Auditoria
do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que o setor mineral tem
sonegado fatia considerável da compensação financeira pela exploração de
recursos minerais (Cfem), conhecida como royalties da mineração.
Problemas
também foram encontrados em relação à taxa anual por hectare (TAH),
embora em menor escala. A situação se agrava porque, além da
significativa sonegação, há dificuldade de fiscalização por parte da
Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os
achados da auditoria do TCU estão em relatório assinado pelo ministro
relator Benjamin Zymler, colocado em pauta em sessão plenária desta
quarta-feira (2), mas posteriormente retirado.
O
assunto deve ser apreciado na próxima sessão, agendada para o dia 9 de
outubro. Consta no documento que, entre 2017 e 2022, 69,7% dos titulares
de 30.383 processos ativos na fase de concessão de lavra e de
licenciamento não pagaram espontaneamente o tributo. Além disso, nos 134
processos fiscalizados pela ANM, em que houve o recolhimento
espontâneo, observou-se um percentual médio de sonegação de 40,2%.
O
TCU apontou que persistem problemas já identificados em auditorias
anteriores realizadas pelo próprio tribunal nos anos de 2018 e de 2022.
Registra ainda que indícios de arrecadação de comepnsação financeira a
menor foram igualmente identificadas pela Controladoria-Geral da União
(CGU), que apurou um percentual médio de sonegação de 30,5% em uma
análise envolvendo o período de 2014 a 2019.
A
CGU concluiu que as fiscalizações da agência estavam sendo realizadas
sem planejamento e que os sistemas de informação utilizados eram falhos e
insuficientes.
De acordo com a auditoria do TCU, considerando a
sonegação apurada de 40,2%, um total de R$ 12,4 bilhões deixaram de ser
arrecadados com a Cfem entre 2014 e 2021. Se for aplicado ao mesmo
período o percentual de 30,5% calculado pela CGU, o valor seria um pouco
menor, mas ainda assim bastante expressivo: R$ 9,4 bilhões.
Perda bilionária
O
TCU aponta ainda que pelo menos R$ 4 bilhões já foram perdidos de forma
definitiva. Esse montante diz respeito ao total de créditos decaídos e
prescritos no período de 2017 a 2021. Ou seja, não podem mais ser
cobrados.
A decadência é declarada quando se passam dez anos sem
que a agência consiga concluir o processo de apurar valores devidos,
notificar devedores, analisar eventuais recursos e constituir o crédito.
Já a prescrição ocorre nos casos em que o crédito é constituído mas,
após cinco anos, não houve providências para sua inscrição em dívida
ativa e cobrança judicial.
Desses valores perdidos em definitivo,
os municípios mais prejudicados foram Parauapebas (PA), Ouro Preto (MG),
Mariana (MG) e Itabira (MG). Cada uma delas deixou de receber valores
acima de R$ 200 milhões. Entre as mineradoras, a Vale foi a que mais se
beneficiou com a decadência e a prescrição, deixando de pagar R$ 2,86
bilhões.
A compensação financeira pela exploração de recursos
minerais deve ser paga pelas mineradoras que desenvolvem exploração
mineral.
A apuração dos valores depende de informações específicas
e exclusivas de cada empreendimento. A arrecadação é repartida entre os
diferentes níveis federativos: 90% fica para estados e municípios
envolvidos e 10% para a União. Conforme a legislação, as mineradoras
devem calcular e recolher espontaneamente os royalties, cabendo a ANM
apurar eventuais pagamentos a menor e cobrar tais créditos.
Ocorre
que, segundo o relatório do TCU, os dados não têm sido devidamente
fiscalizados. O relatório aponta que, em 2022, apenas 17 empresas de
mineração tiveram suas informações conferidas pela ANM.
Já a taxa
anual por hectare -TAH – um encargo financeiro cobrado na fase da
pesquisa mineral, antes da exploração. Como ela depende apenas da medida
da área aprovada no alvará concedido à mineradora, a fiscalização é
mais fácil e demanda de ferramentas e sistemas que realizam cálculos
menos complexos. O TCU apurou uma sonegação média de 8,2% envolvendo a
TAH no período entre 2017 e 2022. São percentuais bem inferiores na
comparação com o que se observou na análise envolvendo a Cfem.
Além disso, a TAH representa uma parcela pequena dos recursos arrecadados pela ANM.
A
auditoria do TCU aponta que, entre 2017 a 2021, a Cfem respondeu por
97,1% dos R$ 26,5 bilhões de encargos financeiros da mineração
levantados pela agência. Ainda assim, a sanção aos sonegadores dos
royalties é mais branda. Segundo observou o TCU, a mineradora que não
paga a TAH pode ter o alvará de pesquisa declarado nulo, mas aquela que
não recolhe a Cfem é punível apenas com multa e não há impactos para a
continuidade das suas atividades.
Fiscalização limitada
A ANM foi procurada pela Agência Brasil,
mas não se manifestou. Segundo consta no relatório da auditoria, ela
afirmou ao TCU que as principais causas para a limitada fiscalização
sobre o pagamento da Cfem são o reduzido quadro de pessoal, a ausência
de ferramentas especializadas e a falta de compartilhamento de
informações com a Secretaria da Receita Federal (SRF) e com as
secretarias de fazenda estaduais.
Ao TCU, a ANM também estimou que
seriam necessários pelo menos mais 200 servidores para atender
satisfatoriamente a demanda de fiscalização. Atualmente a equipe
responsável por esta tarefa conta com apenas quatro servidores e um
chefe. A agência reconheceu que os seus sistemas atuais não permitem o
“acompanhamento da real produção mineral fiscalmente escriturada”, não
sendo possível ter conhecimento do quanto se deixa de arrecadar.
Sustentou, porém, que sua estrutura organizacional de cargos deveria ser
compatível com a das maiores agências reguladoras.
Os dados
apresentados mostram que, embora a ANM seja responsável por regular um
setor que representa entre 2,5% e 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do
país, sua dotação orçamentária para despesas de tecnologia supera apenas
as da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e o da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq).
De outro lado, fica abaixo da
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Agência Nacional de Águas e
Saneamento Básico (ANA).
O TCU, no entanto, indicou que a
precarização da estrutura da ANM não decorre da falta de recursos, pois
há receitas próprias definidas por lei. Observou, no entanto, que parte
deles são contingenciadas todos os anos pelo governo federal.
Além
disso, a auditoria lembrou que a União faz jus a 10% da arrecadação com
a Cfem, sendo que 70% dessa fatia deve ficar com a ANM. Dessa forma, os
valores perdidos com a sonegação gerariam receitas em um valor superior
ao investimento necessário para estruturar a agência.
Em seu
relatório, o ministro Benjamin Zymler propôs uma série de recomendações à
ANM entre elas a elaboração de previsões para cada receita, a adoção de
um sistema informatizado de suporte à fiscalização e a criação de um
manual de procedimentos para fiscalizar os pagamentos da Cfem.
Procurado pela Agência Brasil,
o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as maiores
mineradoras do país, não teceu comentários acerca dos dados sobre
sonegação apurados pelo TCU. De outro lado, a entidade manifestou-se em
defesa do fortalecimento da ANM, mencionando a necessidade de
recomposição do quadro de funcionários e da garantia de recursos
financeiros adequados para seu pleno funcionamento. “Defendemos, ainda, o
não contingenciamento dos 7% da Cfem destinados à agência, medida
essencial para que possa desempenhar suas funções de forma eficaz e
eficiente”, acrescenta o texto.