A
recuperação judicial no Brasil está do avesso. Em muitos pontos
importantes do procedimento, alguns não citados pela legislação, a
decisão tomada é sempre contrária à efetividade e à busca pela
reerguimento da empresa em dificuldades. É o que diz o juiz
Daniel Carnio Costa, titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.
"Falta
especialização. Pode ser a melhor lei do mundo, mas sem aplicação
correta não vai atingir as suas finalidades. Temos que garantir
condições para que ela seja aplicada de maneira adequada", afirma, em
entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico. Para
ele, a solução é uma tramitação mais dinâmica do processo e um
aprimoramento do diálogo, e não só entre os credores e devedores, mas
também dentro do poder público.
Costa, que se reuniu com
integrantes do Ministério da Fazenda para falar sobre mudanças na lei e
nos procedimentos de recuperação judicial, conta que o sistema não
favorece o diálogo entre o Fisco e o Judiciário. "Porque que o Fisco vai
sentar e conversar comigo se ele não está sujeito ao processo de
recuperação?"
Carnio Costa aponta como opções uma lei de
parcelamento adequada às necessidades das empresas em recuperação e que
possa ser exigida pelos juízes para aceitar o processo de recuperação
judicial ou trazer o Fisco para o processo e discutir as melhores
saídas.
O próprio modelo de diálogo proposto pela lei,
segundo o magistrado, é contraproducente. Exige deslocamentos
desnecessários num país como o Brasil, em que as empresas e indústrias
ficam concentradas em algumas regiões. A repartição regional de varas
especializadas é vista como parte da solução pelo magistrado, que vê no
cotidiano uma das fontes de aprimoramento profissional.
"Se
é uma região com agronegócio, o julgador naturalmente vai estar por
dentro de todas as questões relacionadas com o tema. Com a vara
especializada de competência regional esses problemas serão resolvidos. E
isso não depende de mudar a Lei de Falências, acho que tem que ser por
meio de lei estadual, pois não tem nada a ver com a União", afirma.
Leia a entrevista:
ConJur
– O senhor apresentou sugestões relacionadas às mudanças pretendidas
pelo governo federal na Lei de Recuperação Judicial. A perícia prévia é
uma delas?
Daniel Carnio Costa – Essa é uma alteração que acho
importante. Mesmo não estando na lei, dá para fazer, pois se interpreta a
lei de maneira a chegar a essa conclusão. Mas se teremos uma nova lei,
ou se está sendo estudada uma nova lei, acho que essa seria uma fase
importante. Por exemplo, de 20 pedidos de recuperação recebidos este ano
aqui na vara, três foram indeferidos sumariamente porque não existia
qualquer documentação. Um foi indeferido após a perícia prévia porque se
constatou fraude ou que a empresa de fato não existia. Em um caso,
antes da perícia prévia, se constatou que a empresa não era exatamente
como o descrito na petição e a companhia desistiu depois que eu
determinei a perícia prévia. Em três casos a perícia prévia constatou
que esse não era o juízo competente, porque a recuperação deve tramitar
no local do principal estabelecimento da empresa, que não era aqui.
ConJur – Há algum levantamento sobre quanto a perícia prévia poupa em recursos que seriam gastos na tramitação processual?
Daniel Carnio Costa – Não fiz nenhum levantamento detalhado,
mas se 30% dos pedidos em média ficam nesse filtro, é possível dizer que
estamos economizando a mesma porcentagem em recursos públicos que
seriam desperdiçados. Uma coisa é ter recursos em razão de um processo
de recuperação que tem condições de gerar os benefícios esperados. É
para isso que serve o Estado. Outra coisa é usar recursos públicos em
processos natimortos. Isso é desperdício de dinheiro público. Estive
conversando com membros do Ministério da Fazenda, em Brasília, a convite
do ministro Henrique Meirelles, e a pasta está fazendo um estudo muito
interessante sobre recuperação judicial.
ConJur – Qual o objetivo do estudo?
