– José Valverde Machado Filho
No Brasil, em 2009 foram geradas cerca de 182 mil toneladas diárias
de resíduos sólidos, apenas considerada a população urbana. Isto
significa uma média de 1.152 quilos de resíduos por habitante das
cidades. Destes totais, apenas cerca de 161 mil toneladas diárias de
resíduos (1.015 quilos diários por habitante) são coletados de alguma
forma. Isto significa que em todo o Brasil algo em torno de 20 mil
toneladas diárias de resíduos sólidos simplesmente ficam “por aí”,
afetando diretamente o meio ambiente e a saúde das populações
diretamente afetadas.
Ao se considerar o processo de crescimento da economia brasileira dos
últimos anos – o qual deve continuar adiante – pode-se especular que
haverá um aumento proporcional nestes números, tanto na geração de
resíduos sólidos, como na sua coleta e principalmente na não-coleta.
Deste total de resíduos gerados, 56,8% vão para aterros sanitários,
23,9% para “aterros controlados” e 19% diretamente para lixões. No
geral, isto significa que estamos simplesmente “enterrando dinheiro”, no
sentido de que parte significativa destes resíduos poderia ser
reciclada e voltar para a cadeia produtiva.
O problema tende a piorar em todo o mundo, já que até 2050 estima-se
que serão gerados mundialmente 13 bilhões de resíduos urbanos, sendo que
atualmente apenas 25% dos resíduos são recuperados de maneira
apropriada. É fundamentalmente, portanto, um processo de “esverdeamento”
da economia, no sentido de dar valor econômico tangível ao tratamento
de resíduos de forma a se fazer os investimentos necessários para a sua
coleta e tratamento adequados.
No Brasil as coisas avançam, ainda que lentamente. A Lei Nacional de
Resíduos Sólidos levou 21 anos para ser aprovada, especialmente por
desacordos sobre o aspecto econômica da sua implantação, com as empresas
e o governo se digladiando para ver como seria o pagamento desta conta.
Por muito tempo se apostou em uma estratégia do “deixa como está para
ver como fica.”
Mas agora, o marco regulatório existe e veio para ficar, com a
aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e sua regulamentação.
Em junho próximo deverá ser divulgado o Plano Nacional de Resíduos
Sólidos.
Alguns elementos significativos da nova legislação:
- Diferenciação entre “resíduo” e “rejeito” – o primeiro tem valor e é possível de ser reciclado e voltar para a cadeia produtiva. Para o segundo não existe ainda tecnologia para reaproveitamento e, portanto, tem de ser tratado de forma adequada. Os resíduos sólidos não poderão ir diretamente para os aterros sanitários, o que representará um enorme desafio para fortalecer a cadeia de coleta, reaproveitamento e destinação. Mesmo para uma cidade como São Paulo, que não tem aterros sanitários, isto é um desafio na medida em que na cidade há somente 20 cooperativas de catadoras conveniadas com a Prefeitura.
- Destinação final é diferente de disposição final.
- Será necessária uma gestão integrada dos resíduos.
- O ciclo de vida dos produtos entra definitivamente na agenda e vai requerer especial atenção.
A coleta seletiva é um grande gargalo da implantação da Lei. Em 2000
apenas 451 municípios brasileiros contavam com algum tipo de coleta
seletiva formal. Em 2008 a situação melhorou, mas pouco: há coleta em
994 dos 5.565 municípios brasileiros.
A participação de catadores formalizados é essencial para sucesso da
política nacional de resíduos sólidos. No contexto da nova legislação, o
sistema de coleta de resíduos sólidos e logística reversa prioriza a
participação de cooperativas e de outras formas de associações de
catadores. No Brasil mais de um milhão de pessoas vivem desta atividade.
Os catadores serão fundamentais na implantação da logística reversa, no
trato diário e na segregação de resíduos, na geração de oportunidades
de negócios, e de inclusão social.
Mas é preciso capacitar as cooperativas, fortalecer os modelos de gestão. Ou seja, é um grande desafio.
