Exigências do TCU em relação ao modo como o Governo Federal compra
produtos e serviços na área de TI podem levar o mercado a adaptar seu
modelo de negócios a uma nova realidade.
É praticamente impossível operar qualquer negócio hoje sem o uso de
ferra- mentas de TI. Grandes bancos de dados, sistemas de gestão,
pagamentos online, de atendimento, de compras… Quase tudo o que se possa
imaginar, de um jeito ou de outro, passa por esses grandes sistemas de
informação. No setor público eles são ainda mais oni- presentes e
fundamentais, para que a pesada máquina possa funcionar nas suas
diferentes áreas, da gestão dos programas sociais até as urnas
eletrônicas.
O mercado de TI no mundo inteiro, especialmente em suas áreas mais
críticas, é dominado por alguns poucos gigantes. Essas grandes empresas
ocupam o mercado de softwares de gestão e banco de dados com suas
soluções de ponta. Apesar disso, esse universo é composto por um grande
número de atores. O modelo comercial do setor envolve, além das grandes
fabricantes (donas da tecnologia), distribuidores, revendedores e
integradores, que além de vender fazem a implantação do siste- ma.
Enquanto os fabricantes atendem, via de regra, as grandes contas, em
especial grandes corporações privadas, o atendimento às empresas médias e
pequenas é feita pelos revendedores e integradores, que por sua vez são
atendi- dos pelos distribuidores, que compram grandes quantidades de
“licenças” para atender a esses segmentos.
Até aí, a dinâmica não difere em nada de tantos outros grandes
mercados, nos quais os grandes players se limitam a atender diretamente
aos clientes de grande porte, e utilizam de uma rede de distribuição
independente para obter capilaridade e chegar, ainda que indiretamente,
com suas soluções ao restante do mercado.
E como fica o atendimento ao setor público? Afinal, o Estado é
altamente demandante dessas soluções de tecnologia e, portanto, em seu
conjunto, grandes clientes. Com raras exceções, as grandes empresas
optaram por estabelecer o atendimento ao setor público de forma
indireta, via revendedores. Inclusive no caso do Executivo Federal, o
maior cliente público do País.
Parte dessa opção tem a ver com a forma como, ainda hoje, o Governo
organiza suas compras de tecnologia. Apesar de ser, em tese um ente
único, o Executivo Federal não realiza suas compras de forma
centralizada. Na verdade, não existe sequer o compartilhamento de
informações técnicas e de valores pagos entre os diferentes órgãos. Isso
faz com que uma determinada secretaria ou autarquia não se valha da
escala de compras, nem da expertise técnica e nem do compartilhamento de
serviços com outros órgãos do governo. Ou seja, ela acaba sendo tratada
não como parte de um grande contrato de compras – como uma
multinacional pode estabelecer com as fábricas –, mas como uma pequena
empresa. O ponto é que o bolso que paga nesse caso é um só: o nosso. Sem
falar que se abrem muito mais frentes para eventuais ilícitos como
formação de cartéis e corrupção, especialmente em órgãos menos
estruturados.
Quando o calo aperta
Outro motivo, esse mais diretamente relacionado ao compliance, reside
nos riscos que costumavam estar “embutidos” nas vendas para o setor
público. Esses riscos começaram a crescer de forma exponencial para as
grandes multinacionais do setor com o avanço de legislações como a
Sarbanes-Oxley (SOx) e dos enforcements relacionados ao FCPA, em meados
da década passada. Vale lembrar que alguns dos nomes mais importantes do
setor foram alvos de processos (e outros estão sendo investigados) por
violações ao FCPA praticada por parceiros de negócios dessas companhias
em outros países.
Para Mariano Gordinho, presidente da Abradisti, associação que reúne
os distribuidores da área de TI, esse foi um dos motivos pelos quais as
empresas optaram por não vender aos governos no Brasil. “A partir do
momento que os mercados internacionais começaram a ficar mais
pressionados pelas questões tipicamente de compliance e que começamos a
ver punições reais, com vários incidentes comprometendo a integridade de
companhias, a preocupação dos fabricantes com o compliance se tornou
maior”, diz o dirigente.
