Brasil precisa de 6 milhões de imigrantes qualificados, mas o
‘apagão de mão de obra’ atinge também a base da pirâmide, onde os
salários estão subindo mais..
Uma nova estratégia de “atração de cérebros” poderá trazer cerca de 6
milhões de profissionais estrangeiros para o Brasil nos próximos anos,
segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo.
Com o auxílio de grupos de especialistas e consultorias de mercado, a
secretaria quer desenvolver uma política de atração de profissionais – o
número, no entanto, não inclui imigrantes de baixa qualificação e, sim,
profissionais altamente qualificados que possam atender a demanda atual
da economia brasileira.
“Imigrantes qualificados são o foco do esforço. Não é uma política
geral de imigração, é uma estratégia de atração de cérebros.”, disse o
ministro-chefe interino da SAE Marcelo Neri à BBC Brasil. A proposta
deve chegar à presidente Dilma Roussef nos próximos 40 dias.
Neri afirmou que a estimativa de 6 milhões foi feita considerando
levantamentos de uma comissão de especialistas e de pesquisas com as
empresas e o público em geral.
Segundo Neri, o Brasil é um dos países com a menor proporção de
imigrantes na população, o que reflete “um fechamento do país ao fluxo
de pessoas”. Os estrangeiros representam hoje 0,2% da população. Com a
adição de seis milhões nos próximos anos, este percentual subiria para
cerca de 3%.
“O Brasil é muito fechado para imigrantes, mesmo em relação à América Latina que já não é tão aberta para estrangeiros.”
Para Neri, esse “fechamento” deve ser revertido para responder à
demanda crescente por profissionais altamente qualificados,
especialmente na áreas de engenharia e saúde.
No entanto, sindicatos nacionais temem que trazer mão de obra de fora
prejudique a força de trabalho doméstica – que, de acordo com eles, é
suficiente em termos numéricos, mas precisa de valorização e melhor
qualificação.
Neri afirma que a nova estratégia “leva em conta a necessidade atual
de mão de obra qualificada, mas mantém o cuidado com o trabalhador
brasileiro”.
“Não é uma abertura de porteira. Trazer profissionais altamente
qualificados cria associações mais fortes, cria mais massa crítica, se
aprende muito com outros profissionais.”
‘Apagão de mão de obra’
A expressão “apagão de mão de obra” é usada com frequência por
analistas de mercado nos últimos anos para se referir a uma suposta
escassez de profissionais altamente qualificados no Brasil.
De acordo com a Pesquisa de Escassez de Talentos (2012) da
consultoria internacional Manpower Group, o Brasil é o segundo país do
mundo em dificuldade para preencher vagas, atrás apenas do Japão. A
falta de candidatos disponíveis e a falta de especialização são
apontadas por empresários como as duas principais razões do problema.
Mas, em 2011, um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) negou a existência de um “apagão” no topo da pirâmide de
profissionais brasileiros.
“O verdadeiro apagão de mão de obra está na base, na mão de obra
pouco qualificada, que é onde os salários estão subindo mais”, diz o
ministro Marcelo Neri, que é também o presidente do Ipea.
O ministro, no entanto, afirma que nos últimos anos algumas áreas de
especialidade começaram a dar sinais de que a oferta de profissionais
domésticos não seria suficiente para atender ao mercado em crescimento
do país.
“(Entre os profissionais qualificados) você não tem um apagão
completo, mas você tem áreas mais sombreadas do que outras. O fato é que
o mercado de trabalho em 2012 e 2013 se aproxima do que se pode chamar
de um apagão. A luz ficou mais fraca.”
Um levantamento da Brasil Investimentos e Negócios (Brain) –
consultoria que realiza pesquisas sobre a inserção do Brasil no mercado
internacional e colabora com a SAE – afirma que medicina, engenharia
civil, engenharia química e arquitetura são éreas em que o país precisa
de mais profissionais do que os disponíveis.
“Independentemente da política realizada para a educação, não vamos
ter resultados imediados. O resultado de políticas públicas acontece em
duas ou três gerações”, diz André Luiz Sacconato, analista da Brain.
“Existe um buraco entre os resultados de políticas e o que o Brasil
necessita hoje. Os imigrantes viriam para suprir essa lacuna.”
Outro benefício, de acordo com a Brain, são os empregos criados a
partir da importação de profissionais. Cada profissional estrangeiro
empregado no Brasil poderia gerar entre 1,3 e 4,6 empregos para
brasileiros.
