sexta-feira, 10 de maio de 2013

"Governo Dilma é avesso à política", diz Eduardo Cunha


Por Rosângela Bittar e Raymundo Costa | De Brasília
Ruy Baron/Valor / Ruy Baron/Valor 
 
Cunha: "Eu não tenho medo de debater as minhas opiniões. Eu debato todos os temas com argumentos políticos e técnicos"
 
 
Apontado pelo governo como o grande vilão pelo fato de a Câmara não ter votado a MP dos Portos, devido a interesses contrariados, o líder do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), devolve a acusação e diz que o Palácio do Planalto, quando enviou a medida provisória, já patrocinou "interesses econômicos de quatro grupos", dois em Santa Catarina, um em São Paulo e um na Bahia. E diz que é "zero" seu eventual interesse com empresas situadas no porto de Santos, como sugerido pelos governistas. Sem regras estáveis e tratamento equânime, segundo Cunha, o país não terá como atrair o investimento de que necessita.

Cunha é reconhecido pela ousadia e o jeito duro de negociar. As relações da presidente com o líder da segunda maior bancada da Câmara dos Deputados não poderiam ser piores. Ele, no entanto, assegura que é governista, mas que a aliança PMDB-PT não implica aceitação automática de tudo o que sai do Planalto, como se fosse uma Bíblia. Diz que o PMDB tem ministros, mas não tem ministérios, pois não influi na formulação dos programas.

O próximo grande embate do governo no Congresso previsto por Cunha é o Código de Mineração, segundo sua opinião, moldado no mesmo barro da MP dos Portos: sem debate. Para Cunha, o governo da presidente Dilma Rousseff é "avesso à política, tem um discurso da tecnocrata".

Abaixo, os principais trechos da entrevista que Eduardo Cunha concedeu ao Valor:

Valor: O senhor é considerado um parlamentar polêmico. Hoje, por exemplo, atribui-se o fracasso na votação da MP dos Portos parte à inabilidade política da presidente Dilma Rousseff e à sua atuação em defesa de supostos interesses privados. O mesmo já ocorreu em outras votações. A que o senhor atribui essas especulações?

Eduardo Cunha: Primeiro, querer me atribuir a pecha de polêmico talvez seja pelo fato de eu ter opinião, expressá-la e ir para o embate. Eu não tenho medo de debater as minhas opiniões. Eu debato todos os temas com argumentos políticos e técnicos.

Valor: E segundo?

Cunha: Quando você propõe a mudança de um marco regulatório, seja ele qual for, você já está mexendo com interesses econômicos também. Quem teve a iniciativa de mexer com esses interesses não foi o Parlamento; foi o Executivo. Quando se mexe com interesses econômicos prejudica uns e privilegia outros. Seja ou não correto. Nem entro no mérito. Então a iniciativa não é nossa.

Valor: De quem é?

Cunha: Se alguém tem que ser responsabilizado por alterar interesses econômicos, não estou fazendo acusação, estou constatando um fato, é o Poder Executivo, que propôs a medida provisória. Você tem três vertentes nesse processo - político [o interesse de Estados e municípios], sindical [trabalhadores] e empresariais. O governo mexeu com as três.

Valor: Como?

Cunha: Se você for discutir o ponto dos trabalhadores, você está afetando a discussão sindical; se discutir pontos dos governos estaduais e municipais, está discutindo a questão política e se você for discutir pontos do empresariado, você está discutindo a questão empresarial. A Lei 8630/93 [que estaria sendo substituída pela MP dos Portos] foi [aprovada] debaixo de sangue. Se você pegar as matérias jornalísticas da época [diziam] era a modernização, a abertura dos portos de D. João VI. Houve muita guerra para a edição dessa lei. Foi tema de anos de debates aqui, de brigas, de greves. Então houve ali uma mudança de marco importante. A partir dali houve licitações, concessões de outorgas.

Valor: Mas qual o problema da mudança?

Cunha: Quando o governo mudou a lei, essa Lei 8.630, que estava sendo revogada pela MP, ela estabeleceu dois tipos [de terminais]: a área que transportava a carga de terceiros, e essa carga de terceiros, dentro do porto, era licitada, com pagamento de outorga ou de dinheiro vivo na hora da licitação ou maior preço com movimentação. Eram assim os editais de licitação dessa área. O outro tipo foi a área fora do porto - ou dentro do porto para transporte de carga própria.

Valor: O que aconteceu?

Cunha: Um movimento para que essas autorizações de carga própria pudessem também transportar carga de terceiros, sem que eles tivessem participado do processo licitatório, sem que tivessem pago pela outorga e sem ter o mesmo tipo de competitividade. Esse movimento foi "legalizado" pela medida provisória. O que aconteceu? Quem tinha autorização dentro do porto para carga própria pode ser legitimado para transportar carga de terceiros com os moldes e regramentos das autorizações.

Valor: Qual a diferença?

