Apontado pelo governo como o grande vilão pelo fato de a Câmara não
ter votado a MP dos Portos, devido a interesses contrariados, o líder do
PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), devolve a acusação e diz
que o Palácio do Planalto, quando enviou a medida provisória, já
patrocinou "interesses econômicos de quatro grupos", dois em Santa
Catarina, um em São Paulo e um na Bahia. E diz que é "zero" seu eventual
interesse com empresas situadas no porto de Santos, como sugerido pelos
governistas. Sem regras estáveis e tratamento equânime, segundo Cunha, o
país não terá como atrair o investimento de que necessita.
Cunha é reconhecido pela ousadia e o jeito duro de negociar. As
relações da presidente com o líder da segunda maior bancada da Câmara
dos Deputados não poderiam ser piores. Ele, no entanto, assegura que é
governista, mas que a aliança PMDB-PT não implica aceitação automática
de tudo o que sai do Planalto, como se fosse uma Bíblia. Diz que o PMDB
tem ministros, mas não tem ministérios, pois não influi na formulação
dos programas.
O próximo grande embate do governo no Congresso previsto por Cunha é o
Código de Mineração, segundo sua opinião, moldado no mesmo barro da MP
dos Portos: sem debate. Para Cunha, o governo da presidente Dilma
Rousseff é "avesso à política, tem um discurso da tecnocrata".
Abaixo, os principais trechos da entrevista que Eduardo Cunha concedeu ao Valor:
Valor: O senhor é considerado um parlamentar
polêmico. Hoje, por exemplo, atribui-se o fracasso na votação da MP dos
Portos parte à inabilidade política da presidente Dilma Rousseff e à sua
atuação em defesa de supostos interesses privados. O mesmo já ocorreu
em outras votações. A que o senhor atribui essas especulações?
Eduardo Cunha: Primeiro, querer me atribuir a
pecha de polêmico talvez seja pelo fato de eu ter opinião, expressá-la e
ir para o embate. Eu não tenho medo de debater as minhas opiniões. Eu
debato todos os temas com argumentos políticos e técnicos.
Valor: E segundo?
Cunha: Quando você propõe a mudança de um marco
regulatório, seja ele qual for, você já está mexendo com interesses
econômicos também. Quem teve a iniciativa de mexer com esses interesses
não foi o Parlamento; foi o Executivo. Quando se mexe com interesses
econômicos prejudica uns e privilegia outros. Seja ou não correto. Nem
entro no mérito. Então a iniciativa não é nossa.
Valor: De quem é?
Cunha: Se alguém tem que ser responsabilizado por
alterar interesses econômicos, não estou fazendo acusação, estou
constatando um fato, é o Poder Executivo, que propôs a medida
provisória. Você tem três vertentes nesse processo - político [o
interesse de Estados e municípios], sindical [trabalhadores] e
empresariais. O governo mexeu com as três.
Valor: Como?
Cunha: Se você for discutir o ponto dos
trabalhadores, você está afetando a discussão sindical; se discutir
pontos dos governos estaduais e municipais, está discutindo a questão
política e se você for discutir pontos do empresariado, você está
discutindo a questão empresarial. A Lei 8630/93 [que estaria sendo
substituída pela MP dos Portos] foi [aprovada] debaixo de sangue. Se
você pegar as matérias jornalísticas da época [diziam] era a
modernização, a abertura dos portos de D. João VI. Houve muita guerra
para a edição dessa lei. Foi tema de anos de debates aqui, de brigas, de
greves. Então houve ali uma mudança de marco importante. A partir dali
houve licitações, concessões de outorgas.
Valor: Mas qual o problema da mudança?
Cunha: Quando o governo mudou a lei, essa Lei
8.630, que estava sendo revogada pela MP, ela estabeleceu dois tipos [de
terminais]: a área que transportava a carga de terceiros, e essa carga
de terceiros, dentro do porto, era licitada, com pagamento de outorga ou
de dinheiro vivo na hora da licitação ou maior preço com movimentação.
Eram assim os editais de licitação dessa área. O outro tipo foi a área
fora do porto - ou dentro do porto para transporte de carga própria.
Valor: O que aconteceu?
Cunha: Um movimento para que essas autorizações de
carga própria pudessem também transportar carga de terceiros, sem que
eles tivessem participado do processo licitatório, sem que tivessem pago
pela outorga e sem ter o mesmo tipo de competitividade. Esse movimento
foi "legalizado" pela medida provisória. O que aconteceu? Quem tinha
autorização dentro do porto para carga própria pode ser legitimado para
transportar carga de terceiros com os moldes e regramentos das
autorizações.
Valor: Qual a diferença?
Cunha: Existem aqueles que têm autorização no porto
organizado, que foram nitidamente beneficiados pela MP. E que são
quatro. O governo, quando mandou essa MP, já patrocinou, certo ou
errado, interesse econômico de quatro grupos.
"Se alguém tem que ser responsabilizado por alterar interesses econômicos é o Poder Executivo"
Valor: Que são quais?
