Brian Snyder / Reuters
Competição de Vela nas Olímpiadas Rio-2016: muitos atletas brasileiros
de origem pobre superaram percalços e se saíram bem na competição
internacional
São Paulo — Pode ser uma manifestação do tal complexo de vira-lata, mas,
no dia 22, milhões de brasileiros, em maior ou menor grau, respiraram
aliviados. Encerrados na véspera, os Jogos Olímpicos
do Rio de Janeiro ocorreram sem incidentes capazes de manchar a imagem
do Brasil no exterior. Não houve ataque terrorista, as arenas não
desabaram, os mosquitos transmissores da zika não atacaram.
Os graves problemas de segurança pública do Rio de Janeiro, como a escalada de assaltos e roubos a mão armada, foram relativamente controlados durante a competição pela presença da Força Nacional e pela ostensiva vigilância da polícia e das Forças Armadas. Até mesmo a poluída Baía de Guanabara colaborou: ficou menos poluída.
Alguns velejadores, como as medalhistas de ouro brasileiras Martina Grael e Kahena Kunze, celebraram a vitória com mergulhos nas águas que, por causa do vento e da falta de chuvas, mantiveram-se razoavelmente limpas durante a competição.
Como o temido vexame internacional no fim das contas não veio, ficou a sensação de que o país cumpriu a missão de organizar bem o maior espetáculo esportivo do mundo — coroado por mais uma bela festa no encerramento. O alívio foi reforçado por declarações de dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI).
O suíço Thomas Bach, presidente da organização, disse que, se pudesse voltar no tempo, teria tomado novamente a decisão de escolher o Rio de Janeiro como sede. O jornal americano The New York Times, que semanas antes da competição havia dito que o evento seria um dos mais desorganizados dos 120 anos de história da Olimpíada moderna, ao fim destacou que o Rio de Janeiro havia renascido com os Jogos.
“O Brasil provou que consegue fazer um evento de nível mundial”, diz Christopher Sabatini, professor de relações internacionais na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos. Deixe o vira-latismo de lado e celebre: o Brasil mandou bem. O Rio de Janeiro ganhou o direito de sediar os Jogos num momento completamente diferente do atual. Vivíamos o auge do oba-oba da era Lula.
Em outubro de 2009, quando o COI anunciou a escolha, o Brasil era um dos poucos países com algum sinal de recuperação após a forte recessão que o mundo enfrentou com o estouro da bolha imobiliária americana no ano anterior. A retomada do crescimento da economia brasileira no segundo semestre de 2009 levou o PIB do país à expansão de 7,5% no ano seguinte — a maior em 25 anos.
A euforia com a economia e com a novidade do pré-sal, que transformaria o Brasil em potência, alimentava uma megalomania — já havíamos conquistado também o direito de sediar a Copa do Mundo de futebol de 2014. A realização aqui dos dois maiores eventos esportivos globais deveria vir como uma consagração, a de que estávamos galgando o pódio das nações desenvolvidas.
O que se viu depois foi que o sonho de grandeza não tinha base para se concretizar. Os excessos cometidos ainda no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e a má gestão da presidente Dilma Rousseff levaram o país ao buraco — em 2016, o PIB deve cair mais de 3% pelo segundo ano consecutivo, fato inédito na nossa história recente.
Sem dinamismo na economia, o Brasil perdeu também a estabilidade política na esteira dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato e do processo de impeachment de Dilma.
Com tamanho baixo-astral, era até natural esperar que desse tudo errado.
Mas, se a economia não correspondeu à expectativa dos anos de oba-oba, o sucesso da Olimpíada mostra que o país conquistou o direito de dizer: podemos não ser a maravilha que o discurso populista de outrora pregava, mas podemos, sim, ir longe.
“A sensação de alívio pós-Jogos é uma chance de romper a maré de baixo-astral que abate o país”, diz Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil no centro de pesquisa política Woodrow Wilson, localizado em Washington.
O sucesso da Olimpíada reabre a questão: valeu a pena sediar o evento? Os gastos com metrô, linhas de ônibus e arenas que mudaram a cara do Rio, e custaram estimados 40 bilhões de reais, foram controversos — especialmente num estado cujo governo declarou calamidade pública em maio por não ter dinheiro para pagar o salário dos funcionários. É uma boa, e talvez eterna, discussão.
Os que defendem o controle das contas dirão que foi tudo exageradamente custoso. Estarão certos. Mas, ao final, a boa imagem que passamos ao mundo ao colocar de pé um evento grandioso em condições tão adversas traz uma série de benefícios que, ao contrário dos gastos, é quase impossível de medir.