Daniel Carnio Costa – Eles também entendem que precisamos ter
uma lei mais eficaz, e estão ouvindo todos os setores envolvidos para
saber quais são os problemas e desenhar um projeto que seja adequado.
ConJur – O que o senhor apresentou lá?
Daniel Carnio Costa – Disse a eles que, apesar de ter sugestões
de alteração na lei, precisamos de mudanças que não implicam em mudar a
norma, mas que vão dar um choque de efetividade. Não adianta nada mudar
a legislação se a aplicação não for adequada. Dei três sugestões. A
primeira, pela implantação de mais varas especializadas, pois não tem
cabimento que um processo de recuperação judicial, que é super complexo,
seja gerenciado por magistrados sem familiaridade com o tema. É até
desumano exigir que um juiz, lá no interior, que está julgando juizado
especial, júri, processo crime, ação de despejo, guarda, pensão de
alimentos, tenha que conduzir um processo de recuperação judicial
complexo.
ConJur – Qual o principal problema?
Daniel Carnio Costa – É evidente que o juiz não vai ter tempo e
condições suficientes para julgar esse processo da forma como se deve.
No Brasil nós temos poucas varas especializadas em algumas grandes
cidades, mas a maioria dos municípios não tem varas especializadas, e
nem há justificativa para ter. Nos Estados Unidos esse problema foi
resolvido com a criação de varas especializadas de competência regional.
Trazendo aqui para o Brasil e pegando, por exemplo, São
Paulo: dividimos o estado em cinco ou seis regiões com juízes de
falência em cada uma delas. Assim, qualquer caso de recuperação em São
Paulo vai ser julgado por algum deles. Fazendo a mesma coisa com todos
os estados, chutando um número, teríamos 60 juízes de falência e
recuperação no Brasil, e todos os casos seriam julgados por magistrados
especializados, trazendo mais estabilidade e previsibilidade ao
julgamento.
ConJur – Essa especialização seria por meio de cursos?
Daniel Carnio Costa – Os juízes vão ser treinados. É possível
dar treinamento permanente para 60 juízes, mas não para 12 mil. O dia a
dia também especializa. Esses julgadores também terão uma comunicação
efetiva entre si, o que propicia uniformidade maior e eleva o nível da
aplicação da lei. Isso também levará a uma melhora nos administradores
judiciais, porque vai haver comunicação entre os juízes, todos
especializados. Aqueles que são bons vão conquistar mercado e aqueles
que não são bons vão sair dele. Só com essa especialização e essa
criação de varas com competência regional que é possível fazer dessa
nossa lei uma lei muito melhor, porque ela vai ser aplicada melhor.
ConJur
– Fala-se muito de casos em que donos de empresas tentam levar o caso a
São Paulo por causa das varas especializadas. É verdade isso?
Daniel Carnio Costa – Ocorre isso e o inverso também. Na Europa e nos Estados Unidos isso é chamado de forum shopping.
Eles tentam buscar um foro que seja mais adequado aos interesses deles.
Aqui em São Paulo há uma fiscalização muito mais intensa porque nós
temos varas especializadas. Por isso as empresas que têm intenção de que
a recuperação seja adequada querem vir para cá. Mas existem empresas
que deveriam ajuizar sua recuperação judicial aqui, mas querem fugir de
São Paulo. Talvez não queiram que o processo ande da forma como deveria,
talvez para ganhar algum tipo de vantagem com a morosidade processual
ou com a ausência de fiscalização.
ConJur – Seria possível também uma especialização do juiz no negócio preponderante da região?
Daniel Carnio Costa – Aí é uma decorrência natural da atuação
do magistrado. Se é uma região com agronegócio, o julgador naturalmente
vai estar por dentro de todas as questões relacionadas com o tema. Com a
vara especializada de competência regional esses problemas serão
resolvidos. E isso não depende de mudar a Lei de Falências. Tem que ser
por meio de lei estadual, pois não tem nada a ver com a União. Além
disso, todas as questões que vão ser julgadas na recuperação judicial
são de direito empresarial, sendo julgadas por juízes estaduais. Podem
até questionar se não haveria uma concentração muito grande de poder,
mas é muito mais fácil fiscalizar 60 juízes do que 12 mil. Ou seja,
haverá ainda um aumento de fiscalização sobre esses magistrados
garantindo transparência nesses processos e evitando desvios de conduta.