Ao passar a vender apenas via distribuidores e revendedores, muitas
empresas passaram a acreditar que transferiram o risco das vendas
públicas ao distribuidor, e junto com isso, as questões éticas e de
compliance da companhia. “O máximo que poderia acontecer era a matriz
mandar descadastrar um distribuidor que tivesse se envolvido em alguma
situação de corrupção, como se a empresa nunca tivesse vendido para o
Governo. Existia esse modelo de blindagem na qual ela se julgava
protegida”, lembra Mariano.
Cliente difícil
Vender para o Governo nunca é fácil. Por questões boas, como as
exigências cadastrais e técnicas que são feitas; e também por problemas,
como estabelecer em contrato um prazo de 30 dias para o pagamento, mas
só receber o valor um ano depois. Sem falar nos contratos padrões, que
não permitem que os vendedores possam protestar por inadimplência os
títulos do Governo, por exemplo. Mas, com uma boa margem de
rentabilidade, os distribuidores conseguiam manejar os negócios e foram
eles que acabaram assumindo esses riscos. Num primeiro momento, com o
apoio das fábricas que eram parceiras e seguravam o pagamento do
distribuidor, caso o Governo não pagasse, bagunçando a cadeia do setor.
Nesse modelo, muitos distribuidores cresceram alguns exponencialmente
porque abraçaram esse filão das vendas para o Governo.
O problema é que com o advento da SOx, essa prática comercial ficou
mais complicada. As multinacionais, especialmente as de capital aberto,
só podiam reconhecer contabilmente uma receita quando o dinheiro entrava
de fato. Isso fez com que o cenário passasse a mudar. As fábricas
passaram a estabelecer um prazo máximo de pagamento para os
distribuidores, para não comprometerem os seus próprios resultados.
Alguns atores buscaram outras formas de compensação, oferecendo mais
crédito, por exemplo. Mas, a verdade é que sem dinheiro no caixa os
distribuidores ficaram pressionados entre as fábricas e o Governo. A
partir daí, muitos problemas começaram a aparecer. Especialmente, porque
nesse período, o mercado de distribuição abraçou um modelo no qual os
revendedores faziam o processo de venda, mas quem faturava era o
distribuidor. “Ao invés de o revendedor comprar a licença e emitir a sua
nota fiscal de vendas, ele passou a atuar como um agenciador, que era
comissionado por essas vendas”, aponta Mariano.
Esse modelo era uma forma de otimizar a cadeia de tributos que incide
num processo com muitos intermediários e, também, por questões de porte
e cadastro para participar desses processos de venda ao Governo, além
de dar oxigênio aos revendedores, em geral empresas de pequeno porte.
“Só que até antes de 2015, no meio desse caminho todo, haviam inúmeras
fragilidades em todos os elos e não só no revendedor e no comprador”,
reconhece o presidente da Abradisti. “A fábrica sabia disso e operava
com essa premissa. Não tinha uma lei local que poderia colocar gente na
cadeia. Isso amolece o coração dos corruptos”, acredita Mariano
Gordinho, para quem foi só entre 2014 e 2015, com as prisões, com a Lei
Anticorrupção e a responsabilização direta que a ficha realmente caiu.
“O problema já existia, mas não tinha uma pressão legitimada. Tinha até
uma punição corporativa, mas não tinha uma punição legal. Mesmo com o
FCPA.
Exigindo muito mais
O processo de vendas das fábricas para os distribuidores é
relativamente simples e amarrado em contratos com cláusulas e exigências
entre as duas partes, que esperam manter um relacionamento comercial
por um período mais longo. E foi nesse ponto que as fabricantes passaram
a apertar seus parceiros em relação à adoção de regras de compliance
mais rígidas, usando a sua posição para exigir que eles passassem a
cuidar também de garantir o compliance nas suas operações. As grandes
empresas do setor passaram a exigir a adesão dos parceiros aos programas
de compliance, a realizar due dilligences, olhar para o estoque, o que
vendeu, para quem vendeu. “A fá- brica, por contrato, tem autoridade
para de fato ir muito mais fundo no negócio do parceiro, e elas têm
feito isso”, diz Mariano, da Abradisti. Sem adesão, não tem vendas.