Cunha: Está na matéria do "Globo" de hoje [segundo o
jornal, se a MP caducar no dia 16, como está previsto se não for votada
e aprovada até lá, serão beneficiados quatro terminais recém-instalados
e que foram "legalizados" ao longo da tramitação da MP: Ebraport, em
São Paulo; Portonave e Itapoã, em Santa Catarina; e Cotegipe, na Bahia].
Mas eu não estou contestando isso. O que eu quero dizer é que toda
ruptura de modelo você pode acabar beneficiando alguém. O que não pode é
beneficiar um e ao mesmo tempo fazer a ruptura para os outros. Então
esse é o debate. É o debate econômico, não é de defesa de grupos.
Valor: O senhor conhece, tem interesse, se relaciona com algum dos concessionários do porto de Santos?
Cunha: Zero. Interesse zero. Relacionamento zero.
Eu não defendo interesses, defendo teses. Acho que não se pode romper
direito adquirido nenhum.
Valor: Por que sempre o senhor é acusado de
estar contra o governo em tudo, na MP dos Portos, nos atos relacionados
às reformas do ICMS, dívida dos Estados e Confaz, ao marco regulatório
do setor elétrico, entre outros?
Cunha: Eu fui um dos que mais lutaram para votar a
MP dos Portos ontem [quarta-feira]. Não há um ato meu para poder
derrubar o governo. Agora o fato de eu não concordar com a integralidade
do mérito de uma proposta da qual eu não participei da elaboração, eu
não fui consultado antes, eu não sou obrigado a concordar com o
conteúdo. Qual o programa de governo da aliança da eleição em que estava
escrito que toda medida provisória que o governo mandar pra cá, o seu
conteúdo eu tenho que concordar integralmente, senão a aliança não vale?
Valor: Ou seja, não existe alinhamento automático.
Cunha: É lógico que não! Nós somos governistas, nós
fazemos parte da aliança. O governo quer mudar o marco regulatório dos
portos? Tudo bem, a gente entende, aceita e acha que é direito do
governo. Mas não quer dizer que os tecnocratas do governo escreveram ali
virou texto da Bíblia. Eu quero discutir o mérito, qual é a razão, por
quê? Então eu não posso decidir atender a um privilégio e não a outro.
Qual foi o grande mérito da 8.630, da Lei dos Portos? Foi diminuir o
custo trabalhista. O que aconteceu agora? O governo fez um acordo com os
trabalhadores e aumentou os custos trabalhistas dentro dos portos.
Quando o governo faz uma concessão de uma usina hidrelétrica para a
geração de energia, licita o projeto, quem deu a menor tarifa é que
ganha e depois de 30 anos devolve tudo à União. Por que num porto
privado, se você tiver uma área constrói, eu te dou uma autorização para
você fazer um serviço público nessa área e é seu a vida inteira? É o
que está escrito na medida provisória. Eles não fazem isso com o setor
elétrico, eles não fazem isso com uma rodovia.
Valor: Qual o erro do governo?
Cunha: Não debate. Não articula e depois quer impor
o que o tecnocrata decide. Eu garanto que quem escreveu essa MP nunca
viu um contêiner na vida. Existe um erro de conceituação sobre custo de
operação portuária, que não é do exportador nem do importador. É custo
do armador. Você quando é exportador ou importador contrata o frete,
contrata o armador. O armador contrata a operação portuária no porto de
embarque e no porto de desembarque. Quando você aumenta ou diminui o
custo portuário você está aumentando ou diminuindo o custo do armador,
que é um cartel internacional.
Valor: Afirma-se que desde o episódio de Furnas o senhor nunca mais foi permeável aos argumentos do governo. É verdade?
Cunha: É um episódio divulgado de forma falaciosa e
errática. A bancada do PMDB indicou um quadro que tinha sido prefeito
da cidade do Rio de Janeiro, vice-governador do Estado, e era secretário
do governador Sérgio Cabral, chamado Luiz Paulo Conde. O então deputado
Michel Temer, presidente do PMDB, apoiou, indicou. Conde assumiu e 30
dias depois baixou a hospital com câncer de bexiga. Fez uma cirurgia,
sofreu uma queda dentro do banheiro do hospital, fraturou a coluna,
ficou de cadeira de rodas. Um dia o governo disse que a empresa
precisava de alguém que pudesse exercer a função de presidente. Está
correto. Escolheram um técnico que o PMDB apoiou, só isso.
Valor: O PMDB perdeu poder em Furnas?
Cunha: O PMDB nunca teve poder em Furnas. Como
também não tem poder nenhum no Ministério das Minas e Energia. Só tem o
cargo de ministro. Nunca teve. Eu não estou preocupado com cargo. Se
estivesse preocupado com cargo eu não estava debatendo ideias. Eu
prefiro ter minha isenção para debater o que acho que é melhor para o
Brasil. Eu acho que apoiamos um programa, as ideias que estão aí,
apoiamos o governo, o Brasil está crescendo, o Brasil está indo para
frente, a população tem ganho real de renda, tudo isso nós somos
favoráveis.