Cunha: Existem aqueles que têm autorização no porto organizado, que foram nitidamente beneficiados pela MP. E que são quatro. O governo, quando mandou essa MP, já patrocinou, certo ou errado, interesse econômico de quatro grupos.

"Se alguém tem que ser responsabilizado por alterar interesses econômicos é o Poder Executivo"
Valor: Que são quais?

Cunha: Está na matéria do "Globo" de hoje [segundo o jornal, se a MP caducar no dia 16, como está previsto se não for votada e aprovada até lá, serão beneficiados quatro terminais recém-instalados e que foram "legalizados" ao longo da tramitação da MP: Ebraport, em São Paulo; Portonave e Itapoã, em Santa Catarina; e Cotegipe, na Bahia]. Mas eu não estou contestando isso. O que eu quero dizer é que toda ruptura de modelo você pode acabar beneficiando alguém. O que não pode é beneficiar um e ao mesmo tempo fazer a ruptura para os outros. Então esse é o debate. É o debate econômico, não é de defesa de grupos.

Valor: O senhor conhece, tem interesse, se relaciona com algum dos concessionários do porto de Santos?

Cunha: Zero. Interesse zero. Relacionamento zero. Eu não defendo interesses, defendo teses. Acho que não se pode romper direito adquirido nenhum.

Valor: Por que sempre o senhor é acusado de estar contra o governo em tudo, na MP dos Portos, nos atos relacionados às reformas do ICMS, dívida dos Estados e Confaz, ao marco regulatório do setor elétrico, entre outros?

Cunha: Eu fui um dos que mais lutaram para votar a MP dos Portos ontem [quarta-feira]. Não há um ato meu para poder derrubar o governo. Agora o fato de eu não concordar com a integralidade do mérito de uma proposta da qual eu não participei da elaboração, eu não fui consultado antes, eu não sou obrigado a concordar com o conteúdo. Qual o programa de governo da aliança da eleição em que estava escrito que toda medida provisória que o governo mandar pra cá, o seu conteúdo eu tenho que concordar integralmente, senão a aliança não vale?

Valor: Ou seja, não existe alinhamento automático.

Cunha: É lógico que não! Nós somos governistas, nós fazemos parte da aliança. O governo quer mudar o marco regulatório dos portos? Tudo bem, a gente entende, aceita e acha que é direito do governo. Mas não quer dizer que os tecnocratas do governo escreveram ali virou texto da Bíblia. Eu quero discutir o mérito, qual é a razão, por quê? Então eu não posso decidir atender a um privilégio e não a outro. Qual foi o grande mérito da 8.630, da Lei dos Portos? Foi diminuir o custo trabalhista. O que aconteceu agora? O governo fez um acordo com os trabalhadores e aumentou os custos trabalhistas dentro dos portos. Quando o governo faz uma concessão de uma usina hidrelétrica para a geração de energia, licita o projeto, quem deu a menor tarifa é que ganha e depois de 30 anos devolve tudo à União. Por que num porto privado, se você tiver uma área constrói, eu te dou uma autorização para você fazer um serviço público nessa área e é seu a vida inteira? É o que está escrito na medida provisória. Eles não fazem isso com o setor elétrico, eles não fazem isso com uma rodovia.

Valor: Qual o erro do governo?

Cunha: Não debate. Não articula e depois quer impor o que o tecnocrata decide. Eu garanto que quem escreveu essa MP nunca viu um contêiner na vida. Existe um erro de conceituação sobre custo de operação portuária, que não é do exportador nem do importador. É custo do armador. Você quando é exportador ou importador contrata o frete, contrata o armador. O armador contrata a operação portuária no porto de embarque e no porto de desembarque. Quando você aumenta ou diminui o custo portuário você está aumentando ou diminuindo o custo do armador, que é um cartel internacional.

Valor: Afirma-se que desde o episódio de Furnas o senhor nunca mais foi permeável aos argumentos do governo. É verdade?

Cunha: É um episódio divulgado de forma falaciosa e errática. A bancada do PMDB indicou um quadro que tinha sido prefeito da cidade do Rio de Janeiro, vice-governador do Estado, e era secretário do governador Sérgio Cabral, chamado Luiz Paulo Conde. O então deputado Michel Temer, presidente do PMDB, apoiou, indicou. Conde assumiu e 30 dias depois baixou a hospital com câncer de bexiga. Fez uma cirurgia, sofreu uma queda dentro do banheiro do hospital, fraturou a coluna, ficou de cadeira de rodas. Um dia o governo disse que a empresa precisava de alguém que pudesse exercer a função de presidente. Está correto. Escolheram um técnico que o PMDB apoiou, só isso.

Valor: O PMDB perdeu poder em Furnas?

Cunha: O PMDB nunca teve poder em Furnas. Como também não tem poder nenhum no Ministério das Minas e Energia. Só tem o cargo de ministro. Nunca teve. Eu não estou preocupado com cargo. Se estivesse preocupado com cargo eu não estava debatendo ideias. Eu prefiro ter minha isenção para debater o que acho que é melhor para o Brasil. Eu acho que apoiamos um programa, as ideias que estão aí, apoiamos o governo, o Brasil está crescendo, o Brasil está indo para frente, a população tem ganho real de renda, tudo isso nós somos favoráveis.

