Ueslei Marcelino / Reuters
Temer: na opinião de especialistas, ele precisará manter sua base parlamentar em cenários de ajuste fiscal e Operação Lava Jato
Brasília - Com a confirmação do impeachment da agora ex-presidente da República Dilma Rousseff, Michel Temer assume em definitivo o cargo.
Apesar de, na comparação com sua antecessora, dispor de maior apoio no
Congresso Nacional, Temer não terá vida fácil nos dois anos de mandato
que ainda restam.
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Na opinião de especialistas, ele precisará manter sua base parlamentar em cenários de ajuste fiscal e Operação Lava Jato.
Para Débora Messenberg, socióloga política da Universidade de Brasília
(UnB), o mandato de Temer se dará em um país dividido e sem o respaldo
de uma eleição.
“Acho que ele vai ter um governo dificílimo. Serão dois anos de um
governo sem respeitabilidade das urnas, com um país dividido e com uma
crise econômica internacional. E aqueles que o apoiaram, seja no
Parlamento, seja no âmbito dos interesses privados, vão pedir a conta.”
Segundo Débora, Dilma caiu por motivos distintos dos citados no
processo. Em seus discursos, alguns senadores chegaram a citar os
chamados “conjunto da obra” e “estelionato eleitoral”, endossando a tese
da socióloga.
Mudanças
Por isso, ela avaliou que o momento impõe a necessidade de discutir uma
reforma política e o sistema de governo do país. “A falta de apoio é
margem para um primeiro-ministro cair e não o presidente. Ou observam as
regras democráticas ou fica esse perigo que estamos assistindo.”
Para o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da empresa
de análise política Arko Advice, as discussões devem ser sobre o número
de partidos e o que ele chama de “loteamento do governo”.
“Talvez depois desse processo todo, sejam necessárias algumas mudanças
do ponto de vista da reforma política para evitar que esse tipo de coisa
[o impeachment] volte a acontecer. Se você tem uma Casa menos
fragmentada, com um número menor de partidos, onde o presidente não tem
de lotear tanto o governo para construir essas maiorias frágeis, talvez
reforce mais ainda nossa democracia”.
Desafios
Noronha disse entender que Temer navegará em águas mais tranquilas que
Dilma, mas nem por isso terá dois anos fáceis pela frente. Para o
cientista político, o novo presidente precisará dar andamento ao ajuste
fiscal em meio a novos capítulos da Operação Lava Jato.
“Existem alguns desafios grandes para ele colocar. Justamente aprovar
essa agenda de ajuste fiscal que está posta e que não será fácil no
Congresso Nacional. O processo da Lava Jato continua e continuará
trazendo turbulência ao cenário político”, disse.
“Novas delações premiadas vêm aí. Novos políticos podem ser envolvidos e
não se sabe qual partido será atingido. Isso é um fator de
instabilidade grande”, completou o cientista político.
Credibilidade
Cristiano citou ainda a importância de ajustar as contas públicas para inspirar credibilidade no mercado financeiro.
“O mercado está aceitando Temer por causa dessa agenda [de ajuste
fiscal]. A dúvida é se essas reformas serão aprovadas pelo Congresso
Nacional ou se vão sair de lá desidratadas. Se eventualmente fizerem
ajustes de tal forma que essas reformas saiam absolutamente
desidratadas, aí a instabilidade e insegurança voltam. O grande problema
do país é recuperar essa credibilidade fiscal.”
Para Débora, a classe trabalhadora poderá sair perdendo com os cortes
que Temer eventualmente promoverá. “Espero que não, mas temo que a
classe trabalhadora vá perder muito. Em termos de direitos, de acesso às
políticas públicas, pelo que é divulgado por aqueles que organizam a
política econômica do país, acredito em muitos cortes nessa direção”.
Jogo político
Noronha concorda com Débora a respeito do uso de argumentos estranhos ao
processo e utilizados para retirar Dilma da Presidência. Segundo ele,
considerar outros fatores além das chamadas “pedaladas fiscais” faz
parte de um julgamento em uma casa política.
“Num processo julgado por políticos, eles acabam sendo influenciados por
outros fatores. Por isso, a economia pesa, a popularidade e
personalidade da presidente pesam. Há uma série de outros fatores que
acabam interferindo nessa decisão que é política também. É um processo
do jogo”.
O cientista acrescentou que, quando a Constituição deu a prerrogativa de
julgamento ao Congresso Nacional, assumiu-se que o julgamento não se
daria apenas no mérito jurídico, mas também no político.
“Foi assim que estabeleceu o legislador e contra isso a gente não pode
lutar, está ali na Constituição. Se fosse um processo estritamente
jurídico, não caberia ao Congresso Nacional julgar, mas sim ao Supremo
Tribunal Federal”.
Papel da esquerda
Conforme Débora Messenberg, a esquerda do Brasil e do mundo está em
crise e precisa se reinventar.
“Acho que a esquerda tem de se reinventar no mundo inteiro, não só no Brasil. Depois da queda do muro [de Berlim], temos claramente um projeto liberal e neoliberal em expansão e a esquerda não teve um projeto de fato que enfrentasse. Então, vemos uma série de governos ditos como trabalhistas, mas que acabaram adotando uma política econômica liberal, neoliberal”.
“Acho que a esquerda tem de se reinventar no mundo inteiro, não só no Brasil. Depois da queda do muro [de Berlim], temos claramente um projeto liberal e neoliberal em expansão e a esquerda não teve um projeto de fato que enfrentasse. Então, vemos uma série de governos ditos como trabalhistas, mas que acabaram adotando uma política econômica liberal, neoliberal”.
Sobre o PT, bastante atingido pela Operação Lava Jato e pela crise que
derrubou Dilma, a socióloga disse acreditar que é um momento de reflexão
para o partido. “A partir de agora, o PT já se coloca na oposição. Mas
acho que é um momento de reflexão do partido. Afinal, esteve aí [no
poder] durante 13 anos e acho que é o momento de avaliação dos seus
erros e acertos”.
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