Valor: O PMDB não tem poder no Ministério das Minas e Energia?
Cunha: Tem o cargo de ministro.
Valor: E a Secretaria de Aviação Civil?
Cunha: Não tem nenhum, só o ministro Moreira Franco, que assumiu agora. Em nenhum ministério o PMDB tem poder.
Valor: O que definiria como ter poder no governo? É definir a política?
Cunha: Por acaso Agricultura está no PAC, o Turismo
está no PAC? Só saem liberações orçamentárias de programas que estão no
PAC. Esses cargos para nós não têm nenhum efeito.
"O PMDB nunca teve poder em Furnas. Como também não tem poder nenhum no Ministério das Minas e Energia"
Valor: Ministros do PMDB não têm nem prestígio com a presidente?
Cunha: A Aviação Civil tem que dar um tempo,
assumiu tem muito pouco tempo. Torço para que ele [Moreira Franco] possa
ser um ministro prestigiado. Os outros nossos não foram prestigiados
até agora. Ou vocês acham que tem prestígio o ministro da Previdência
[Garibaldi Alves]? É indicado pelo PMDB do Senado, mas quem manda no
ministério é o secretário-executivo do PT. O ministro das Minas e
Energia [Edison Lobão, também senador] é um grande companheiro nosso,
mas o PMDB só tem o ministro no ministério, o resto é do PT. No
Ministério da Agricultura tem lá uma estrutura, o ministro [o deputado
mineiro Antonio Andrade] entrou agora, tem que dar um tempo, mas estava
lá um ministério comandado pelo PMDB, com secretário executivo do PT.
Essa é a realidade.
Valor: A participação do partido do vice-presidente nos programas de governo é zero?
Cunha: Zero. Absolutamente zero. O PMDB se sente
absolutamente subrepresentado dentro do governo. Mas não é por isso que
estamos deixando nem vamos propor deixar a aliança.
Valor: Até agora o partido reclamou mas sempre aprovou a maioria das propostas.
Cunha: O PMDB, em 2006, disputou as eleições
sozinho e se saiu como a maior bancada federal. Em 2010 foi para a
aliança [com o PT] e virou a segunda maior bancada. Tem que saber como
vai ser em 2014.
Valor: Qual o próximo embate?
Cunha: O marco regulatório da mineração. Se não
discutir antes, vai ser um imbróglio maior que este. A proposta do
Ministério das Minas e Energia foi para o gabinete civil há dois anos.
Não é o PMDB que amarra.
Valor: O PMDB não está fazendo parte da discussão na Casa Civil?
Cunha: Nenhuma, zero. O presidente Lula fazia
reuniões com o conselho político, debatia as matérias antes. Nunca houve
reunião de conselho político depois que assumi a liderança. No governo
Dilma tem mais de ano que não tem.
Valor: Qual o nó da articulação política do governo Dilma?
Cunha: É um governo avesso à política, tem um
discurso da tecnocracia, porém a tecnocracia que predomina nem sempre é a
que tem razão. Às vezes tem, às vezes não.
Valor: É ideológica?
Cunha: Tem um pouco de componente ideológico, claro
que tem, mas isso faz parte do jogo. O problema não é ter ou não ter
componente ideológico. O problema não é estar ou não correto. O problema
é que a verdade absoluta não pode pertencer a uma tecnocracia que está
instalada nos gabinetes achar que tem que impor ao Congresso Nacional as
suas vontades dessa maneira. Não pode virar dogma. Isso aqui é o
Parlamento, tem que ser respeitado como tal.
Valor: A presidente, quando não gostou do Código
Florestal aprovado no Congresso, baixou um decreto com o código que
queria. Já reeditou também medidas provisórias derrubadas. E se ela
passar a governar por decreto?
Cunha: Se você está buscando atração de
investimento privado, ele não se baseia em decretos, jamais. Ninguém
quer ficar debaixo de decreto para fazer investimento. Quando eu quebro
regra pré-existente de um contrato em vigor, que sinal dou para o
mercado? Você, para ser um país de Primeiro Mundo, precisa que as regras
sejam claras, que tudo o que vai acontecer seja previsível, que eu
possa vir para cá e apostar meu dinheiro que vou ter retorno. E o meu
retorno está assegurado, para o meu acionista, para o meu investidor,
para o meu fundo de investimento, porque é um país sério, que respeita
suas regras. Não que amanhã um tecnocrata, com conteúdo ideológico ou
não, possa querer mudar a regra para uma que acha melhor.
Valor: A antecipação da campanha da reeleição não está afetando as votações de interesse do governo no Congresso?
Cunha: Toda vez que passa a eleição municipal, a
sucessão está sempre na rua. Ela não foi antecipada dessa vez, sempre
está antecipada. Girou a ampulheta, o relógio agora já está no período
final.
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