ConJur – Que outra mudança o senhor sugeriu em Brasília?
Daniel Carnio Costa – Um dos grandes problemas da empresa em
recuperação é financiamento, pois o acesso ao crédito bancário é
restrito. Existe uma regulamentação do Banco Central que faz uma
classificação de risco de empréstimos bancários com base no sistema
chamado VAR [sigla para Value at Risk]. Esse sistema controla o
risco sistêmico do sistema bancário. Eles qualificam os negócios e os
empréstimos e as empresas de AA – que é o menor risco, ou seja, aquela
companhia será adimplente – até H que é a classificação de empresas
com altíssimo risco de inadimplência concedida automaticamente às
empresas em recuperação judicial. Quando o banco pretende emprestar para
uma empresa H, ele tem que provisionar no Banco Central 100% do capital
emprestado para garantir que não haverá um risco sistêmico no caso de
inadimplência dessas empresas.
ConJur – Inviabiliza a oferta.
Daniel Carnio Costa – Ora, se o banco tem que provisionar um real para cada real emprestado a uma empresa de rating
H, na prática, esse financiamento fica praticamente inviável. Assim, as
empresas em recuperação judicial vão se financiar vendendo ativos, que é
o que acontece em 90% dos casos. Ou por meio de outras formas de
investimento (estrangeiros, outras empresas, instituições não bancárias,
mas financeiras e que injetam dinheiro ali naquele negócio). É preciso
mudar a regulação do Banco Central. Não quero que seja abandonada essa
postura cuidadosa em relação ao risco sistêmico, mas por que presumir
que uma empresa em recuperação é pior que uma outra empresa qualquer?.
Por que não deixar que o banco faça uma análise de risco em relação à
empresa? Mudando a regulação do Banco Central, colocamos dinheiro novo
na veia das empresas.
ConJur – E qual foi a terceira sugestão?
Daniel Carnio Costa – Antes de mudar qualquer coisa na Lei de
Recuperação, deveríamos ter uma lei de parcelamento especial para
empresas em recuperação. Para que a empresa possa entrar em recuperação,
ela deve aderir a um parcelamento especial, obter uma certidão desse
parcelamento. Mas durante muito tempo não tínhamos essa lei e a Justiça
acabou decidindo que vai sem lei mesmo, porque se for exigida uma
certidão de parcelamento de uma iniciativa que não existe, não é
possível conceder recuperação e a sociedade vai colher todo o prejuízo
decorrente disso. Então os tribunais começaram a deferir recuperação
para empresas com um passivo fiscal não equacionado.
ConJur – Essa é uma reclamação recorrente das entidades fazendárias.
Daniel Carnio Costa – Mas o pior é que o Fisco não faz parte
da recuperação. Então, em tese, ele pode prosseguir com as execuções
fiscais contra a empresa. Mas o STJ já decidiu que para retirar algum
ativo da empresa, para expropriar algum ativo da empresa, o juízo da
recuperação tem de autorizar, porque só ele tem condições de saber se
aquele ativo é essencial ou não ao desenvolvimento da atividade. Na
maioria dos casos, é essencial. Na maioria dos casos, o Fisco não
consegue receber pelo plano porque não faz parte da recuperação. E não
consegue receber por fora do plano porque não há parcelamento especial e
as execuções não compensam efetivamente o crédito. Recentemente uma lei
criou esse parcelamento especial para empresas em recuperação, só que a
norma veio com termos não adequados à recuperação, criando condições
menos favoráveis do que a de um Refis.
ConJur – Isso não cria uma anomalia, onde Fisco e Judiciário não se conversam?