“A Olimpíada mostrou ao mundo um país emergente viável, distante de tensões geopolíticas e de terrorismo e com boas perspectivas quando coloca energia no que faz”, afirma Octavio Barros, economista-chefe do Bradesco. Boa parte do acerto advém do fato de que o Brasil experimentou algo que deveria fazer muito mais: expor-se ao mundo.
Ao reunir as representações de mais de 200 países e concentrar a atenção da mídia internacional por um mês, na qualidade de anfitriões e organizadores do evento, os brasileiros assumiram uma responsabilidade enorme. O histórico das Olimpíadas é fundamentalmente ligado aos países ricos, e houve casos em que mesmo economias poderosas penaram para fazer o trabalho direito.
Passamos, portanto, por um teste duro. O mesmo se pode dizer em relação aos atletas brasileiros. Com 19 medalhas, sete delas de ouro, o país teve o melhor desempenho de sua história nos Jogos Olímpicos. Boa parte das conquistas veio de gente que enfrentou uma jornada de percalços, a começar pela pobreza.
É o caso da judoca medalhista de ouro Rafaela Silva, nascida na Cidade de Deus, bairro de uma das áreas mais problemáticas da periferia do Rio. Rafaela venceu uma infância barra-pesada: conta que tinha apenas um par de chinelos e passava o tempo inteiro com ele para não correr o risco de ser roubada.
Ou de Thiago Braz, ouro no salto com vara, abandonado pela mãe na casa dos avós aos 2 anos por falta de dinheiro para sua criação. Essa disposição para encarar a competição aberta é um exemplo para um país que precisa ampliar sua inserção internacional. O Brasil, que tradicionalmente virou as costas para o intercâmbio, leva o título de a mais fechada entre as grandes economias.
De acordo com o Banco Mundial, em 2015 a exportação representou apenas 13% do PIB brasileiro, bem abaixo de vizinhos latino-americanos, como México e Chile, cujos índices superam 30%. Nossas empresas que batalham para participar do comércio mundial ou estão instaladas em outros países são exceções.
“Os Jogos mostraram que os brasileiros são capazes de competir com os países mais desenvolvidos para a realização de eventos mundiais. Falta agora os brasileiros terem mais autoconfiança em outros campos”, diz a economista espanhola Lourdes Casanova, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. “O Brasil e as empresas brasileiras precisam se abrir mais para o comércio mundial.
Suas deficiências podem ser contornadas pela resistência do povo em lidar com adversidades. Basta não ter medo.” Ou seja, é preciso ousar mais. A torcida é para que o sucesso da organização dos Jogos e o desempenho dos atletas brasileiros ajudem a inspirar um novo Brasil. Se o importante é competir, vamos competir.
Os graves problemas de segurança pública do Rio de Janeiro, como a escalada de assaltos e roubos a mão armada, foram relativamente controlados durante a competição pela presença da Força Nacional e pela ostensiva vigilância da polícia e das Forças Armadas. Até mesmo a poluída Baía de Guanabara colaborou: ficou menos poluída.
Alguns velejadores, como as medalhistas de ouro brasileiras Martina Grael e Kahena Kunze, celebraram a vitória com mergulhos nas águas que, por causa do vento e da falta de chuvas, mantiveram-se razoavelmente limpas durante a competição.
Como o temido vexame internacional no fim das contas não veio, ficou a sensação de que o país cumpriu a missão de organizar bem o maior espetáculo esportivo do mundo — coroado por mais uma bela festa no encerramento. O alívio foi reforçado por declarações de dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI).
O suíço Thomas Bach, presidente da organização, disse que, se pudesse voltar no tempo, teria tomado novamente a decisão de escolher o Rio de Janeiro como sede. O jornal americano The New York Times, que semanas antes da competição havia dito que o evento seria um dos mais desorganizados dos 120 anos de história da Olimpíada moderna, ao fim destacou que o Rio de Janeiro havia renascido com os Jogos.
“O Brasil provou que consegue fazer um evento de nível mundial”, diz Christopher Sabatini, professor de relações internacionais na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos. Deixe o vira-latismo de lado e celebre: o Brasil mandou bem. O Rio de Janeiro ganhou o direito de sediar os Jogos num momento completamente diferente do atual. Vivíamos o auge do oba-oba da era Lula.
Em outubro de 2009, quando o COI anunciou a escolha, o Brasil era um dos poucos países com algum sinal de recuperação após a forte recessão que o mundo enfrentou com o estouro da bolha imobiliária americana no ano anterior. A retomada do crescimento da economia brasileira no segundo semestre de 2009 levou o PIB do país à expansão de 7,5% no ano seguinte — a maior em 25 anos.
