segunda-feira, 13 de maio de 2013

GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS: NOVAS REFLEXÕES ESTRATÉGICAS

 
 
 
 
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
 
A gestão de nossos cursos d’água e mananciais é regida pela Lei Federal n. 9.433/1997 - Política Nacional de Recursos Hídricos, que introduziu no território nacional um conceito de inspiração francesa, de administração por Bacia Hidrográfica, sendo cada bacia considerada uma unidade de planejamento relativamente autônoma. 
 
Três anos após sua entrada em vigor, contudo, o marco foi alterado pela Lei Federal n. 9.984/2000 – que criou uma agência reguladora de âmbito nacional para todo o sistema, a ANA -  Agência Nacional de Águas.
A centralização da regulação do recurso reduziu o sotaque francês do marco legal e introduziu uma “water authority” com jeitão canadense e sotaque norte-americano.
 
De fato, as bacias americanas são geomorficamente interligadas, com clássicas exceções. No caso brasileiro, nosso relevo é acidentado: varia num mesmo bioma e em cada um deles, com diversas características de clima e altitude. Tudo isso resulta numa biodiversidade única no mundo. 
 
A ferramenta de gestão das águas brasileiras possui, hoje, linguagem própria e perdeu os sotaques que tinha. Com dezesseis anos, já está próxima de atingir a maioridade. No entanto, não exerce autoridade territorial satisfatória, planeja programaticamente, quando o faz e, efetivamente, não tem servido para a resolução dos conflitos de uso do recurso econômico, essencial e estratégico, que deveria tutelar.
 
Vamos concordar: nosso planejamento territorial é intrinsecamente conflituoso. A navegabilidade dos rios é obstruída por barragens de hidrelétricas, que conflitam com terras indígenas e preservação de florestas,  que não raro esbarram nos projetos agrícolas e de mineração, que fazem uso intensivo do recurso que deveria, prioritariamente, atender ao consumo das populações e ao saneamento,  o qual, em nenhuma hipótese, paga o sistema. Hidroportos sucumbem numa burocracia que contamina o setor de transportes e envolve o Serviço de Patrimônio da União - que agora deu para cobrar o uso do espelho d’água  adjacente ao atracadouro, criando novos embaraços para a navegabilidade...
 
 Os conflitos de uso envolvendo os recursos hídricos, não raro, engajam os ministérios do Exterior, Transporte, Meio Ambiente, Agricultura, Minas e Energia, Forças Armadas e Justiça, e inúmeras agências e departamentos, como FUNAI, ANTAQ, ANTT, ANA, IBAMA, DNPM, IPHAN e SPU. 
 
A Agência Nacional de Águas, é apenas mais um elemento que boia nessa sopa de letras hidrolisada... Falta um marco legal regulatório que efetivamente organize esse conflito.
 
Essa construção regulatória, no meu entender, é necessária, pois, do contrário, enfrentaremos um apagão hídrico, logístico e de saneamento, sem precedentes. 
 
Minha primeira sugestão é, de imediato, revigorar a ANA, como instrumento de planejamento estratégico, econômico e de regulação de usos.
 
Para tanto, é necessário que o Sistema Nacional de Recursos Hídricos – SNRH, se descole do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, e a ANA seja RESGATADA do divã do analista frequentado pelo Ministério do Meio Ambiente - em crise com seus dois filhos diletos: IBAMA e ICMBio... 
 
O problema não está nos quadros, nas informações, instrumentos e recursos e, sim, na definição de rumos do sistema. Enquanto do SNRH for mantido refém do discurso natureba, preservacionista, biocêntrico, que ainda contamina o Sistema Nacional de Meio Ambiente (e há muito mérito na luta da atual ministra em reduzir essa contaminação no organismo que dirige), ele não seguirá o seu destino de se integrar ao esforço de desenvolvimento nacional e continuará exercendo um papel secundário, cartorial, de emissor de reservações e outorgas.
 
O próprio Conselho Nacional de Recursos Hídricos sofre com essa crise de identidade. Não demanda sua agência e não é por ela devidamente demandado, não integra seus planos ao planejamento estratégico dos organismos que efetivamente usam o recurso e, com isso, passa colher dados e gerar conflitos ao invés de resolvê-los.
 
Estaria muito melhor o SNRH se fosse deslocado, como um todo, para o MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, fato que lhe iria conferir funcionalidade estratégica sem perda de qualidade ambiental.
 
Minha segunda sugestão: A logística brasileira seria reforçada se a Agencia Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, integrasse de alguma forma o fluxograma de planejamento e regulação do SNRH. Para tanto bastaria que fosse traçado um mecanismo permanente de entendimento por Decreto, articulando o Conselho de Recursos Hídricos,  o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, que é diretamente vinculado ao Gabinete da Presidência da República e as agências envolvidas.
 
Para se ter uma ideia da perda de energia nesse campo logístico, temos aproximadamente dois mil quilômetros de hidrovias em condições naturais de uso, ainda não aproveitadas, e outros milhares potenciais, na dependência de planos e programas estruturantes, todos travados por falta de vontade política, questiúnculas ideológicas e indefinições conceituais, talvez por não termos conselheiros que efetivamente aconselhem os conselhos que integram nos sistemas respectivos.
 
Nossa terceira sugestão: dotar o Governo Federal com o instituto da AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA,  para elaboração de um Plano Nacional de Integração das Políticas de hidroeletricidade, termoeletricidade, hidrovias, irrigação e saneamento –  que envolva um sistema articulado e um “balcão único” para apreciação de projetos, reduza a voracidade legisferante e burocratizante das  AGÊNCIAS REGULADORAS e demais autarquias no início relacionadas, e estabeleça  harmonia no interesse do Desenvolvimento Econômico e Social em Bases Sustentáveis da Nação. 
 
O objetivo da Avaliação Ambiental Estratégica será: 1- determinar os fatores críticos de decisão a serem enfrentados pelos novos empreendimentos e por aqueles já em atividade; 2- traçar diretrizes que confiram segurança jurídica, econômica e estrutural aos investimentos.
 
Resgatar uma perspectiva estratégica é fundamental para tirar o Governo Federal do atoleiro normativo em que hoje se encontra.
 
Por fim, sugiro dotar a Agência Nacional de Águas de músculos instrumentais suficientes para cumprir o seu papel na implementação das Políticas Nacionais de Saneamento e de Resíduos Sólidos, não apenas complementando os aspectos ambientais relacionados à qualidade da bacia sedimentar e da água consumida nos processos mas, principalmente, elaborando a equação necessária para consolidar a COBRANÇA pelo uso do recurso hídrico nesses dois novos sistemas, caso contrário, a melhoria da qualidade das bacias hídricas continuará sendo um sonho distante.
 
São considerações postas para debate e reflexão.
 

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