Daniel Carnio Costa – Exato. E continua tendo um maior
prejudicado nessa história: o Fisco. Seria muito melhor o Fisco criar
esse parcelamento em 120 vezes, que o mercado entende como adequado,
para começar a receber esses valores, em vez de bater o pé e dizer que
não, limitando em 84 vezes, e o Judiciário não exigir essa certidão.
Portanto, veja: essas três mudanças gerariam um verdadeiro choque de
efetividade na aplicação dessa lei exatamente como ela está.
ConJur – Isso não chegou a ser discutido no Congresso?
Daniel Carnio Costa – O projeto dessa lei foi apresentado de
maneira adequada, com parcelamento em 120 vezes, desconto de juros e
multa, só que esses artigos foram vetados pela então presidente da
República em duas ocasiões. O fato é que a lei do jeito que está não
está atendendo às necessidades e o judiciário continua deferindo
recuperação sem exigir essa certidão.
ConJur – Só essas mudanças já resolveriam os problemas?
Daniel Carnio Costa – Outra coisa é uma mudança nos planos de
recuperação judicial, que davam deságios altíssimos. As críticas que se
faziam a esses planos não tinham pé nem cabeça. Tecnicamente não paravam
em pé. Nos Estados Unidos existe uma fase do processo chamada disclosure statement,
que é quando o devedor apresenta o plano e o juiz faz uma análise
técnica. Não importa se o plano é bom ou ruim, importa se o plano diz
que eu tenho três de ativos para pagar três de credores, por exemplo.
Mas, no Brasil, temos planos que presumem faturamento de, por exemplo,
R$ 100 para pagar todos os credores. Mas quando são analisados os
últimos cinco anos, o faturamento da companhia foi de R$ 10. Nos EUA, o
juízo faz essa análise auxiliado por um perito. A partir do momento em
que o plano foi aprovado do ponto de vista técnico, aí sim ele pode ser
apresentado para ser votado pelos credores.
ConJur – Isso pode ser trazido para cá?
Daniel Carnio Costa – Poderíamos adotar isso no Brasil também.
Apresenta o plano e o juiz faz uma análise técnica, para então poder
submetê-lo aos credores. Aqui, os credores devem votar sobre o plano em
uma assembleia geral, e o credor que quiser votar tem que ir à reunião
ou mandar um procurador. Só que nessas recuperações grandes, tem credor
no Brasil inteiro, mas a reunião tem de ser em São Paulo. Isso é um
limitador de acesso dos credores ao processo, especialmente dos menos
favorecidos.
ConJur – Como isso se reflete em situações concretas?
Daniel Carnio Costa – Poucos credores comparecem à
assembleia. E a nossa lei leva em consideração como quórum de aprovação
os credores presentes. Para o plano valer é preciso que ele seja
aprovado nas classes 1 e 4 pela maioria dos credores presentes (voto por
cabeça) e nas classes 2 e 3 em voto “por cabeça e crédito” presentes –
maioria de credores que representem a maioria do crédito. Se tenho um
passivo de R$ 2 bilhões, mas lá na assembleia eu tenho credores que
representam R$ 10 milhões, com apenas R$ 5 milhões de aprovação o plano é
aceito. Se eu tenho 100 mil credores, mas só 200 vão à assembleia, o
plano é aprovado com 100 votos. Isso cria um problema de legitimidade da
decisão.
ConJur – Qual a solução?
Daniel Carnio Costa – Não precisaríamos ter uma assembleia
geral de credores. Aprovado o plano pelo juiz, ele estabelece um prazo
para que o devedor apresente a anuência dos credores em número
suficiente para a sua aprovação e o devedor que vá atrás dos credores.
ConJur – E se ele não conseguir?
Daniel Carnio Costa – Segundo a lei americana, se ele não
conseguir apresentar a aprovação do plano naquele prazo, abre-se a
possibilidade de os credores apresentarem planos alternativos, que
também considero um exemplo a seguir. No Brasil, a assembleia decide
presencialmente, e, se o plano não for aprovado, é falência. Isso faz
com que os credores tenham que decidir sobre coisas muito graves.
ConJur – Podendo até aprovar um projeto inviável só para tentar conseguir o dinheiro depois.
