O fato não deve ser um atestado
da política econômica, pois uma atitude leniente do governo afetaria o grau de
confiança
Por Zeina Latif*
Há muita expectativa para o pós-impeachment. Para
muitos analistas haverá enxurrada de recursos externos no país, pois há uma
combinação excepcional de condições externas – liquidez mundial elevada e taxas
de juros em torno de zero mundo afora – e internas – menor risco cambial e
taxas de juros muito atrativas. Com o impeachment, o risco de “explosão” da
taxa de câmbio se reduziu sensivelmente, diminuindo o risco de perda de capital
do investidor estrangeiro. Dessa forma, para muitos, investir no Brasil seria
praticamente inevitável. Será mesmo?
São várias as modalidades de fluxo financeiro
(títulos do governo e de empresas, empréstimos, bolsa, investimento direto) com
comportamentos diferentes entre si. Alguns são mais sensíveis à atividade
econômica, outros também são afetados pelo diferencial de juros. Na soma total,
a evidência é que o fluxo financeiro [fluxo total menos o saldo da balança
comercial] é comandado por duas variáveis principais: a confiança do empresário
e os preços de commodities – e não pela taxa de juros, ainda que essa ajude a
explicar o comportamento de algumas categorias de fluxo, como fundos de
investimento e o investimento de residentes no exterior. É provável que o
diferencial de juros afete mais a composição do fluxo do que sua magnitude.
Assim, seria exagerada a expectativa de grande
influxo financeiro apenas por conta do diferencial de juros interno e externo e
o menor risco de saltos na taxa de câmbio. Indicadores de atividade ainda
frágeis e preços de commodities relativamente estáveis e em patamares distantes
dos recordes passados de 2008 e 2011, quando houve expressivo influxo cambial,
tendem a limitar o apetite dos investidores. Será a capacidade do país de
retomar, de fato, a confiança e o crescimento econômico que definirá o
potencial de influxo cambial. E não o contrário.
Vale também ponderar que houve importante
alavancagem de empresas nos últimos anos. O endividamento do setor privado
saltou de 8% do PIB em 2012 para 11% no primeiro trimestre de 2016. Incluindo
empréstimos diretos intercompanhia, o avanço é de 13% para 23% do PIB, totalizando
US$ 420 bilhões em estoque. São mais de US$ 100 bilhões vencendo este ano e
mais de US$ 70 bilhões em 2017. Ou seja, parte do fluxo será para compensar
tais vencimentos.
Uma incógnita é a capacidade de o Brasil ter
destaque dentro da classe dos emergentes que estão se beneficiando recentemente
pela menor aversão a risco global. Investidores são seletivos e procuram
diferenciar os países, o que significa um ambiente competitivo para atração de
capitais. Por um lado, o Brasil tem melhorado sua imagem no exterior, se
distanciando de Turquia, por exemplo. Por outro, o provável cenário de lenta
retomada do crescimento econômico reduz o potencial de entrada de recursos por
aqui. Há, no entanto, espaço para atração de capitais no curto prazo em
busca de prêmios, até porque pode haver demanda reprimida por investimento no
Brasil.
Sobre esse ponto, vale mencionar que, pelo estudo econométrico, a
partir de 2012 o poder estatístico do indicador de confiança e, em menor grau,
do preço de commodities para explicar o comportamento do fluxo cambial se
reduziu significativamente, entrando em seu lugar a taxa de juros descontada a
variação cambial. O fluxo financeiro despencou com o aumento da cotação do
dólar nos últimos anos, que tornou negativo o retorno de investir no Brasil.
Pelas variáveis confiança do empresário e preço de commodities apenas, a queda
no fluxo não teria sido tão acentuada. O valor atual do fluxo financeiro
estaria negativo em US$ 20 bilhões na soma dos últimos 12 meses – e não nos US$
53 bilhões observados. Isso significa que há potencial para recuperação de
fluxo no curto prazo, principalmente com a percepção de menor risco cambial.
Daí a repetir a década passada são outros
quinhentos. Naquele período, o mundo emergente ia muito bem, e o Brasil
conseguiu se beneficiar daquele movimento pelo sucesso de sua agenda econômica,
que o levou a conquistar o grau de investimento, já perdido. O quadro
internacional é muito diferente agora, com o comércio mundial praticamente
estagnado, depois de registrar crescimento robusto entre 2000 e 2010. A
perspectiva de crescimento doméstico também deixa a desejar.
Enfim, a percepção de volta da normalidade no país
poderá acelerar o fluxo financeiro no curto prazo, o que poderá levar o Banco
Central a uma maior intervenção no mercado cambial. No entanto, é provável que
seja uma janela de curto prazo apenas e relativamente modesta. Se confirmado, o
fluxo não deve ser encarado como um selo de qualidade da condução da política
econômica, pois uma postura leniente do governo poderia comprometer o caminho
de conquista de confiança ainda em construção.
*Economista-chefe da XP Investimentos.
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