Crise surgiu no sistema de hipoteca imobiliária dos EUA
O marco da crise financeira internacional deste século, a
quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, completou 10 anos no
sábado (15). Conhecida também como crise do subprime, em
referência aos créditos de alto risco vinculados a imóveis, que foram
concedidos em larga escala e de forma irracional por décadas, esse
processo resultou na formação de uma bolha financeira que explodiu no
quarto maior banco de investimentos norte-americano, que tinha 158 anos.
O
colapso dos mercados mundiais naquele dia e pelas semanas seguintes foi
tão grave que obrigou o Federal Reserve (Fed), o Banco Central dos
Estados Unidos, e o Banco Central Europeu (BCE), a injetar centenas de
bilhões de dólares e euros no sistema financeiro. A crise alastrou-se
mundo afora e causou impactos sem precedentes em países como Grécia,
Espanha, Irlanda, Islândia e Portugal. Em todo o planeta, mais de 400
milhões de pessoas ficaram desempregadas na pior crise econômica desde a
Segunda Guerra Mundial, só comparável à quebra da Bolsa de Nova York,
em 1929. Os sinais dos problemas iniciaram-se em 2007, mas a crise dos subprime
teve como início oficial a falência do Lehman Brothers, em 15 de
setembro de 2008, quando a insolvência dos créditos imobiliários não
pôde mais ser disfarçada e o Fed não ajudou a instituição financeira. Na
época, as agências de classificação avaliavam com nota máxima (baixo
risco) grande parte dos títulos de contratos de hipoteca dos tomadores subprime, desconsiderando a renda e a estabilidade dos mutuários.
As
condições de geração da crise partiram de uma questão localizada, no
sistema de hipoteca imobiliária dos Estados Unidos, segundo o economista
Reinaldo Gonçalves, professor titular da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). No entanto, a globalização financeira elevou as
consequências para uma escala planetária. “Esses títulos ‘podres’ do subprime
foram umas coisas mais inusitadas em 200 anos de história do sistema
econômico moderno. Como a economia americana é o epicentro do sistema
monetário e financeiro do planeta, os impactos foram extremos”, explica.
Professor de macroeconomia e economia internacional da Universidade
Federal Fluminense (UFF), André Nassif afirma que a crise do subprime
é inerente ao próprio capitalismo. Segundo ele, em épocas de
crescimento, como nos anos 1990 e 2000, o mercado exagerou no otimismo e
ignorou riscos. “Dois anos antes do estouro da bolha, em 2006, o
economista Nouriel Roubini [especialista em prever crises financeiras]
havia detectado o excessivo endividamento das famílias norte-americanas
e alertado para o estouro da bolha imobiliária, mas foi ignorado
justamente porque a economia mundial vinha de um ciclo de 14 anos de
expansão”, recorda.
Gonçalves lembra que, em 2009, por causa da
intervenção estatal do governo norte-americano para salvar o sistema
financeiro, o déficit público da maior economia do mundo subiu a 12% do
Produto Interno Público (PIB). A dívida pública dos Estados Unidos
saltou de 55% para 100% do PIB em pouco tempo. Os gastos públicos
diretos, em programas de infraestrutura, de geração de empregos e de
salvamento de grandes empresas, como a montadora General Motors, somaram
cerca de US$ 750 bilhões. Apesar do elevado volume em valores
absolutos, Nassif, da UFF, classifica de tímido o aumento de gastos
públicos. “Para o tamanho do PIB dos Estados Unidos, esse volume [em torno de US$ 750 bilhões] não representou muito”, analisa. Ele relembra que a principal contribuição para debelar a crise, no entanto, foram os quantitative easings,
injeções de dinheiro pelo Banco Central dos Estados Unidos, que
superaram US$ 10 trilhões. A medida foi repetida pelos bancos centrais
Europeu, do Reino Unido e do Japão.
Segundo Nassif, embora os
livros tradicionais de economia não recomendem o afrouxamento monetário
em momentos de baixo crescimento e baixa inflação, a experiência dos
Estados Unidos só deu certo porque o dólar, como a principal moeda
internacional, melhorou a competitividade da economia norte-americana.
“Por causa da importância do dólar, as injeções de dólares vazaram para o
sistema financeiro global, desvalorizando a moeda em todo o mundo e
aumentando as exportações norte-americanas”, explica. Paralelamente, o
governo norte-americano reintroduziu a regulação do sistema financeiro,
que tinha sido derrubada a partir dos anos 1980. Em 2010, o governo
Barack Obama conseguiu a aprovação da Lei Dodd-Frank, que impôs
obrigações às grandes instituições financeiras, como alocação de
reservas para grandes crises e testes financeiros de resistência.
O
atual presidente, Donald Trump, tenta flexibilizar pontos da legislação
sob o argumento de destravar o mercado de crédito no país, que ficou
mais restrito desde então. Segundo Nassif, a manutenção de travas que
obriguem as instituições financeiras a adotarem medidas de prudência é
essencial para que a especulação financeira não volte a produzir bolhas
como a do subprime. “Crises de estouro de bolhas especulativas
ocorreram diversas vezes ao longo da história. Somente a regulação
financeira é capaz de impedir a valorização de ativos descolada da
realidade”, ressalta. Com 4,2% de crescimento em ritmo anualizado em
julho (quando o resultado de um mês é projetado para os 12 meses
anteriores) e com desemprego atual em 3,9%, a economia dos Estados
Unidos está plenamente recuperada da pior crise desde a Grande Depressão
de 1929.
Nassif diz que a redução de impostos para empresas que
entrou em vigor no ano passado turbinou a economia norte-americana. Ele,
no entanto, acredita que o efeito durará pouco. “Esse tipo de política,
de desonerar grandes empresas para estimular a economia, é semelhante à
praticada no Brasil no início desta década. Gera resultados no curto
prazo, mas resulta em inflação e baixo crescimento no médio e no longo
prazo porque estimula a demanda, enquanto os empresários entesouram [não gastam na produção] o que deixam de pagar de impostos”, explica o professor da UFF.
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