Daniel Carnio Costa – Exatamente. Isso deveria mudar. Vamos
adaptar à nossa realidade. Por exemplo, o plano foi rejeitado? Então os
credores têm que decidir agora se é feita a convolação em falência ou se
o processo é encerrado e cada credor cobra individualmente da empresa.
ConJur – De quanto seria esse prazo para colher a anuência dos credores?
Daniel Carnio Costa – Nos Estados Unidos eles dão de 120 a 180 dias.
ConJur – É suficiente?
Daniel Carnio Costa – Lá, é. Aqui talvez a gente tenha que discutir um pouco mais para a nossa realidade.
ConJur – Por causa da burocracia?
Daniel Carnio Costa – É. Aqui o Brasil estabelece 60 dias para ele apresentar um plano e 150 para acontecer a assembleia.
ConJur – E a figura do administrador judicial?
Daniel Carnio Costa – Uma última mudança é a regulação mais
adequada e detalhada da função do administrador judicial. O
administrador judicial é uma figura fundamental no processo de
recuperação. A lei diz, no
artigo 21.
ConJur – Sim, mas há uma pequena lista de profissões que podem ser administradores judiciais.
Daniel Carnio Costa – Mas a lei não diz. Ela deveria ser mais
detalhada em relação à função. O administrador judicial tem que fazer
uma fiscalização intensa da recuperanda, na atuação dela no processo e
sobre as atividades empresariais. Não tem o menor cabimento o
administrador judicial servir de office boy da empresa. Ele vai
uma vez por mês lá, colhe um relatório que foi preparado pela própria
devedora para entregar ao juiz? Isso não faz sentido. Ele tem que
auditar a empresa, porque é isso que vai gerar a confiança necessária
dos credores no processo para que eles possam negociar.
ConJur – Como criar um ambiente favorável ao diálogo?
Daniel Carnio Costa – Um ambiente favorável à negociação
pressupõe conversa, que um acordo seja feito, concessões
recíprocas. E muitas vezes há a necessidade de se fazer uma mediação
para se conseguir um bom resultado. O administrador judicial pode atuar
nesse ponto, mas o juiz também pode fazer isso. Tenho feito audiências
de gestão democrática, que são audiências de mediação.
ConJur – Como elas funcionam?
Daniel Carnio Costa – Quando identificamos um determinado
problema e que há necessidade de conversar com vários acionistas ao
mesmo tempo, marco uma audiência, todos vêm aqui e conversamos todos
juntos, tentando uma solução negociada. Se isso não é possível, aí vou
decidir, mas farei isso com muito conhecimento da causa, porque ouvi
todo mundo, participei das discussões, entendi efetivamente quais eram
os problemas. Fiz isso em um caso envolvendo uma grande empreiteira.
Marquei uma audiência de gestão democrática, tinham 200 pessoas aqui
nessa sala. Evidentemente, não chegaram a nenhum consenso, mas me ajudou
a dar uma decisão que enfrentou todos os questionamentos, todos os
problemas que vi durante a nossa conversa.
ConJur – E o sistema judiciário está pronto para oferecer essa mediação na sua plenitude aos credores?
Daniel Carnio Costa – Se nós tivermos varas especializadas com
competência regional, fica muito rápido isso, porque os juízes vão ser
treinados para isso.
ConJur – A comunicação entre as varas de recuperação e falência e o Fisco é suficiente?
Daniel Carnio Costa – Tem que ser aprimorada. Praticamente não
há comunicação entre as varas de falência e o Fisco. O Fisco não
participa do processo de recuperação. Deveria participar, ou deveria ter
uma certidão, uma lei de parcelamento que garantisse ao Judiciário
exigir essa certidão. O que não dá é termos empresas em recuperação com
passivo fiscal não equacionado. É isso que gera todo esse problema. O
recolhimento de tributos é interesse público. Aqui em São Paulo,
determino que a empresa em recuperação apresente qual é o seu passivo
fiscal para que os credores tenham conhecimento e exijo que o plano de
recuperação tenha contingenciamento para pagamento desse passivo. Não
podemos aceitar uma situação em que uma empresa tem R$ 100 mil de ativos
e diz para os seus credores que vai usar esse montante para pagá-los,
mas há um passivo fiscal de R$ 40 mil. E o Fisco? Fica onde? Como juiz
vou homologar uma fraude fiscal? Não posso fazer isso.
