Com integração das operações físicas e digitais, a maior varejista global tenta reverter histórico de maus resultados no Brasil. Ao mesmo tempo, o mercado cogita que a rede já teria um prazo definido para deixar o País
A gigante nunca conseguiu superar os concorrentes Carrefour e
Grupo Pão de Açúcar, e ir além da terceira posição no setor. A
subsidiária tampouco alcançou destaque no contexto global do Walmart,
dono de um faturamento de US$ 486 bilhões. Quase irrelevante, a
participação do Brasil nesse indicador costuma variar entre 1% e 2%.
Para efeito de comparação,a operação brasileira do Carrefour representa
uma fatia de 16% da receita global e é o segundo maior negócio, atrás
apenas da matriz francesa.
Na terça-feira 5, as tentativas do Walmart para reverter
esse quadro e estabelecer uma trajetória bem-sucedida no Brasil ganharam
um novo capítulo. Em linha com um modelo que vem sendo adotado pela
matriz americana, a empresa anunciou a integração de suas operações de
lojas físicas e de comércio eletrônico. Inaugurado no País em 2012, o
Walmart.com.br era, até então, um braço independente. Com uma receita de
R$ 554,8 milhões no ano passado, o canal funcionava com equipe e sede
próprias, instaladas em Alphaville, na região metropolitana de São
Paulo. A transição para o novo modelo será conduzida por Paulo Silva,
CEO da divisão de e-commerce. Após a conclusão do processo, o negócio
será comandado por Flávio Cotini, presidente do Walmart no Brasil.
A notícia da integração foi antecipada pela coluna MOEDA
FORTE, de Carlos Sambrana, no portal da DINHEIRO, que entrevistou ainda
um grande fornecedor da companhia. Segundo o executivo, que pediu
anonimato, a varejista reuniu diversos parceiros, na segunda-feira 4,
para informar que o grupo deixará o Brasil até julho de 2018. No
encontro, a companhia teria se prontificado a pagar uma multa milionária
a esses parceiros por quebra de contrato.
Na mesma data, durante um evento realizado, em São Paulo,
para acionistas, investidores e representantes do mercado financeiro, os
executivos da Via Varejo foram questionados acerca de um possível
interesse na compra do Walmart no Brasil. No dia seguinte, na sede da
Via Varejo em São Caetano do Sul, na região do ABC paulista, eram fortes
os rumores de que a rede americana venderia seus estoques para a
concorrência. Procurada, a Via Varejo afirmou por meio de sua assessoria
de imprensa que não comenta rumores de mercado.
Seja quais forem as medidas a serem tomadas, o clima é de
apreensão nos corredores do Walmart. Conforme apurou o blog BASTIDORES
DAS EMPRESAS, de Ralphe Manzoni Jr., no portal da DINHEIRO, a rede
varejista pode demitir até 80% dos mil funcionários que compõem o time
das operações online no Brasil. Procurado, o Walmart não concedeu
entrevista. Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa
negou que irá deixar o mercado brasileiro e disse que não faria
comentários sobre demissões. Em nota, o grupo ressaltou que a decisão de
integrar as operações offline e online “irá proporcionar mais agilidade
e eficiência ao negócio e trazer mais opções de produtos e serviços aos
clientes”.
O Walmart informou ainda que a sua estratégia online no País
passará a priorizar o modelo de marketplace, um formato que fez a fama e
a fortuna de gigantes como a chinesa Alibaba e a americana Amazon, que
está reforçando sua operação no Brasil. Desde 2013, grandes nomes locais
do setor, como Magazine Luiza, Via Varejo e B2W, dona das marcas
Submarino e Americanas.com, também passaram a investir nesse filão. Os
marketplaces funcionam como uma espécie de shopping virtual, no qual o
site de um varejista concentra as ofertas de uma gama de pequenos e
médios lojistas. Nesse caso, a receita vem das taxas cobradas para que
esses parceiros divulguem seus produtos nesse “bazar digital”. A
abordagem é atrativa para as grandes empresas, que conseguem diluir
custos e, ao mesmo tempo, extrair maior rentabilidade de seus ativos,
entre eles, o volume de consumidores que acessam os seus portais.
DE SAÍDA? Para um ex-alto executivo da companhia no País, a
saída da varejista do Brasil é uma questão de tempo. Ele cita um prazo
de três anos que o CEO global Doug McMillon teria dado, em 2015, para
que a subsidiária estancasse suas perdas e gerasse resultados. Caso o
objetivo não fosse alcançado, a venda do negócio no País seria uma
alternativa na mesa. A fonte ressalta que, há no mínimo 10 anos, a
operação não é lucrativa e que se fosse preciso fechar as lojas que dão
prejuízo, mais da metade delas teria esse destino. “O Walmart patina,
patina e não sai do lugar. Eles sabem o caminho que precisam seguir, mas
não são capazes de executar”, diz a fonte. Sua visão é de que há muitos
erros de estratégia. O principal deles é que os executivos locais
precisam seguir estritamente as regras ditadas pela matriz americana. “E
a cabeça americana tem um viés muito equivocado sobre o varejo
brasileiro”, afirma.
