wal-Mart no Nordeste e Sul do
país, e marcaram o início de uma onda de investimentos que tinha como
objetivo construir presença nacional da rede.
Com as compras vieram uma série de marcas: o Wal-Mart opera atualmente
sob nove diferentes bandeiras no Brasil. No ápice da expansão, segundo
ex-executivos do Wal-Mart, a mentalidade de crescimento tomou lugar.
O avanço da economia brasileira naqueles anos convenceu executivos de
que o maior risco seria a empresa se mover muito lentamente. Como
resposta, aprovaram novas lojas baseando-se em previsões muito otimistas
de vendas futuras.
"Muitos executivos não tinham coragem de dizer: 'não abram essa loja;
não vamos aprovar mais lojas'", disse um ex-executivo de finanças da
empresa. "Por que não? Porque o Brasil era um novo país. Precisávamos
investir nele antes que outros fizessem isso." Em um período de seis
anos até o ano fiscal encerrado em janeiro de 2013, o Wal-Mart dobrou
seus pontos, atingindo aproximadamente 560 no pico. A rápida expansão
distorceu a logística do Wal-Mart --tradicionalmente um de seus pontos
fortes nos EUA, mas tem de desempenho arrastado no Brasil.
Em alguns casos, caminhões de entrega percorriam dias de estrada para
alcançarem lojas distantes de centros de distribuição. Executivos da
sede da empresa brigavam com os que dirigiam algumas lojas sobre quem
deveria bancar os custos de distribuição, segundo um ex-executivo
financeiro da empresa.
Em meio ao foco no crescimento, executivos nunca integraram totalmente
os sistemas de informação de Bompreço e Sonae. Problemas na comunicação
entre as sedes e os diferentes tipos de lojas causavam ineficiências. Os
executivos de compras, por exemplo, usavam três tipos de laptops, cada
um para sistemas diferentes e outro para a plataforma Wal-Mart, disseram
pessoas próximas ao tema.
Questões tributárias
Cheesewright disse ter estabelecido os sistemas como uma prioridade e
que a integração será concluída em meados de 2016. Ele disse que isso
permitirá que o Brasil se beneficie integralmente dos processos criados
nos EUA, ajudando a reduzir custos.
Ele também disse que o Wal-Mart estava trabalhando para entender o
complexo sistema tributário brasileiro e litígios trabalhistas,
problemas que tem enfrentado há anos. Em janeiro de 2014, o Wal-Mart
informou que encargos tributários não esperados no país e ações
trabalhistas relacionadas a iniciativas de cortes de custos comeriam 2
por cento de seu lucro anual global. Os processos trabalhistas no Brasil
também prejudicaram resultados no terceiro trimestre do ano fiscal
encerrado recentemente.
Cheesewright disse que está implementando um plano, incluindo instalação
de equipamentos avançados de controle de tempo nas lojas e treinando
funcionários para registrarem corretamente seus horários de trabalho, o
que deve reduzir o risco de processos trabalhistas.
"Muitas das coisas no Brasil tratavam-se apenas do básico: as pessoas
registravam corretamente a hora de almoço, administramos corretamente
hora extra, elas estão fazendo as pausas entre os turnos?", disse o
executivo.
O Wal-Mart, cujas vendas mesmas lojas (abertas há mais de 12 meses) no
Brasil caíram 0,6 por cento no período de agosto a outubro, não é o
único varejista a sofrer no Brasil.
Com a economia em recessão, o líder de mercado Grupo Pão de Açúcar,
controlado pelo francês Casino, teve uma queda de 2,3 por cento nas
vendas mesmas lojas entre outubro e dezembro e disse que reduzirá
investimentos em 2016.
O Carrefour se opôs à tendência, publicando um crescimento de 8,5 por
cento nas vendas mesmas lojas, graças a investimentos em hipermercados e
no crescimento do Atacadão, maior rede de atacarejo do país.
Cheesewright disse que o Wal-Mart está promvendo uma versão maior de seu
formato de descontos Todo Dia como parte de estratégia para atrair
famílias de consumidores que agora vão a lojas de atacarejo.
Outros planos incluem renovar supermercados com surtimento levemente menor e foco em comida fresca.
A tarefa para que isso se torne realidade é de Flávio Cotini, que foi
promovido este mês de diretor financeiro para chefe das operações no
Brasil.
"Quando você constrói um castelo, você tem que construir a base
primeiro. O Wal-Mart fez o contrário no Brasil", disse um ex-executivo
sênior da área internacional da empresa.
"É difícil construir uma rede nacional quando a base não está implantada."