“Essa é a ferramenta que eles têm para exigir que os seus parceiros
sejam confiáveis”, reforça o dirigente.
Esse processo, ainda em andamento, vem resultando no aumento no
número de parceiros das grandes fábricas descadastrados por problemas ou
deficiências não resolvidas em relação às demandas de compliance. Não
só pelo FCPA, que vem dando repetidas mostras de que tende a apertar o
cerco contra as empresas que não se preocupam com o que os seus
parceiros estão fazendo; no Brasil, a evolução também vem se dando nesse
sentido, fazendo com que os distribuidores, que dependem de uma fábrica
mais do que uma fábrica depende dele, corram para se adequar a essa
nova realidade. Porque as fabricantes não parecem mais dispostas a
correr esses riscos.
Embora represente um desafio, esse movimento também abre grandes
oportunidades para os distribuidores e revendedores dispostos a abraçar
o compliance na gestão dos seus negócios. “Os fornecedores globais tem
visto com bons olhos que seus distribuidores e revendedoras tenham os
seus programas de compliance. Isso acaba funcionando como um diferencial
competitivo para esses parceiros de negócios, e alguns distribuidores e
revendedores têm realmente abraçado essa questão”, acredita Matheus
Cunha, sócio-diretor da T4 Compliance, consultoria especializada em
compliance. Na grande maioria dos casos, essa adoção se dá por uma visão
de negócios, uma vez que não se trata de uma exigência legal, mas sim
de uma exigência de mercado. Embora seja importante ressaltar que, ao
menos o estado do Rio de Janeiro e o governo do Distrito Federal, já
exigem que seus fornecedores contem com programas de compliance para
quem queira vender a eles.
Modelo Rígido
Se vender para o Governo implica em lidar com um cliente que oferece
cláusulas contratuais duras, no sentido de que suas obrigações são de
fácil descumprimento (o que afeta, especialmente revendedores e
distribuidores), um relatório do TCU sobre os modelos de compra de TI no
Governo Federal diz o mesmo em relação aos grandes fornecedores de
tecnologia na sua relação com o setor público como cliente.
“Esse cenário se torna agudo quando se confronta com um mercado em
que há grande concentração das soluções em poucos fabricantes de
software, bem como elevada dependência desses sistemas para o núcleo do
próprio negócio das organizações públicas. A assimetria econômica e
informacional entre os órgãos da Administração Pública e os grandes
fabricantes de software subverte a lógica da supremacia do interesse
público, pois os órgãos públicos são forçadamente levados a aderir a
termos de licenças preestabelecidos com cláusulas não previstas em
contrato, muitas delas contrárias à legislação pátria”, diz o ministro
do TCU, Aroldo Cedraz, relator do caso na corte. “A Administração
Pública não pode ser mais refém de contratações de TI antieconômicas,
que não atingem os fins a que se destinam e drenam cada vez mais
recursos públicos, muitas vezes com entregas aquém dos requisitos
acordados nos contratos celebrados e em tempo superior ao inicialmente
pactuado. Tenho me posicionado veementemente contra essa ineficiência,
que contrata mais do mesmo e não entrega os resultados esperados, sem
consequências realmente pedagógicas para contratantes e contratados”,
reforça o ministro em seu relatório.
As críticas são inerentes ao modo como o universo de TI funciona na
prática. Pela complexidade dessas plataformas, ao escolher uma delas,
estabelece-se um casamento, com tudo o que um relacionamento pode ter de
bom e de ruim. A diferença é que o divórcio, num caso desses, pode ser
mais demorado e custoso. Isso torna o usuário, o cliente, altamente
dependente do pós-venda, da manutenção e de serviços de atualização,
além da renovação de licenças de uso. Ao entrar no universo de um desses
grandes fabricantes, comprando um sistema de gestão de empresas, por
exemplo, dificilmente você conseguirá migrar para outro, porque eles não
conversam. “Quando um órgão público adota a estrutura de uma empresa X
para um banco de dados, é muito difícil sair”, pontua Matheus.