“Temos claramente obras paradas porque não tem engenheiro civil.
Quando se coloca um engenheiro civil lá, se gera emprego para mestres de
obras e outros. Isso é bom para a economia”, afirma Sacconato. “É algo
complicado, vai mexer com sindicatos e associações de classe. Mas não
queremos tirar o emprego de ninguém, são empregos complementares.”
Discordâncias
Atualmente, segundo o Ministério do Trabalho e consultorias, a maior
parte dos estrangeiros que obtém o visto de trabalho brasileiro são
profissionais qualificados para as indústrias de extração de petróleo e
construção civil – especialmente obras de infraestrutura.
Mas o presidente da Federação Nacional dos Engenheiros, Murilo
Pinheiro, questiona que haja falta de engenheiros locais para atender à
demanda.
“A demanda por profissionais nessas áreas realmente aumentou, mas não
está faltando. Se for preciso trazer um engenheiro de uma matéria que
não existe aqui, (a importação) é de fato interessante, mas não entendo a
necessidade de trazer amplamente engenheiros civis”, disse Pinheiro à
BBC Brasil.
O presidente da Federação Nacional dos Arquitetos, Jeferson Salazar,
afirma que apesar da demanda, o setor público não absorve a quantidade
de profissionais que chegam ao mercado a cada ano – cerca de 7 mil.
“Nos últimos 25 anos, o número de escolas no Brasil cresceu 6 vezes. A
quantidade de jovens arquitetos com subemprego ou desempregados no país
é imensa e o governo não tem nenhum plano para utilizar esse exército
de mão de obra”, disse à BBC Brasil.
“Sou a favor da vinda de alguns profissionais qualificados que possam
contribuir com o desenvolvimento da arquitetura no Brasil. Esses
profissionais serão bem-vindos se trouxerem contribuições.”
A medicina, segundo Marcelo Neri, é a área que mais se enquadra na
ideia de um apagão de mão de obra, a julgar pelos indicadores de
mercado.
Entretanto, o presidente da Federação Nacional dos Médicos, Geraldo
Ferreira, afirma que o número atual de profissionais no Brasil – cerca
de 1,9 médicos para cada mil pessoas – é capaz de atender o mercado
nacional, na condição de que sejam criadas melhores estratégias de
distribuição de profissionais e planos de carreira no setor público.
“A presidente está fazendo o planejamento estratégico de elevar o
número para 2,4 médicos para mil habitantes. Realmente, para atingir
isso hoje, faltam médicos. Mas se o planejamento é para atingir essa
meta em 2020, nossa avaliação é diferente da do governo, que trabalha
com a ideia de que teríamos que importar médicos”, disse Ferreira à BBC
Brasil.
“Com o lançamento de 17 mil médicos por ano no mercado, acreditamos
que teríamos isso, sim. O que precisamos é melhorar a atratividade do
setor público no Brasil para mantê-los lá. Injetar profissionais não vai
necessariamente resolver os problemas”, disse à BBC Brasil.
Campanhas para atrair médicos estrangeiros para o setor público já existem em diversos Estados brasileiros.
Visto rápido e mais seleção
A estratégia mais bem cotada pela SAE para atrair profissionais para o
Brasil é a adoção do sistema de pontos, utilizado por países como
Austrália, Canadá e Grã-Bretanha.
O sistema confere quantidades diferentes de pontos às respostas do potencial imigrante em um questionário.
André Luiz Sacconato, analista da Brain, diz que o sistema pode ser
uma opção beneficie empresas e proteja o trabalhador brasileiro de uma
“invasão” de profissionais.
“Ele limita a entrada ao que se precisa, já que você pode dar poucos
pontos para determinadas profissões, idades ou experiências que não são
desejadas pelo país”, defende.
O ministro Marcelo Neri diz que a SAE não cogita criar uma lista de
profissionais em demanda, que também é utilizado por estes países
juntamente com o sistema de pontos.
Atualmente, os vistos de trabalho para o Brasil são vinculados à
contratação por uma empresa no país. Em 2012, mais de 73 mil vistos
foram emitidos.
No entanto, a SAE propõe que os profissionais estrangeiros possam
entrar no país mesmo sem uma oferta de trabalho definica e ter um
período de cerca de seis meses para buscar emprego.
“O trabalhador estrangeiro não deve ficar sujeito a uma lei muito
diferente da lei do trabalhador brasileiro”, disse Neri à BBC Brasil.
Camilla Costa