Sob esse modelo de gestão, o executivo aponta outros
equívocos cometidos pela rede no Brasil, como a insistência em priorizar
os hipermercados e supermercados, em detrimento de formatos que
ganharam escala no País nos últimos anos. Encaixam-se nesse contexto as
lojas de proximidade e os atacarejos, que cresceram em virtude de
fatores como a recessão econômica e os novos hábitos de consumo. “O
Walmart faz exatamente o oposto do que todos os seus rivais estão
fazendo no País”, afirma. Em atacarejos, por exemplo, o Assaí, do Grupo
Pão de Açúcar, possui 124 lojas e é o maior foco da expansão da
varejista brasileira, inclusive com a conversão de lojas de
hipermercados para esse formato. Enquanto isso, o Maxxi Atacado e o
Sam’s Club, bandeiras do Walmart nessa categoria, possuem, juntas, 71
pontos de venda.
Outro alvo das críticas é a estratégia, em curso,
para rebatizar marcas regionais adquiridas nos últimos anos, como BIG e
Mercadorama, na região Sul, e Bompreço, no Nordeste, sob o nome Walmart.
“O Bompreço, por exemplo, é uma marca muito forte por lá e está sumindo
do mapa”, afirma o executivo. Ele coloca em xeque ainda a unificação
das operações físicas e de e-commerce, alegando que as duas estruturas
são precárias e apoiadas por softwares de gestão pouco eficientes. “O
Walmart não tem sistemas, não tem gente e não entende do Brasil.”
Para analistas consultados pela DINHEIRO, a demora para
integrar as estruturas dos negócios de lojas físicas com o canal digital
é uma das questões que justificam o desempenho aquém das expectativas
da empresa no mercado brasileiro. “Nessa frente, eles terão dificuldades
tanto no varejo alimentar quanto no segmento de eletroeletrônicos”, diz
Ana Paula Tozzi, CEO da consultoria AGR, especializada em varejo. Ela
cita o GPA e o Magazine Luiza como competidores que já registram avanços
significativos nessas categorias, respectivamente, e na exploração de
estratégias multicanais. Tozzi não acredita que o Walmart deixará o
país.
Para reforçar essa visão, a rede, por sua vez, afirma que
estabeleceu um plano de investimentos de R$ 1,5 bilhão para o Brasil nos
próximos quatro anos. O argumento, no entanto, também é questionado.
“O
fato de divulgar esse aporte pode ser uma estratégia para valorizar o
ativo no mercado”, diz um executivo do setor. Batizado de Reinvention, o
projeto busca remodelar os hipermercados e supermercados da companhia
no País, o que inclui desde o layout das lojas até o sortimento
ofertado.
A princípio, a iniciativa é considerada positiva, pelo fato de
atacar alguns dos equívocos cometidos pela varejista no mercado local,
como a simples importação de seu modelo americano de lojas e a oferta
uniforme de produtos em todas as unidades. “O Brasil é um mercado com
muitas nuances de consumo. As ofertas precisam ser regionalizadas e eles
demoraram muito para entender esse conceito”, diz Tozzi, da AGR.
Para Eugênio Foganholo, diretor da Mixxer Consultoria, outro
fator que dificultou a jornada do Walmart no País e segue prejudicando a
operação brasileira é a manutenção da aposta no lema “Preço Baixo Todo
Dia”, pelo qual a rede americana tornou-se conhecida. “O consumidor
brasileiro tem uma cultura de promoções pontuais”, afirma Foganholo. “Só
assim ele consegue enxergar valor quando tem algum desconto”, diz o
especialista. O analista, no entanto, enxerga boas perspectivas
na guinada digital do Walmart. E cita como referência os bons resultados
que a rede começa a colher nos Estados Unidos, especialmente a partir
da compra, em 2016, por US$ 3,3 bilhões, da Jet.com, cujo CEO, Marc Lore, foi nomeado presidente da divisão de comércio eletrônico da varejista nos Estados Unidos.
No terceiro trimestre, o segmento registrou um crescimento
de receita de 50%, na comparação com igual período, um ano antes. Nesse
intervalo, a rede triplicou, por exemplo, para 70 milhões, a oferta de
produtos em seu marketplace no mercado americano. E dobrou, para 1,1 mil
lojas, o número de pontos de venda que já fazem entregas de pedidos
realizados via e-commerce. Outra decisão anunciada pela operação
americana, na quarta-feira 6, foi a mudança do nome para marcar esse
novo foco em um modelo multicanal. O que antes era Wal-Mart Stores se
tornou Walmart Inc., mais alinhado com a rival Amazon. “Nada impede que o
Walmart recupere o tempo perdido e encontre seu rumo também no Brasil”,
diz Foganholo. Enquanto a matriz tiver paciência, é claro.
Colaborou: Rodrigo Caetano