Antes de optar por uma plataforma, é importante que o Poder Público
faça uma boa análise sobre qual a função da- quela tecnologia para o
órgão público, analisar e entender quem serão os usuários, com que
outros sistemas será preciso “conversar” e buscar a aplicação mais
adequada para viabilizar essa necessidade. E esse é um primeiro ponto de
problema hoje: um despreparo técnico para identificar necessidades e
entender as tecnologias mais adequadas para atender aquelas
necessidades. Não que não existam servidores qualificados no Executivo
com conhecimento e expertise para cumprir a missão. Mas eles não podem
ser encontrados em todos os órgãos do governo, e como não existe uma
coordenação centralizada, capaz de auxiliar nesse processo em todas as
áreas do governo, esse conhecimento acaba ficando represado em
ministérios e autarquias mais bem estruturadas. Mesmo entre elas, muita
sinergia e inteligência também não são aproveitadas, numa mentalidade
que na prática é o “cada um com seus problemas”.
Esse desconhecimento, além da questão óbvia (e mais importante) de
não conseguir alinhavar uma estratégia comum de TI no Executivo Federal,
faz com que muitos órgãos acabem comprando soluções que não atendem ao
que se espera, ou, adquirindo mais recursos do que o necessário, jogando
dinheiro público fora. O mercado de TI participa desse processo, e
portanto, tem um grau de culpa no cartório. “Quando se lança um edital
de uma licitação, geralmente de três anos, para a implementação, o
processo é precedido de uma análise de toda a rede de infraestrutura.
Tem todo um ambiente de vendas iniciais, que faz parte do processo de
venda. Alguns órgãos fazem consulta pública para chamar fornecedores
para fazer esses testes”, explica Matheus Cunha. Os órgãos não sabem
comprar soluções e isso abre uma série de possibilidades para problemas
dentro do fluxo do processo de compras. Se você começa comprando mal, a
probabilidade de algo dar errado é muito grande. É importante dizer que
em muitos casos, revendedores e distribuidores também poderiam olhar com
mais cuidado e zelo para atender ao órgão público no que ele realmente
precisa com aquela tecnologia, sem “empurrar” opcionais desnecessários
para aquela necessidade. Mas não para por aí.
Uma vez implementado,
inexoravelmente, será necessário renovar as licenças de uso da
ferramenta. Aí o problema é exponenciado e a responsabilidade do
mercado, em especial dos grandes fabricantes, é grande. Pela Lei 8666,
que rege as licitações públicas, o órgão poderia renovar o seu contrato
uma vez sem a necessidade de um novo processo licitatório. Só que muitos
contratos das fabricantes com os seus distribuidores e revendedores não
permitem que eles façam uma renovação de contrato com o setor público.
Ou seja, a renovação da licença deixa de ser feita com a dupla
revendedor e distribuidor, para ser feita com a própria fabricante, só
que em outras condições. “A fabricante vai vender direto as licenças,
mas com o preço cheio. Esse é um padrão do mercado que foi apontado no
relatório do TCU”, conta o sócio da T4 Compliance.
É na renovação das licenças que o modelo de negócios atual se mostra
mais desequilibrado. Apesar disso, a própria Lei 8666 não é tida como
adequada para esse tipo de aquisição. “Quando o Governo tem que renovar a
licença e a revenda diz que ele tem que comprar direto da fábrica. E aí
entram complicações relacionadas ao próprio processo licitatório. ‘É a
única empresa capaz de fornecer esse produto?’ ‘Tem condições de licitar
mais de um fornecedor?’ ‘Se não tem, quais os procedimentos para
desobrigar a contenda?’”, questiona Mariano. Nesse caso, caberia ao
Governo tomar as rédeas da situação e estabelecer critérios claros, como
exigir prioritariamente que a licença seja renovada com quem vendeu.
Atacando o problema.
