São Paulo — Pode ser uma manifestação do tal complexo de vira-lata, mas,
no dia 22, milhões de brasileiros, em maior ou menor grau, respiraram
aliviados. Encerrados na véspera, os
Jogos Olímpicos
do Rio de Janeiro ocorreram sem incidentes capazes de manchar a imagem
do Brasil no exterior. Não houve ataque terrorista, as arenas não
desabaram, os mosquitos transmissores da zika não atacaram.
Os graves problemas de segurança pública do Rio de Janeiro, como a
escalada de assaltos e roubos a mão armada, foram relativamente
controlados durante a competição pela presença da Força Nacional e pela
ostensiva vigilância da polícia e das Forças Armadas. Até mesmo a
poluída Baía de Guanabara colaborou: ficou menos poluída.
Alguns velejadores, como as medalhistas de ouro brasileiras Martina
Grael e Kahena Kunze, celebraram a vitória com mergulhos nas águas que,
por causa do vento e da falta de chuvas, mantiveram-se razoavelmente
limpas durante a
competição.
Como o temido vexame internacional no fim das contas não veio, ficou a
sensação de que o país cumpriu a missão de organizar bem o maior
espetáculo esportivo do mundo — coroado por mais uma bela festa no
encerramento. O alívio foi reforçado por declarações de dirigentes do
Comitê Olímpico Internacional (COI).
O suíço Thomas Bach, presidente da organização, disse que, se pudesse
voltar no tempo, teria tomado novamente a decisão de escolher o Rio de
Janeiro como sede. O jornal americano The New York Times, que semanas
antes da competição havia dito que o evento seria um dos mais
desorganizados dos 120 anos de história da Olimpíada moderna, ao fim
destacou que o Rio de Janeiro havia renascido com os Jogos.
“O Brasil provou que consegue fazer um evento de nível mundial”, diz
Christopher Sabatini, professor de relações internacionais na
Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos. Deixe o vira-latismo de lado e
celebre: o Brasil mandou bem. O
Rio de Janeiro ganhou o direito de sediar os Jogos num momento completamente diferente do atual. Vivíamos o auge do oba-oba da era Lula.
Em outubro de 2009, quando o COI anunciou a escolha, o Brasil era um dos
poucos países com algum sinal de recuperação após a forte recessão que o
mundo enfrentou com o estouro da bolha imobiliária americana no ano
anterior. A retomada do crescimento da economia brasileira no segundo
semestre de 2009 levou o PIB do país à expansão de 7,5% no ano seguinte —
a maior em 25 anos.
A euforia com a economia e com a novidade do pré-sal, que transformaria o
Brasil em potência, alimentava uma megalomania — já havíamos
conquistado também o direito de sediar a Copa do Mundo de futebol de
2014. A realização aqui dos dois maiores eventos esportivos globais
deveria vir como uma consagração, a de que estávamos galgando o pódio
das nações desenvolvidas.
O que se viu depois foi que o sonho de grandeza não tinha base para se
concretizar. Os excessos cometidos ainda no segundo mandato de Luiz
Inácio Lula da Silva e a má gestão da presidente Dilma Rousseff levaram o
país ao buraco — em 2016, o PIB deve cair mais de 3% pelo segundo ano
consecutivo, fato inédito na nossa história recente.
Sem dinamismo na economia, o Brasil perdeu também a estabilidade
política na esteira dos escândalos de corrupção revelados pela Operação
Lava-Jato e do processo de impeachment de Dilma.
Com tamanho
baixo-astral, era até natural esperar que desse tudo errado.
Mas, se a economia não correspondeu à expectativa dos anos de oba-oba, o
sucesso da Olimpíada mostra que o país conquistou o direito de dizer:
podemos não ser a maravilha que o discurso populista de outrora pregava,
mas podemos, sim, ir longe.
“A sensação de alívio pós-Jogos é uma chance de romper a maré de
baixo-astral que abate o país”, diz Paulo Sotero, diretor do Instituto
Brasil no centro de pesquisa política Woodrow Wilson, localizado em
Washington.
Emergente viável
O sucesso da Olimpíada reabre a questão: valeu a pena sediar o evento?
Os gastos com metrô, linhas de ônibus e arenas que mudaram a cara do
Rio, e custaram estimados 40 bilhões de reais, foram controversos —
especialmente num estado cujo governo declarou calamidade pública em
maio por não ter dinheiro para pagar o salário dos funcionários. É uma
boa, e talvez eterna, discussão.
Os que defendem o controle das contas dirão que foi tudo exageradamente
custoso. Estarão certos. Mas, ao final, a boa imagem que passamos ao
mundo ao colocar de pé um evento grandioso em condições tão adversas
traz uma série de benefícios que, ao contrário dos gastos, é quase
impossível de medir.
“A Olimpíada mostrou ao mundo um país emergente viável, distante de
tensões geopolíticas e de terrorismo e com boas perspectivas quando
coloca energia no que faz”, afirma Octavio Barros, economista-chefe do
Bradesco. Boa parte do acerto advém do fato de que o Brasil experimentou
algo que deveria fazer muito mais: expor-se ao mundo.
Ao reunir as representações de mais de 200 países e concentrar a atenção
da mídia internacional por um mês, na qualidade de anfitriões e
organizadores do evento, os brasileiros assumiram uma responsabilidade
enorme. O histórico das
Olimpíadas
é fundamentalmente ligado aos países ricos, e houve casos em que mesmo
economias poderosas penaram para fazer o trabalho direito.
Passamos, portanto, por um teste duro. O mesmo se pode dizer em relação
aos atletas brasileiros. Com 19 medalhas, sete delas de ouro, o país
teve o melhor desempenho de sua história nos Jogos Olímpicos. Boa parte
das conquistas veio de gente que enfrentou uma jornada de percalços, a
começar pela pobreza.
É o caso da judoca medalhista de ouro Rafaela Silva, nascida na Cidade
de Deus, bairro de uma das áreas mais problemáticas da periferia do Rio.
Rafaela venceu uma infância barra-pesada: conta que tinha apenas um par
de chinelos e passava o tempo inteiro com ele para não correr o risco
de ser roubada.
Ou de Thiago Braz, ouro no salto com vara, abandonado pela mãe na casa
dos avós aos 2 anos por falta de dinheiro para sua criação. Essa
disposição para encarar a competição aberta é um exemplo para um país
que precisa ampliar sua inserção internacional. O Brasil, que
tradicionalmente virou as costas para o intercâmbio, leva o título de a
mais fechada entre as grandes economias.
De acordo com o Banco Mundial, em 2015 a exportação representou apenas
13% do PIB brasileiro, bem abaixo de vizinhos latino-americanos, como
México e Chile, cujos índices superam 30%. Nossas empresas que batalham
para participar do comércio mundial ou estão instaladas em outros países
são exceções.
“Os Jogos mostraram que os brasileiros são capazes de competir com os
países mais desenvolvidos para a realização de eventos mundiais. Falta
agora os brasileiros terem mais autoconfiança em outros campos”, diz a
economista espanhola Lourdes Casanova, da Universidade Cornell, nos
Estados Unidos. “O Brasil e as empresas brasileiras precisam se abrir
mais para o comércio mundial.
Suas deficiências podem ser contornadas pela resistência do povo em
lidar com adversidades. Basta não ter medo.” Ou seja, é preciso ousar
mais. A torcida é para que o sucesso da organização dos Jogos e o
desempenho dos atletas brasileiros ajudem a inspirar um novo Brasil. Se o
importante é competir, vamos competir.