sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Para não deixar o consumidor mentir





Daniel Piardi explica como o neuromarketing mostra caminhos que podem permitir às marcas “ler a mente” do consumidor


Por Antenor Savoldi Jr
antenor@amanha.com.br





 

O administrador de empresas Daniel Piardi (foto) dedicou-se por praticamente um ano a um mestrado em neuromarketing pela Florida Christian University (FCU) que implantou um núcleo no Paraná. 
Segundo ele, as pesquisas tradicionais precisam ouvir cerca de 2 mil pessoas para que tenham pouca margem de erro. Com o neuromarketing, é possível aumentar o nível de confiança e, ao mesmo tempo, diminuir o número de entrevistados. Na entrevista a seguir, o pesquisador caxiense também detalha como o desenvolvimento dessa área abriu novas possibilidades que podem permitir às marcas “ler a mente” de seus consumidores. 

Que avanços o neuromarketing pode trazer às pesquisas de mercado?
 

O neuromarketing alia o marketing tradicional à ciência, buscando explicar o processo da tomada de decisão no momento da compra, entender como funciona o cérebro. Com o conhecimento da lógica do consumo, o neuromarketing tenta entender quais são os desejos, impulsos e motivações da pessoa, as reações neurológicas que determinam os impulsos externos que recebemos e ativam o nosso inconsciente. Segundo estudos, 95% das nossas decisões estão no inconsciente. Quando recebemos um estímulo externo, nossa memória que estaria adormecida acaba tomando uma decisão, a decisão racional.



Que tipo de tecnologias estão envolvidas nessa possível “leitura da mente e das emoções” do consumidor?
 

“Leitura” é o que podemos medir. Usando um equipamento um pouco mais complexo, o de ressonância magnética, conseguimos saber quais são as áreas do cérebro que estão sendo estimuladas. Isso é muito utilizado na indústria do cinema, para saber se um filme está ativando mais a parte visual, mais o sistema límbico e emocional, ou se ele está ativando a parte do cérebro ligada à audição. Outra tecnologia é o eye tracking, que consegue monitorar onde o olhar está fixado por mais tempo, e qual caminho ele faz. Também existe o mapeamento facial através de uma câmera: pelas microexpressões faciais, podemos saber se uma pessoa respondeu uma coisa, mas seu semblante diz o contrário. Outra tecnologia é a condutância de pele. Quando sentimos medo, o dedo expele um suor. Existem aparelhos capazes de medir, e são muito utilizados na indústria de perfumes. Pode ser que, ao ser entrevistado, o consumidor diga que gostou de um cheiro, mas a pele pode dizer o contrário, e não vai deixar ele mentir.


O que as pesquisas em neuromarketing já dizem sobre nossas reações no momento da escolha de um produto? 
 

O neuromarketing não é uma ciência nova. É uma nova maneira de estudar o próprio marketing, porque seguimos atrás das mesmas respostas que se buscam com a pesquisa tradicional. Mas agora anulamos um critério, que antes ficava em aberto: a chance de a pessoa mentir, ou ser tendenciosa para agradar a quem está perguntando, ou ao dono da pesquisa. O que se mede não é o que ela está dizendo, mas o que ela está sentindo. Tanto que, na pesquisa de neuromarketing, não é necessário sequer interagir com a pessoa. Um eletroencefalograma, por exemplo, pode mostrar o nível de relaxamento ou atenção a determinada imagem ou vídeo, sem que a pessoa expresse ou verbalize qualquer tipo de resposta. 


E como ficam as pesquisas tradicionais de comportamento do consumidor?
 

Numa pesquisa tradicional, para chegar a uma margem de erro de dois pontos para cima ou para baixo, é necessário ouvir cerca de 2 mil pessoas. Com o neuromarketing, posso diminuir muito o número de entrevistados, e ao mesmo tempo aumentar o nível de confiança da pesquisa. Existem literaturas dizendo que o uso do neuromarketing tem níveis de assertividade que chegam a 95% em suas pesquisas, muito acima das pesquisas tradicionais.


Sobre o que trata o “gerenciamento de expectativas” nas pesquisas em neuromarketing?
 

O cérebro humano é composto por três “partes”: o sistema reptiliano, responsável pelo comportamento instintivo, de sobrevivência e reprodução; o sistema límbico, que gerencia as emoções; e o neocortex, responsável pela parte racional e consciente. A compra acontece no momento que em que o consumidor estiver insatisfeito. Por exemplo, você compra um automóvel zero. Depois de um ano, a indústria já vai ter um novo lançamento, e está jogando o consumidor diretamente para uma zona de frustração. Mas, ao mesmo tempo, ela já tem a solução pronta, que é o novo modelo. Outro exemplo é o jogo CandyCrush. É um jogo de recompensa. 