O TCU já vinha acompanhando a relação comercial entre o mercado de TI
e o setor público, desde o início do milênio, por enxergar supostas
práticas anticoncorrenciais na contratação de softwares e serviços
agregados, além de riscos na contratação de sistemas de gestão de
grandes fabricantes. Os primeiros casos apontados no Acórdão datam de
2003. Matheus, da T4, aponta para a amplitude temporal do recorte que
serviu de análise como um dado interessante. “Em última análise, podemos
entender que as condutas que estão sendo praticadas hoje estarão sendo
olhadas no futuro”, diz o especialista. Como alguns atos ilícitos tem
prazos prescricionais bem extensos, eventualmente, empresas e seus
gestores poderão ser responsabilizadas no futuro por atos fora de
compliance.
Para estabelecer o seu relatório, o TCU realizou uma auditoria
operacional em uma secretaria do Ministério do Planejamento, no Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), além de realizar a avaliação equivalente no
Serpro e na Dataprev. Para conhecer as perspectivas de outras
organizações públicas, com atuação central em compras públicas, foram
incluídas na avaliação entidades como Banco do Brasil, Eletrobras e a
Central de Compras da Superintendência de Ad- ministração do Ministério
da Fazenda.
Em linhas bem gerais, as principais “broncas” do Tribunal dizem
respeito à falta de uma estratégia que permita ao Poder Público se valer
da sua musculatura, do grande volume de compras, para obter preços e
condições mais competitivos para os produtos e serviços que compra e que
isso seja válido para todos os órgãos do Executivo Federal, seja para o
pedido de um órgão gigantesco, seja para uma pequena autarquia. Ao
mesmo tempo, é necessário criar formas de melhorar o aproveitamento do
conhecimento técnico disponível nos diferentes poderes evitando compras
equivocadas sejam por serem desnecessárias, sejam por serem mal
especificadas que no fim resultam em desperdício de dinheiro público. Em
resumo. O problema central é que o Governo compra errado. E isso é um
risco para todo mundo. “Do ponto de vista das multinacionais, ainda que
de forma indireta, onde o Governo compra mal e o distribuidor vende mal,
ela tem riscos, porque elas respondem pelos seus parceiros”, lembra
Matheus.
O relatório do Tribunal também trata das mudanças futuras que se
avizinham para o mercado de TI e que vão impactar sobremaneira o modelo
de negócios do setor, com o avanço cada vez mais rápido para o modelo de
assinaturas, o software as a service e para o qual o Governo Federal
deveria começar a se organizar para lidar com essa nova realidade, para o
qual o Executivo ainda parece não estar pronto na avaliação dos
ministros do Tribunal.
Construindo um modelo novo e mais inteligente
A partir das ponderações do TCU, a Secretaria de Governo Digital,
lotada dentro do Ministério da Economia, foi incumbida de responder aos
apontamentos feitos pelo Tribunal. A Secretaria é o órgão que cuida da
estratégia de TI do Governo e a quem cabe definir padrões, regras e
diretrizes relacionadas ao assunto. “Daí porque o Acórdão dos grandes
fornecedores de TI estar sendo tratado dentro do nosso guarda-chuva”,
explica Ulisses de Melo, secretário adjunto de Governo Digital.
Uma primeira leva de recomendações, que dizia respeito a ajustes em
processos licitatórios e em contratos, para evitar, por exemplo,
cobranças relativas à correção de erros (inclusive retroativos), ou
exigências de contratação conjunta de serviços de suporte técnico e
atualizações de versões, o que afrontaria legislações nacionais,
deveriam ser efetuadas em até 120 dias. “Era um prazo muito específico
que tínhamos para aprimorarmos uma série de processos, inclusive,
pedimos mais 20 dias, porque recebemos mais de 700 contribuições no
processo de consulta pública que abrimos e que tiveram que ser
analisadas uma por uma”, pontua Ulisses. Esse primeiro movimento foi
concluído no final de março.
