terça-feira, 7 de maio de 2013

A energia que vem do campo muda o mapa do poder?


Waldir Raupp, da Refinaria Alberto Pasqualini, diz ser mito a crença de que o  aumento da produção de biocombustíveis oneraria o preço dos alimentos e empobreceria a população

Por Pedro Pereira

Ao contrário do que sugerem os países de primeiro mundo, o aumento na produção de biocombustíveis não onera o custo dos alimentos – fenômeno que empobreceria a população dos países subdesenvolvidos. Quem garante é Waldir Raupp, gerente de suporte operacional da Refinaria Alberto Pasqualini/Petrobras. Segundo ele, os países que derem um passo à frente na produção de biocombustíveis neste momento estarão em vantagem nos próximos 20 ou 30 anos, quando o petróleo começará a ficar mais escasso.

biofuel-350O raciocínio de Raupp se opõe frontalmente ao de críticos europeus e norte-americanos para os quais o uso de lavoura para gerar energia tornará alimentos mais caros e inacessíveis às populações.  “Se eu começo a ocupar a área [dos países de terceiro mundo] com biotecnologia, à medida em que a demanda de alimentos aumenta, sobem os preços e cresce a geração de riquezas. Mesmo com pressão nos preços, haverá transferência de riqueza dos industrializados para os produtores primários, distribuindo renda pelo planeta”, contesta Raupp.

Atualmente, o ranking mundial de produção de biodiesel é encabeçado pelos Estados Unidos. Em segundo lugar está a Argentina – “o que muita gente não sabe”, ressalta Raupp. Divididos entre o terceiro e o quarto lugar, com números praticamente iguais, figuram Brasil e Alemanha. “Se eu voltar (no tempo) uns quatro ou cinco anos, os Estados Unidos estavam engatinhando. Eles tem um programa acelerado de biocombustíveis, em especial biodiesel. Perceberam que é uma forma de minimizar os riscos”, observa.

Embora figure como maior produtor mundial de biodiesel, os Estados Unidos ainda são responsáveis apenas por cerca de 3% do que consomem.  “Mas isso vai crescer. Os gráficos mostram crescimento exponencial nos próximos 20 anos. Até 2030 deve ser um percentual bem significativo”, aposta Raupp.

Ele explica que até algum tempo atrás os derivados do petróleo ainda eram muito mais baratos, o que desestimulava  preocupações com a busca de um combustível alternativo. Mas o aumento do preço do petróleo tornou os biocombustíveis mais competitivos – e atraentes estrategicamente, na medida em que reduzem o risco de dependência externa.

Geopolítica dos biocombustíveis

Um termo bastante empregado no setor petrolífero desde os anos 1970, a “geopolítica” vem sendo mencionada por Raupp para esclarecer como a utilização não apenas do fóssil, mas também dos novos combustíveis, pode alterar o cenário político global. “A necessidade não coincide com a localização do produto. Então a política aparece para resolver isso”, explica.

Enquanto as maiores reservas de petróleo estão, pela ordem, na Arábia Saudita, na Venezuela, no Irã e no Iraque, o Brasil figura no 15° lugar, ainda sem contabilizar as reservas do pré-sal. Com a produção do que foi encontrado nesta camada, há a possibilidade de que o Brasil salte algumas posições na lista. Por outro lado, os maiores dependentes são Estados Unidos, China, Japão, Índia e Alemanha. Embora a China já utilize combustíveis em patamar semelhante ao dos Estados Unidos, especificamente em petróleo fica bem atrás, pois sua indústria gera bastante energia à base de carvão. “Existe toda uma lógica de países que possuem e querem negar acesso e países que estão dependentes”, conta Raupp.

Nos próximos anos, além da escassez de petróleo, outros fatores devem contribuir para a alteração desse quadro. O principal deles é o crescimento populacional: até 2050, a Índia deve ultrapassar a China em número de habitantes, o que elevará a demanda de energia total nesses países. Porém, a China ainda será o maior consumidor geral, já que a renda per capita continuará crescendo mais em função da alta industrialização.

Autossuficiência brasileira

Depois da onda de otimismo gerada pelo superávit de petróleo no Brasil em 2008 e 2009, o consumo no país disparou e a velocidade de reposição não foi tão grande. Por isso, a condição de país autossuficiente se desfez – mas a estimativa é que seja retomada já em 2014.

“É importante entender que [a velocidade de produção] estabilizou porque praticamente toda a parte de águas profundas já estava explorada. A velocidade não foi grande e isso dá a impressão de que não vamos mais aumentar a produção”, lamenta Raupp. Mas ele se apressa em explicar que, com a chegada do pré-sal, haverá um período de quatro ou cinco anos de ajustes no processo e que, em seguida, haverá uma nova aceleração na produção.

“Há cerca de três anos, a Petrobras via um pouco diferente. Como ainda não se tinha certeza do pré-sal, a companhia queria crescer muito mais em biocombustíveis. Queria ocupar esse espaço em nível mundial. Com a descoberta do pré-sal, repensou a velocidade das coisas. Mas o biocombustível continua muito importante”, sustenta.

Raupp também falou sobre a autossuficiência em derivados do petróleo, algo que o Brasil deve alcançar somente por volta de 2020. Acontece que o petróleo não se encaixa, necessariamente, em todas as matrizes de refino: enquanto algumas propriedades podem ser processadas em uma refinaria, outras não. Para ajustar isso, os países realizam importação e exportação do produto.

Isso aconteceu no Brasil. Logo que se capacitou à extração em águas profundas, o petróleo era muito pesado e as refinarias não estavam preparadas. Então houve investimento generalizado para processar o petróleo brasileiro e isso praticamente se equilibrou. Agora, com o pré-sal, o processo deve se repetir – e com grandes dificuldades, novamente.

“No Brasil não tem nada fácil”, brinca Raupp. “O petróleo brasileiro, além de ser encontrado em locais de difícil acesso, como águas ultraprofundas e a camada pré-sal, em grande parte não é de qualidade tão boa. Isso não significa que não seja lucrativo - continua sendo e muito. Mas o esforço é enorme: o tempo inteiro é preciso desenvolver tecnologia porque não existia para águas ultraprofundas e agora, para o pré-sal, também”, revela.

Questionado sobre a possibilidade de essa tecnologia ser exportada para outros países que venham a descobrir petróleo em suas camadas mais profundas, a exemplo do Brasil, Raupp explique que é possível, mas difícil. “A costa oeste da África tem o mesmo perfil geológico, até por ter sido tudo uma coisa só antigamente, mas a perspectiva de se descobrir [petróleo em águas ultraprofundas] em outros países não é muito boa”, acredita.

O sul ocupa a segunda posição entre as regiões que mais produzem biodiesel no Brasil, atrás apenas do centro-oeste e com bastante vantagem em relação ao sudeste, terceiro colocado. Em contrapartida, o sudeste produz muito mais álcool. “Não tenho o número exato do sul, mas no Rio Grande do Sul há um investimento pesado em biodiesel”, garante Raupp.

Waldir Raupp também é professor do curso de pós-graduação em engenharia de automação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nesta segunda-feira, ele palestrou sobre a “Geopolítica de combustíveis” no jantar-debate semanal do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), em Porto Alegre.

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