A euforia com a economia e com a novidade do pré-sal, que transformaria o Brasil em potência, alimentava uma megalomania — já havíamos conquistado também o direito de sediar a Copa do Mundo de futebol de 2014. A realização aqui dos dois maiores eventos esportivos globais deveria vir como uma consagração, a de que estávamos galgando o pódio das nações desenvolvidas.
O que se viu depois foi que o sonho de grandeza não tinha base para se concretizar. Os excessos cometidos ainda no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e a má gestão da presidente Dilma Rousseff levaram o país ao buraco — em 2016, o PIB deve cair mais de 3% pelo segundo ano consecutivo, fato inédito na nossa história recente.
Sem dinamismo na economia, o Brasil perdeu também a estabilidade política na esteira dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato e do processo de impeachment de Dilma.
Com tamanho baixo-astral, era até natural esperar que desse tudo errado.
Mas, se a economia não correspondeu à expectativa dos anos de oba-oba, o sucesso da Olimpíada mostra que o país conquistou o direito de dizer: podemos não ser a maravilha que o discurso populista de outrora pregava, mas podemos, sim, ir longe.
“A sensação de alívio pós-Jogos é uma chance de romper a maré de baixo-astral que abate o país”, diz Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil no centro de pesquisa política Woodrow Wilson, localizado em Washington.
Emergente viável
O sucesso da Olimpíada reabre a questão: valeu a pena sediar o evento? Os gastos com metrô, linhas de ônibus e arenas que mudaram a cara do Rio, e custaram estimados 40 bilhões de reais, foram controversos — especialmente num estado cujo governo declarou calamidade pública em maio por não ter dinheiro para pagar o salário dos funcionários. É uma boa, e talvez eterna, discussão.
Os que defendem o controle das contas dirão que foi tudo exageradamente custoso. Estarão certos. Mas, ao final, a boa imagem que passamos ao mundo ao colocar de pé um evento grandioso em condições tão adversas traz uma série de benefícios que, ao contrário dos gastos, é quase impossível de medir.
“A Olimpíada mostrou ao mundo um país emergente viável, distante de tensões geopolíticas e de terrorismo e com boas perspectivas quando coloca energia no que faz”, afirma Octavio Barros, economista-chefe do Bradesco. Boa parte do acerto advém do fato de que o Brasil experimentou algo que deveria fazer muito mais: expor-se ao mundo.
Ao reunir as representações de mais de 200 países e concentrar a atenção da mídia internacional por um mês, na qualidade de anfitriões e organizadores do evento, os brasileiros assumiram uma responsabilidade enorme. O histórico das Olimpíadas é fundamentalmente ligado aos países ricos, e houve casos em que mesmo economias poderosas penaram para fazer o trabalho direito.
Passamos, portanto, por um teste duro. O mesmo se pode dizer em relação aos atletas brasileiros. Com 19 medalhas, sete delas de ouro, o país teve o melhor desempenho de sua história nos Jogos Olímpicos. Boa parte das conquistas veio de gente que enfrentou uma jornada de percalços, a começar pela pobreza.
É o caso da judoca medalhista de ouro Rafaela Silva, nascida na Cidade de Deus, bairro de uma das áreas mais problemáticas da periferia do Rio. Rafaela venceu uma infância barra-pesada: conta que tinha apenas um par de chinelos e passava o tempo inteiro com ele para não correr o risco de ser roubada.
Ou de Thiago Braz, ouro no salto com vara, abandonado pela mãe na casa dos avós aos 2 anos por falta de dinheiro para sua criação. Essa disposição para encarar a competição aberta é um exemplo para um país que precisa ampliar sua inserção internacional. O Brasil, que tradicionalmente virou as costas para o intercâmbio, leva o título de a mais fechada entre as grandes economias.
De acordo com o Banco Mundial, em 2015 a exportação representou apenas 13% do PIB brasileiro, bem abaixo de vizinhos latino-americanos, como México e Chile, cujos índices superam 30%. Nossas empresas que batalham para participar do comércio mundial ou estão instaladas em outros países são exceções.
“Os Jogos mostraram que os brasileiros são capazes de competir com os países mais desenvolvidos para a realização de eventos mundiais. Falta agora os brasileiros terem mais autoconfiança em outros campos”, diz a economista espanhola Lourdes Casanova, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. “O Brasil e as empresas brasileiras precisam se abrir mais para o comércio mundial.
Suas deficiências podem ser contornadas pela resistência do povo em lidar com adversidades. Basta não ter medo.” Ou seja, é preciso ousar mais. A torcida é para que o sucesso da organização dos Jogos e o desempenho dos atletas brasileiros ajudem a inspirar um novo Brasil. Se o importante é competir, vamos competir.
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