A logística reversa veio para ficar. Alguns setores já são obrigados a
implementá-la independente do serviço de coleta pública: Agrotóxicos,
pilhas e baterias, pneus, lâmpadas fluorescentes, óleos lubrificantes,
produtos eletroeletrônicos e seus componentes. Mas vai alcançar todas as
cadeias produtivas de todos os produtos.
O consumidor tem também um papel fundamental em todo este processo.
Na verdade os consumidores não estão preparados. Temos um apego ao que
usamos, não temos a cultura de devolver. Abrimos nossas gavetas e
encontramos montes de celulares, baterias, carregadores sem uso
guardados. Neste sentido, a acessibilidade também é importante, não temo
obrigar o consumidor a se deslocar por quilômetros para devolver seus
produtos usados.
Pela nova lei os consumidores serão obrigados a devolver os resíduos
sólidos sempre que haja sistema de coleta seletiva eficiente. Também
deverá acondicioná-los adequadamente e de forma diferenciada, além de e
disponibilizar adequadamente os resíduos sólidos reutilizáveis e
recicláveis para coleta ou devolução.
Fica um desafio novo também para as entidades que representam os
consumidores para que atuem de forma propositiva na mobilização e
capacitação dos consumidores. Isto porque a responsabilidade
compartilhada quer dizer que cada ponta tem de atuar. Se uma das pontas
falha, o sistema não funciona.
Coleta seletiva em São Paulo – Eduardo Ferreira de Paula –
Comissão Nacional do Movimento Nacional dos Catadores de Resíduos (MNCR)
Na cidade de São Paulo há cerca de 20 mil catadores, a maioria trabalhando de maneira informal e em más condições.
Parte pequena deles fazem parte das 20 cooperativas conveniadas com a
Prefeitura, com média de 50 cooperados cada uma. A Prefeitura paga as
despesas (água, luz, telefone, galpão). As cooperativas se encarregam da
gestão dos catadores e da prestação de contas.
Mas a prefeitura não paga pelos serviços dos catadores porque entende
que sua parte já está coberta pelo pagamento das despesas. Há um tema
aí que precisa ser melhor discutido e que se refere ao pagamento pelos
serviços ambientais que os catadores prestam.
A coleta propriamente dita é feita por empresas contratadas pela
Prefeitura, que geralmente usam caminhões compactadores. O Movimento
acredita que a coleta deveria ser feita usando caminhões-gaiola, que não
compactam os resíduos, e que os catadores deveriam participar deste
processo, deveriam estar mais visíveis para o publico, e não
“escondidos” nos galpões.
Em São Paulo, apenas 1% dos resíduos sólidos produzidos na cidade são
recicladas. A cidade produz cerca de 14 mil toneladas de lixo por dia.
Além das cooperativas conveniadas, há 96 grupos de catadores sem
convênio com a Prefeitura.
Para o MNCR, o modelo de coleta seletiva solidária inclui a coleta
porta-a-porta, participativa, com educação ambiental, com os catadores
na rua participando da coleta, com autogestão democrática, valorização
do trabalho dos catadores, infraestrutura adequada e pagamento pelos
serviços ambientais prestados. Várias cidades já tem implementados estes
aspectos. Mas não em São Paulo.
A catação de lixo bem organizada não é uma questão puramente social, mas é de negócios também.
Em termos de condições de trabalho já existem soluções desenvolvidas
como carrinhos elétricos que levam cargas de até 300 kg, o que aumenta
não apenas aumenta a quantidade de resíduos transportados, como a
quantidade de catadores que deles se beneficiam.
É importante fechar os lixões e investir em aterros sanitários
corretamente planejados e construídos. Mas é importante que o fechamento
dos lixões leve em conta os catadores que deles vivem, na sua da
inclusão social.
A catação de lixo bem organizada não é uma questão puramente social,
mas é de negócios também. Não se trata mais tratar os catadores como
coitados, mas como gente produtiva e que exerce um papel importante na
cadeia produtiva e isso tem de ser reconhecido.
O modelo brasileiro de organização dos catadores é referencia
mundial. Existe uma Rede Latinoamericana de Catadores, cuja sede está no
Brasil. O que se procura é levar esta experiência para outros países da
região.
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