Lei buscou disciplinar a matéria de forma expressa, sanando dúvidas que existiam sobre a questão
1. Conceito e fundamentos
A
sucessão trabalhista é o fenômeno pelo qual ocorre a transferência de
titularidade de empresa ou estabelecimento, com transmissão de créditos
pela sucedida e assunção de dívidas pela sucessora.
Três
princípios fundamentam a sucessão empresarial no âmbito trabalhista:
continuidade, despersonalização do empregador e intangibilidade
contratual objetiva.
Pelo
princípio da continuidade, tem-se que o contrato de trabalho tende a se
perpetuar no tempo, diante da sua função social de garantir o sustento
do trabalhador e de sua família. Assim, as contratações por tempo
determinado não são a regra, mas sim a exceção. No âmbito da sucessão, o
referido princípio determina que os contratos tendem a continuar, a
despeito das alterações promovidas no âmbito da empresa, a exemplo de
mudança de sócios, alteração na estrutura jurídica ou até mesmo
transferência do estabelecimento.
O
princípio da despersonalização do empregador parte da noção de que o
contrato de trabalho só é personalíssimo quanto ao empregado, tanto
assim que a lei exige, para configuração do vínculo de emprego, o
requisito da pessoalidade na prestação de serviços. Tal requisito não se
aplica ao empregador, salvo raras exceções, sendo regra que a alteração
do empregador não interfere na subsistência do contrato de trabalho.
Por
fim, o princípio da intangibilidade contratual objetiva, que é um
aspecto da inalterabilidade contratual prevista no art. 468 da CLT,
determina a prevalência dos aspectos objetivos do contrato (cláusulas),
mesmo diante de alterações subjetivas, ou seja, mudança da pessoa
jurídica que se encontra no comando da empresa.
O
próprio artigo 2º da CLT, ao dispor que o empregador é a empresa,
individual ou coletiva, e não a pessoa natural ou jurídica, adotou tese
expressa no sentido de considerar empregador a atividade empresarial,
independente de quem a esteja dirigindo. Assim, se um estabelecimento
empresarial é transferido entre duas pessoas jurídicas, a adquirente
passa à condição de empregador, uma vez que a atividade econômica agora
será desenvolvida sob sua responsabilidade.
2. Regramento legal anterior à Reforma Trabalhista
Antes
da Lei 13.467/2017, não havia regramento específico sobre sucessão
trabalhista, embora tal fenômeno já decorresse das redações dos artigos
10 e 448 da CLT.
O
artigo décimo dispõe que “Qualquer alteração na estrutura jurídica da
empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”. A
amplitude do dispositivo já permitia acolher a figura da sucessão
trabalhista, assegurando ao empregado a continuidade do contrato de
trabalho e de suas cláusulas fundamentais.
O
artigo 448, por sua vez, dispõe que: “A mudança na propriedade ou na
estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos
respectivos empregados”. Novamente o ordenamento jurídico resguardou o
direito dos empregados à manutenção das antigas condições de trabalho, a
despeito da transferência de propriedade do estabelecimento e dos meios
de produção.
Vê-se,
em ambos os dispositivos, novamente referência à empresa e não à pessoa
natural ou jurídica, o que reafirma a tese, muito criticada por suposta
atecnia, de que o empregador é a atividade empresarial e não a pessoa
jurídica. Assim, ocorrendo transferência da atividade, o sucessor passa a
ser empregador e o sucedido é retirado da relação de emprego.
3. Requisitos para configuração da sucessão
Tradicionalmente,
a doutrina e a jurisprudência exigiam, para a configuração da sucessão
trabalhista, a confluência de dois requisitos: a transferência do
estabelecimento empresarial e a continuidade de prestação de serviços
pelo empregado.
Délio
Maranhão destaca que a alienação do estabelecimento não se opera quando
a transferência afete elementos isolados, mas sim a universalidade, o
conjunto do que foi considerado como res productiva, em função de sua capacidade de produzir um rendimento (MARANHÃO, 1999).
O
sucessor, agora novo proprietário da unidade produtiva, passará a
explorar a atividade econômica e aproveitará o estabelecimento, nome e
clientela do antigo empreendedor. Em razão deste aproveitamento é que se
justifica sua responsabilização pelos contratos anteriores. Em suma, o
sucessor não herda apenas o ativo, mas também o passivo do
estabelecimento.
De
acordo com a teoria clássica, se houvesse interrupção da prestação de
serviços pelo empregado, não se operaria a sucessão trabalhista. Vale
dizer, se a empresa sucedida, antes da alienação, dispensasse o
empregado, seria ela a única responsável pelas parcelas trabalhistas a
ele devidas. A empresa sucessora, por nunca haver se beneficiado
diretamente do labor do empregado, não teria qualquer responsabilidade.
Doutrina
e jurisprudência evoluíram ao ponto de dispensar a continuidade da
prestação de serviços como requisito para a configuração da sucessão
trabalhista. Prevaleceu a noção de que não poderia o sucedido transferir
todo o ativo sem onerar o sucessor com as respectivas obrigações
trabalhistas. Tal situação ensejaria nítido prejuízo ao empregado, que
muitas vezes perderia a garantia de recebimento de suas verbas
alimentares.