Quando você atinge um estágio, ele vai te dizer palavras de recompensa, mas ao mesmo tempo ele vem com uma fase mais difícil, e joga o usuário para a frustração. No momento que ele não conseguir passar por aquela fase, e deixar de jogar por cinco dias, aquela fase vai se tornar mais fácil. Isso porque nosso cérebro reptiliano quer conquistar, colecionar. O software entende essa mecânica e faz esse gerenciamento. O mesmo vale para as redes sociais, que acabam viciando as pessoas nas recompensas, que são as curtidas, o fato de ser comentado. Por natureza, gostamos de ser reconhecidos pelo outro. A questão é que essas empresas entendem disso e criam essas expectativas. Elas mesmas colocam o cliente na frustração, mas o importante é criar e oferecer a solução.


Como se dá a formação de profissionais para trabalhar na área?
 

Existem algumas barreiras. Uma é na academia tradicional, que não possui profissionais prontos nessa área para poder passar a formação adiante. A outra é que, no Brasil, isso tudo é muito novo. Mas já existem alguns cursos. Estou montando um laboratório para promover cursos fora da academia, porque, se não há entrada no nível acadêmico, existe para a prática. Muitas pessoas estão falando sobre isso. O neuromarketing está voltado para o mercado. Podemos aplicar a neurociência em todas as áreas de gestão de uma empresa, desde a parte da liderança até a parte do marketing, e a parte econômica.


Qual o cenário das pesquisas no exterior? 
 

Os países com maior liderança nessa área são Alemanha, Holanda e Portugal, que têm muita literatura e pesquisas na área. Em aparelhos e softwares, há muita coisa na Europa e nos Estados Unidos. O governo Obama liberou uma grande verba para o projeto BRAIN (Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies) para investigar o cérebro humano – o órgão que é responsável por tudo, mas o menos explorado até então, não pela área médica, mas pela de ciências sociais e econômicas.  Os americanos hoje vêm avançando muito nessa área, porque  estão investindo pesado, recuperando o tempo perdido. 

E, claro, fazem questão de ser autoridades em tudo o que fazem. Eles podem começar depois, mas vão investir alto para se tornarem a referência. Na questão de pesquisas, está aberto tanto para que uma pesquisa aqui no Brasil seja reconhecida mundialmente como  para uma pesquisa em outro país — desde que haja o engajamento e a busca para isso. O meu caso é um exemplo. No Brasil, minha pesquisa demorou a ter relevância, enquanto fora do Brasil ela foi bem aceita. Até brinco que “santo de casa não faz milagre”. Com a visibilidade que tive fora, o pessoal daqui abre as portas, muitas vezes, para poder ouvir uma palestra, se aprofundar, conhecer um pouco mais o tema. 


Quando uma empresa prioriza a possibilidade de direcionar o impulso do consumidor, quais os riscos de a qualidade de seu produto ficar em segundo plano?
 

O consumidor pode ser atraído para pegar determinado produto na gôndola. Mas, se ao chegar em casa, e experimentar o produto, ele não atingir o seu objetivo, vai sentir uma frustração. E se houver uma frustração com a qualidade do produto, não terá sido fechado o ciclo de uma boa lembrança emocional. É preciso tomar cuidado para não haver esse tipo de problemas. Quem vê de fora pode pensar em usar (o neuromarketing) só para fazer a venda mas, sem a qualidade, não terá a revenda.


Como as empresas e marcas menores, que focam exclusivamente a qualidade do produto, podem lidar com esse novo cenário sem ser prejudicadas? 
 

Existem empresas que têm produtos bons, mas não estão sabendo se comunicar com o consumidor. A teoria estuda cases de empresas de maior porte, mesmo aqui do Brasil, como a Boticário, a P&G e a Unilever. As grandes empresas fazem pesquisas de maneira restrita, e não divulgam seus resultados, mas usando seus exemplos é possível fazer uma aplicação para as empresas menores. Em 2012, com base na literatura e no acesso que tinha aos laboratórios como pesquisador, conseguimos aplicar essas informações e pesquisas para uma pequena empresa familiar, a Vergel Alimentos. Em dois anos, o faturamento aumentou quatro vezes. Isso sem mudar nada na formulação dos produtos, apenas o posicionamento que ocupavam nas gôndolas de supermercado. 


Qual o investimento necessário para que qualquer empresa possa se beneficiar do neuromarketing? 
 

