O ano era 1973, a
ditadura de Augusto Pinochet começava no Chile e, nas décadas seguintes,
o país passaria pela maior transformação econômica de sua história.
Os "Chicago Boys", como eram conhecidos os 25 jovens economistas
chilenos recém-chegados da Escola de Chicago, foram os pioneiros a
colocar em prática o pensamento neoliberal, antecipando no Chile em
quase uma década medidas que só mais tarde seriam adotadas por Margaret
Thatcher no Reino Unido e por Ronald Reagan nos Estados Unidos.
Para eles, a ideia mercantilista baseada na busca incessante de um
superávit comercial já não atendia mais às necessidades do capitalismo. A
crença agora era de que o neoliberalismo tornava a economia mais
competitiva, e por meio da livre concorrência os preços, as margens e a
inflação iriam cair.
Para tanto, foram tomadas algumas medidas: primeiro as
privatizações, em seguida a abertura comercial em conjunto com o rigor
fiscal. Mas, como tudo na vida, todo benefício tem seu custo.
Subir 0,25 a Selic ou 0,50 é importante para ancorar as expectativas de inflação no curto prazo. Mas no longo prazo são a competitividade da indústria e os incentivos ao setor privado que reduzirão os preços e farão o país crescer de maneira digna
Essas medidas liberais demoraram a surtir efeitos e o ajuste provocou
em um primeiro momento inflação, desemprego e outros problemas sociais.
O remédio foi amargo nos dezessete anos seguintes (1973-1990) com o PIB
crescendo menos do que nos anos anteriores ao golpe.
Apesar disso, 20 anos depois, de 2006 a 2010, a então presidente do
Chile, Michelle Bachelet, intensificou essas reformas liberais.
Continuou a mínima intervenção estatal na economia e no mercado de
trabalho; intensificou a abertura econômica; adotou medidas contra o
protecionismo; se manteve contra os impostos excessivos e se posicionou
contra o controle de preços por parte do Estado. Resumindo, defendeu com
unhas e dentes os princípios econômicos do capitalismo.
Foi exatamente nesse período que o amargor dos anos 70 deu lugar ao
maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita da América Latina, com uma
economia crescendo por volta dos 4,0% ao ano e uma inflação de apenas
1,9% de 2009 a 2012. Em termos de comparação, nesse mesmo período, o
Brasil atingiu míseros 2,7% e inflação média de 5,6%.
Na contramão do Chile estão nossos hermanos argentinos. Com um
governo cada vez mais populista e intervencionista, Cristina Kirchner
vem desenhando um manual de tudo o que não deve ser feito em termos
econômicos com um país. Após 10 anos de kirchnerismo, que começou com
Néstor Kirchner em 2003, Cristina não fala em outra coisa senão
restringir as importações, aumentar o controle de capital e manter (via
caneta) o controle de preço. Em resumo, em vez de curar a febre, o
governo argentino decidiu quebrar o termômetro.
Por um tempo funcionou, mas o que era uma popularidade alta foi
transformado em um pífio crescimento de apenas 2,4%, com uma inflação
exorbitante de 32%. Obra do acaso?
Talvez não. Medidas populares podem ser artifícios políticos para
contentar a população no curto prazo. Um governo que protege a indústria
nacional a qualquer custo equivale a uma mãe que mima seu filho até os
40 anos achando que essa é a solução para os problemas do mundo. O
resultado disso já sabemos: assim como a mãe fica com um filho
dependente e despreparado para vida, o governo cria uma indústria não
competitiva e dependente de intervenções.
Mais do que isso, entra-se em uma armadilha com cada vez mais
pressões populares e, à medida que atende essas demandas, o governo
isola comercialmente o país, Em outras palavras, o remédio além de não
surtir efeito, agrava o problema.
Mas porque toda essa comparação? Os veículos de mídia e nossos
governantes sempre discutem à exaustão se o Copom deve aumentar em 0,25
ou 0,50 a taxa de juros base da economia para controlar a inflação.
A grande questão é que tanto 0,25 como 0,50 não podem ser os
problemas centrais do país, a discussão dos motivos do crescimento baixo
e inflação a longo prazo está praticamente desconectada da taxa de
juros. E infelizmente, o modelo brasileiro adotado está mais para a já
comprovada ineficiente política argentina do que para a próspera visão
chilena.
As notícias não animam. Um estudo feito pelo Banco Mundial mostra que
o Brasil é o país mais fechado do G-20 e que desde 2008 vem
intensificando essas medidas protecionistas.
O governo exagera ao sustentar a qualquer preço as ineficiências das
empresas "ad eternum", mas também contribui pra isso. Um exemplo disso é
o tempo necessário para abrir uma empresa no Brasil de 119 dias. A um
custo médio de R$ 2.038. Já nosso vizinho, o Chile aprovou uma lei em
que a abertura de empresas passa a ser feita em um único dia, pela
internet, sem papelada e a custo zero.
Talvez isso explique o porquê temos o segundo Ipad mais caro do
mundo, atrás apenas dos nossos hermanos argentinos. Sem contar o Ipad,
ainda sofremos com a banda larga e os automóveis mais caros também. Para
ilustrar como sofremos com isso, uma Ferrari 458 Spider no Brasil custa
US$ 950 mil - com esse dinheiro um americano compra o mesmo carro (US$
250 mil), um apartamento (US$ 350 mil) e ainda um helicóptero (US$ 350
mil).
Portanto, subir 0,25 a Selic ou 0,50 é claramente importante para
ancorar as expectativas de inflação no curto prazo. Mas no longo prazo
será a competitividade da indústria e os incentivos ao setor privado que
irão tornar os preços mais baratos e farão o país crescer de maneira
digna.
Assim como no Chile, uma saída para promover o desenvolvimento é
apostar na fórmula empreendedorismo e inovação para não deixar morrer a
iniciativa privada e a livre concorrência. Posto de outra forma,
precisamos de mais Chile e menos Argentina para o Brasil.
Samy Dana é professor da Escola de Economia da FGV
Leonardo de Siqueira Lima é economista da FGV