Valor: O PMDB não tem poder no Ministério das Minas e Energia? 

Cunha: Tem o cargo de ministro.

Valor: E a Secretaria de Aviação Civil?

Cunha: Não tem nenhum, só o ministro Moreira Franco, que assumiu agora. Em nenhum ministério o PMDB tem poder.

Valor: O que definiria como ter poder no governo? É definir a política? 

Cunha: Por acaso Agricultura está no PAC, o Turismo está no PAC? Só saem liberações orçamentárias de programas que estão no PAC. Esses cargos para nós não têm nenhum efeito.

"O PMDB nunca teve poder em Furnas. Como também não tem poder nenhum no Ministério das Minas e Energia"

Valor: Ministros do PMDB não têm nem prestígio com a presidente?

Cunha: A Aviação Civil tem que dar um tempo, assumiu tem muito pouco tempo. Torço para que ele [Moreira Franco] possa ser um ministro prestigiado. Os outros nossos não foram prestigiados até agora. Ou vocês acham que tem prestígio o ministro da Previdência [Garibaldi Alves]? É indicado pelo PMDB do Senado, mas quem manda no ministério é o secretário-executivo do PT. O ministro das Minas e Energia [Edison Lobão, também senador] é um grande companheiro nosso, mas o PMDB só tem o ministro no ministério, o resto é do PT. No Ministério da Agricultura tem lá uma estrutura, o ministro [o deputado mineiro Antonio Andrade] entrou agora, tem que dar um tempo, mas estava lá um ministério comandado pelo PMDB, com secretário executivo do PT. Essa é a realidade.

Valor: A participação do partido do vice-presidente nos programas de governo é zero?

Cunha: Zero. Absolutamente zero. O PMDB se sente absolutamente subrepresentado dentro do governo. Mas não é por isso que estamos deixando nem vamos propor deixar a aliança.

Valor: Até agora o partido reclamou mas sempre aprovou a maioria das propostas.

Cunha: O PMDB, em 2006, disputou as eleições sozinho e se saiu como a maior bancada federal. Em 2010 foi para a aliança [com o PT] e virou a segunda maior bancada. Tem que saber como vai ser em 2014.

Valor: Qual o próximo embate?

Cunha: O marco regulatório da mineração. Se não discutir antes, vai ser um imbróglio maior que este. A proposta do Ministério das Minas e Energia foi para o gabinete civil há dois anos. Não é o PMDB que amarra.

Valor: O PMDB não está fazendo parte da discussão na Casa Civil?

Cunha: Nenhuma, zero. O presidente Lula fazia reuniões com o conselho político, debatia as matérias antes. Nunca houve reunião de conselho político depois que assumi a liderança. No governo Dilma tem mais de ano que não tem.

Valor: Qual o nó da articulação política do governo Dilma?

Cunha: É um governo avesso à política, tem um discurso da tecnocracia, porém a tecnocracia que predomina nem sempre é a que tem razão. Às vezes tem, às vezes não.

Valor: É ideológica?

Cunha: Tem um pouco de componente ideológico, claro que tem, mas isso faz parte do jogo. O problema não é ter ou não ter componente ideológico. O problema não é estar ou não correto. O problema é que a verdade absoluta não pode pertencer a uma tecnocracia que está instalada nos gabinetes achar que tem que impor ao Congresso Nacional as suas vontades dessa maneira. Não pode virar dogma. Isso aqui é o Parlamento, tem que ser respeitado como tal.

Valor: A presidente, quando não gostou do Código Florestal aprovado no Congresso, baixou um decreto com o código que queria. Já reeditou também medidas provisórias derrubadas. E se ela passar a governar por decreto?

Cunha: Se você está buscando atração de investimento privado, ele não se baseia em decretos, jamais. Ninguém quer ficar debaixo de decreto para fazer investimento. Quando eu quebro regra pré-existente de um contrato em vigor, que sinal dou para o mercado? Você, para ser um país de Primeiro Mundo, precisa que as regras sejam claras, que tudo o que vai acontecer seja previsível, que eu possa vir para cá e apostar meu dinheiro que vou ter retorno. E o meu retorno está assegurado, para o meu acionista, para o meu investidor, para o meu fundo de investimento, porque é um país sério, que respeita suas regras. Não que amanhã um tecnocrata, com conteúdo ideológico ou não, possa querer mudar a regra para uma que acha melhor.

Valor: A antecipação da campanha da reeleição não está afetando as votações de interesse do governo no Congresso?

Cunha: Toda vez que passa a eleição municipal, a sucessão está sempre na rua. Ela não foi antecipada dessa vez, sempre está antecipada. Girou a ampulheta, o relógio agora já está no período final.
 
Valor Econômico

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