O que é ainda um pouco caro são os equipamentos, e a montagem do laboratório com essas tecnologias. Esse custo  de consultoria e pesquisa pode variar de R$ 45 mil até R$ 1 milhão, dependendo da complexidade. Para utilizar ressonância magnética, por exemplo, é preciso uma parceria com um laboratório que tenha o aparelho e profissionais da área que vão se disponibilizar a trabalhar nesse projeto. Mas a ideia é criar um laboratório para tornar as pesquisas viáveis para pequenas e médias empresas. As grandes empresas já têm acesso à tecnologia e capacidade para fazer  os investimentos.


Qual a importância da compreensão dos princípios do neuromarketing pelo consumidor? E qual a chance de ele ser induzido a consumir, não pela qualidade, mas por impulsos que não controla?
 

O papel do marketing das empresas é estimular os consumidores. Se uma empresa fizer algo que não é ético, ela será percebida pelo mercado, que seleciona os melhores. Todas as empresas que utilizam o neuromarketing também têm produtos de qualidade. Para o consumidor, não existe nenhum tipo de problema. Sempre existe, claro, a possibilidade de que eventualmente as empresas venham a utilizar alguma informação para vender uma quantidade maior, ou fazer algo voltado à parte econômica – por exemplo, “leve 3 pague 2”. Mas essas coisas a gente já conhece do mercado, nada que não exista.


Você menciona que muitas marcas atuam como uma religião para os consumidores, como a Apple. Há um limite ético por parte das empresas para esse tipo de estímulo à “irracionalidade”?
 

Lá naquela parte do nosso cérebro reptiliano, consta que, por natureza, nós, seres humanos, gostamos de cultuar algo. Notamos em comum, nessas empresas de mercado de luxo, ou de produtos com maior valor agregado, que todas acabam tendo suas bases muito parecidas com a religião. Os templos são as lojas. O líder é o CEO, o presidente da empresa, ou o fundador, que é visto como uma autoridade. Seria o santo deles. E todo o ritual é o que se faz para uma venda, como a fila na qual as pessoas passam a madrugada para ter a oportunidade de ser os primeiros a comprar. No momento em que entendemos o que leva a pessoa a tomar sua decisão por uma coisa, e não por outra, é possível montar um ritual, inclusive para finalizar uma venda, ou aproximar a pessoa da marca. A ética aponta mais para “não se aproveitar disso”, ou não tornar as pessoas dependentes. Mas, independentemente disso, há pessoas que só têm prazer consumindo.


Você produziu uma pesquisa que busca na genética explicações para o perfil de liderança de determinados empresários. A que resultados você chegou?
 

Em 2013, uma Universidade College de Londres fez uma pesquisa com 4 mil pessoas, identificando qual era o gene que definia a liderança. Foi encontrado o gene RS4950, que, dependendo da sua composição química, revelaria uma maior ou menor propensão de alguém ser líder. Como nasci na serra gaúcha, sempre quis entender por que a região, um lugar de área territorial pequena e acidentada, possui tantas empresas importantes. 

Busquei entender o perfil das pessoas, na sua parte genética e na memética – que envolve o ambiente na qual elas cresceram. Comparei empreendedores, pessoas em cargo de lideranças, e liderados, coletando o material genético de 66 pessoas. Fizemos a análise, cruzando com entrevistas de cada um. Ficou comprovado que, na serra gaúcha, há uma maior probabilidade de haver pessoas com gene da liderança, se comparado ao estudo feito entre britânicos e americanos. Ou seja, o gene é relevante. Mas também ficou comprovado que os empreendedores da região têm influencia do meio e da sua criação. Cerca de 70% dos que são empreendedores hoje tinham o pai ou a mãe empreendedores. Ao mesmo tempo, 70% dos que hoje são funcionários tinham o pai ou a mãe funcionários de empresas. Isso quer dizer que a genética é relevante, mas a memética, o ambiental, é determinante.


Se existe um “gene da liderança”, pode existir também um “gene do consumo”?
 

Existem pessoas dependentes de consumo, pois o ato de compra libera dopamina. O prazer de consumir, devido à descarga deste neurotransmissor, está relacionado a biologia humana, e não à genética. Pode ser porque ela tenha a recompensa da dopamina através de um alimento, ou correndo de carro, ou fumando um cigarro. É preciso ter cuidado para não virar um vício. Além do gene da liderança, também existem pesquisas sobre a genética de pessoas mais propensas a cometer crimes. 

Até o momento, não foi identificado um gene específico para o consumo. Mas tudo é ainda muito novo. Podem surgir novas teorias. Mas é importante lembrar que um gene isolado não é responsável pelo nosso comportamento. Sofremos influência da cultura na qual vivemos. 


- See more at: http://www.amanha.com.br/posts/view/2706#sthash.nCkYI135.dpuf

Nenhum comentário:

Postar um comentário