O
entendimento anterior permitia inúmeras fraudes e esvaziamento
patrimonial, em situações nas quais o sucedido rompia o contrato de
trabalho, alienava o estabelecimento e respondia sozinho pelas verbas
trabalhistas, mas sem qualquer lastro patrimonial que as garantisse.
Neste
contexto, o Tribunal Superior do Trabalho adotou, através da OJ 261 da
SDI-I, a tese de que o banco sucessor responde pelas obrigações
trabalhistas contraídas pelo banco sucedido mesmo em período anterior à
sucessão, uma vez que ele se beneficiou dos ativos que lhe foram
transferidos:
As
obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os
empregados trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do
sucessor, uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências,
os direitos e deveres contratuais, caracterizando típica sucessão
trabalhista.
A
jurisprudência aos poucos passou a abandonar a exigência da
continuidade de prestação de serviços, conforme se vê no julgamento do
E-RR-93400-11.2001.5.02.0048, SBDI-I, rel. Min. Brito Pereira, 4.4.2013,
adotando como requisito fundamental apenas a transferência da unidade
produtiva.
Cumpre
esclarecer que a mera utilização do mesmo endereço comercial não
configura transferência da unidade produtiva. É o que ocorre, por
exemplo, na situação em que uma empresa locatária, que explorava
atividade de comércio de roupas, devolve o imóvel ao locador que, por
sua vez, celebra novo contrato de aluguel, desta vez com um restaurante.
No
exemplo acima mencionado, não houve qualquer relação jurídica entre a
empresa que deixou o imóvel e a nova empresa que passou a ocupá-lo. A
ausência de liame jurídico entre as empresas, que apenas ocuparam o
mesmo espaço em tempos diferentes, afasta qualquer pretensão de
configuração de sucessão trabalhista.
Situação
diferente ocorre quando um restaurante, já em funcionamento há anos em
certo ponto comercial, transfere sua unidade a outro empreendedor, que
continua explorando a atividade de venda de alimentos, com mesmo fundo
de comércio, mesmos equipamentos e clientela, valendo-se de todo o
patrimônio imaterial alcançado pelo empreendedor anterior. Nesta
situação, é evidente a sucessão trabalhista e o sucessor responderá
pelas dívidas trabalhistas atuais e pretéritas da empresa sucedida.
4. Reforma Trabalhista e sucessão
A
Lei 13.467/2017 buscou disciplinar a matéria de forma expressa, sanando
dúvidas que existiam sobre a questão. Editou-se o art. 448-A da CLT,
nos seguintes termos:
Caracterizada
a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448
desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à
época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de
responsabilidade do sucessor. Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.
Inicialmente,
a lei nova previu, em caso de sucessão empresarial, a responsabilidade
da empresa sucessora, não apenas quanto às obrigações trabalhistas
posteriores à sucessão, mas também em relação aos débitos antigos.
Neste
ponto, o legislador reformista assimilou a tese consagrada na
Orientação Jurisprudencial º 261 da SDI-1 do TST, baseada na noção de
que a aquisição do estabelecimento empresarial teria o efeito de
transferir não só os ativos, mas também todo o passivo trabalhista.
Em
relação à empresa sucessora, via de regra estará ela isenta de qualquer
responsabilidade, se licitamente transferiu o estabelecimento,
despojando-se dos ativos e também dos passivos da empresa.
No
entanto, quando a sucessão opera-se de forma fraudulenta, previu a lei a
responsabilização solidária entre as empresas envolvidas, de modo que
ambas podem responder pelos débitos oriundos dos contratos de trabalho
firmados em período anterior à sucessão.
A
responsabilização solidária em caso de fraude já era defendida por
parte da doutrina e jurisprudência pátrias, até mesmo com base no art.
942 do Código Civil, que prevê responsabilização solidária de todos os
envolvidos no ato ilícito.
Foi
adequada a solução prevista na lei. Em se tratando de sucessão lícita, a
responsabilidade será apenas do sucessor; havendo, porém, sucessão
fraudulenta, ambas as empresas serão responsáveis, pois agiram em
conluio para prejudicar o trabalhador.
Questão
controvertida que surgirá após a Reforma é a aplicabilidade do novo
dispositivo legal às situações em que a jurisprudência negava a
responsabilização do sucessor, como no caso de desmembramento de
municípios (OJ 92) e em situações de falência e recuperação judicial
(Lei 11.101/2005).
Tais
entendimentos foram firmados à luz da legislação trabalhista vigente à
época, que não previa, de forma expressa, a responsabilização do
sucessor por todo o passivo trabalhista. Apesar disso, é plenamente
possível a subsistência das exceções acima mencionadas, pois lastreadas
em regras e princípios especiais, os quais não sofrem os influxos das
regras gerais instituídas no art. 448-A da CLT.
5. Conclusão
A Lei nº 13.467/2017, ao instituir a Reforma Trabalhista, regulamentou expressamente sucessão trabalhista.
Neste
ponto, não se vislumbra retrocesso quanto à garantia do credor
trabalhista. A sucessão passou a ser prevista de forma expressa na CLT,
inclusive com fixação da natureza das responsabilidades do sucessor e do
sucedido, estabelecendo-se o limite e alcance de tal responsabilidade.