ConJur – E o senhor espera que o Fisco seja mais incluído nessa nova lei, nessa mudança?
Daniel Carnio Costa – Espero. Se nós tivermos essa lei de
parcelamento está ótimo. Hoje há uma incoerência muito grande. Ou o
Fisco vem para dentro da recuperação ou temos que ter uma lei que crie
um parcelamento para que o juiz possa exigir essa certidão no momento de
conceder a recuperação.
ConJur – Quais são as
preocupações adicionais que devem ser tomadas em recuperações envolvendo
empresas ligadas a esquemas criminosos?
Daniel Carnio Costa – Transparência. Devemos garantir absoluta
transparência em relação aos dados da empresa em recuperação para
conseguir identificar esse tipo de situação. A atividade dessa empresa é
lícita? Se for, ela tem que ser encerrada? Se ela for usada para
praticar crimes, ela deve ser encerrada. Mas outra coisa é um gestor que
praticou crimes no exercício daquela atividade. O problema não é a
atividade, é o gestor. Ele tem que ser retirado. Agora, se há uma
comunicação tão grande entre a atividade ilícita e a da empresa, é
preciso fechá-la. Mas não há uma regra, é preciso analisar caso a caso.
ConJur – Qual o impacto da operação “lava jato” na recuperação judicial?
Daniel Carnio Costa – A "lava jato" acabou desnudando uma
situação de absoluta impropriedade nas relações negociais entre algumas
empresas e o poder público. Atrás de grandes empresas há sempre uma
cadeia de empresas dependentes, e algumas delas têm entre essas grandes
suas principais clientes. Se a Petrobras não tem novos projetos, deixa
ou atrasa o cumprimento de outras obrigações, essas empresas que estão
atrás dela começam a sofrer também. E atrás dessa segunda empresa tem
uma terceira. É uma fila de dominós, as peças vão caindo uma sobre a
outra. Mas o importante é que a gente saiba diferenciar o joio do trigo.
ConJur – Em que sentido?
Daniel Carnio Costa – Uma coisa são os criminosos, que devem
ser punidos, outra coisa é a atividade empresarial, que deve ser
preservada. Todo mundo perde se a atividade empresarial cessa. Há
empresas envolvidas que geram 120 mil empregos diretos. Já imaginou se
fecham? Serão milhares, centenas de milhares de empregos, diretos e
indiretos, que desaparecerão. A atividade econômica entra em colapso.
Temos que entender que há diferença entre punir os culpados e exigir
atitudes de compliance da empresa e preservar a atividade
empresarial, porque isso é importante. Ainda que em mãos de outras
pessoas, é preciso preservar a atividade empresarial.
ConJur
– Existem empresas envolvidas na “lava jato” com famílias em sua
direção. Como separar a atividade empresarial do crime nessas situações?
Daniel Carnio Costa – Uma das possibilidades que a própria Lei
de Recuperação traz é afastar os gestores e colocar outros no lugar. Se
há uma contaminação tal que a presença daqueles gestores inviabiliza o
prosseguimento da atividade empresarial, que se afaste o gestor e que se
garanta a preservação daquela atividade. Também não estou dizendo para
preservar a pessoa jurídica. Estou falando da atividade empresarial.
Tive um caso de recuperação em que uma empresa foi dividida em 17
partes, que depois foram vendidas, gerando 17 outras companhias,
preservando todos os empregos. Isso pode acontecer. É preservar a
atividade em função dos benefícios que ela traz. Não é proteger o
empresário, nem proteger a pessoa jurídica e nem blindá-los da
responsabilidade civil e penal. Eles têm que ser punidos, mas
preservando-se a atividade empresarial.
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