Entretanto, é a partir da segunda leva de recomendações do TCU, com
prazo de 240 dias para serem respondidas, que vão servir de base para
que a Secretaria de Governo Digital estabeleça um novo modelo de
contratação de softwares e serviços de TI. O ponto de partida é bastante
óbvio. O Governo não se vale da sua escala (como grande cliente) para
negociar com os grandes fornecedores de forma centralizada, perdendo em
preço, padronização e otimização de recursos. Por isso, a Secretaria
está trabalhando para que o processo possa ser tratado de forma única.
“O que o Tribunal nos demandou é um estudo que mostre as
possibilidades”, pontua Ulisses. Para isso, ele e sua equipe foram
pesquisar as experiências de outros países e de mercados diferentes e,
com base nesses benchmarks, estabelecer um modelo para o Brasil.
O processo ainda é todo muito novo e deve ser construído em várias
etapas. “Estamos falando, muito provavelmente, de um modelo que vai
implicar em alterações na lei”, diz Ulisses, ressaltando que não existe
nada definido ainda. Mas ele garante que será proposta que não esteja
vinculada a atual lei de licitações. “O que vamos propor será algo novo.
O modelo atual não nos atende”, reconhece o secretário.
Matheus, da T4, concorda que a atual Lei de Licitações é arcaica e
burocrática, ainda mais em se tratando do mundo tecnológico, no qual as
novidades acontecem muito rapidamente e a legislação não consegue
acompanhar. “Isso gera vulnerabilidade para as empresas e para a
administração publica tanto quem compra, quanto quem precisa
fiscalizar”, conta Matheus. Ele acredita que seria interessante a
criação de um pacto setorial envolvendo todos os players do setor – a
exemplo do que acontece em outros segmentos – para que seja repensado o
modelo de compras públicas.
Um modelo em estudo é a construção de um modelo de marketplace, no
qual os softwares, licenças e serviços relacionados à área de TI
estariam disponíveis para todos os órgãos públicos do Executivo Federal,
com preços e condições acordados de forma centralizada pelo Governo.
Com isso, uma pequena autarquia poderia se beneficiar do volume de
compras total do Governo para adquirir as licenças pelo mais baixo do
que conseguiria no atual modelo.
O diretor do Departamento de Operações Compartilhadas da Secretaria,
Merched Cheheb, explica que a ideia do Governo é fazer um acordo com os
grandes fornecedores. “Estamos escutando as empresas em grupo,
principalmente via associações, o que dá mais transparência e uma visão
que é mais setorial e não de uma ou outra empresa”, conta Merched. No
modelo pretendido, o Governo negociaria os valores diretamente com os
grandes fornecedores de tecnologia, com a eliminação do intermediário
nessa fase do processo. “Podemos até ter a participação do revendedor,
se a fabricante assim preferir, desde que se respeite o preço máximo
negociado. O mesmo valeria para a contratação de serviços agregados”,
explica Merched, que diz que o sistema pode contar, inclusive, com mais
de um vendedor para o mesmo tipo de licença. “Essa é uma decisão interna
da empresa”, reforça. O Governo deve ter uma nova reunião no mês de
abril para escutar a posição do mercado de TI sobre o assunto. “Estamos
tendo muito cuidado porque é um trabalho de inovação, temos que ouvir o
mercado e ter uma boa base legal”, diz o diretor do Departamento de
Serviços Compartilhados. “É necessário um meio termo para atingirmos os
anseios de todas as partes, garantindo a estabilidade comercial e,
também, os princípios constitucionais que vão proteger a administração
pública”, corrobora Matheus Cunha. Além disso, a Secretaria de Governo
Digital trabalha em uma série de iniciativas para melhorar a
conectividade dos sistemas e a unificação da base de dados, permitindo
que o cruzamento de informações seja feito em uma única plataforma, por
exemplo. “São estudos, não tem nada definido, mas o importante é que
temos uma linha de ação”, pontua Ulisses. Estando pronto, seja qual for o
modelo adotado, ele poderá servir, também, aos outros Entes e Poderes
da Federação. “Tudo é uma questão de negociação. A hora que
estabelecermos o modelo, faz todo o sentido a participação de estados e
outros entes, que poderão se valer das negociações”, conclui o
secretário.
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