Atuação:
Consultoria multidisciplinar, onde desenvolvemos trabalhos nas seguintes áreas: fusão e aquisição e internacionalização de empresas, tributária, linhas de crédito nacionais e internacionais, inclusive para as áreas culturais e políticas públicas.
Passei a infância achando que o Brasil era perfeito. Só entendi que
vivíamos sob ditadura quando os exilados começaram a voltar. Até então,
para mim, a imagem do certificado da Censura Federal antes dos programas
de televisão era a coisa mais normal do mundo. Nesse tempo, ensinavam
nas escolas que o Brasil era uma democracia racial.
Na quarta série, havia apenas um menino negro na minha classe. Ele
viajava para a Disney nas férias e usava roupas de grife. Tinha colega
que dizia que era adotado. Eu tinha dez anos e não entendia que essa
suspeita era indicativo de que o preconceito racial já estava entre nós.
Mas o mito da democracia racial faliu. O autoengano coletivo não
resistiu ao processo de redemocratização pelo qual passou o país.
Hoje, pode-se divergir quanto às maneiras de lidar com a questão, mas
todos reconhecem que o Brasil é racialmente injusto. Entendemos melhor a
necessidade de eliminar o insidioso racismo brasileiro, que pode ser
invisível, mas é palpável e deixa vítimas reais.
"No Brasil a questão é de nível social, não racial. Veja o caso do
Pelé." Perdi as contas das vezes em que ouvi isso. Você também deve ter
ouvido --ou falado-- a mesma coisa. No entanto, nunca entendi, no caso, a
diferença entre "racial" e "social". A relação direta entre negritude e
vulnerabilidade social sempre foi óbvia e observável ao longo de toda a
história do Brasil.
Quando, a partir da Abolição, em 1888, o governo brasileiro ignorou a
necessidade de implementar políticas para a integração social dos
ex-escravos, deixando-os à própria sorte, criou um dever para as
gerações futuras.
Parte grande da população brasileira descende dessa gente que sobreviveu
à desumanização pela escravatura e ao descaso continuado das
autoridades. Descender de gente escravizada, que sofreu uma experiência
trágica sob condições degradantes por anos a fio, deixa marcas profundas
no indivíduo.
Os efeitos negativos sobre a autoestima, a autoconfiança e o acesso aos
bens sociais se projetam por gerações. Quando se fala de
"afrodescendente", evoca-se esse legado da escravidão, esse ônus pessoal
derivado de uma injustiça histórica.
O governo brasileiro reconhece esse problema.
Está longe de resolvê-lo, mas tem investido em sua solução. Um dos instrumentos que utiliza são políticas de ação afirmativa.
Em 2002, o Itamaraty foi pioneiro em criar programas para a promoção do
acesso de afrodescendentes a cargos públicos federais. Com base nessas
ações, na semana passada, Mathias de Souza Lima Abramovic foi aprovado
na primeira fase do vestibular para a carreira diplomática como cotista
afrodescendente. No entanto, foi denunciado por ser branco demais.
Não conheço todas as etnias que se escondem sob os nomes Souza, Lima e
Abramovic, mas sei que a identidade de uma pessoa não é feita apenas de
elementos visíveis. Só Mathias sabe o preço que pagou por sua
afrodescendência. Até prova em contrário, prefiro acreditar em sua
boa-fé.
Alexandre Vidal Porto é escritor e diplomata. Mestre em
direito pela Universidade Harvard, trabalhou nas embaixadas em Santiago,
Cidade do México e Washington e na missão do país junto à ONU, em Nova
York. Escreve aos sábados, a cada duas semanas, no caderno "Mundo".
14/9/2013 14:43
Por Redação, com ABr - de Brasília
Vista aérea do Pão de Açúcar, um dos monumentos naturais do Rio de Janeiro, uma das cidades mais visitadas do país
Com base em dados preliminares da Polícia Federal, que consideram
apenas o ingresso pelos aeroportos internacionais, o Instituto
Brasileiro de Turismo (Embratur) divulgou que o número de
turistas que vieram ao Brasil cresceu 5,5% em agosto deste ano,
superando a média mundial da entrada de turistas estrangeiros, que teve
um aumento de 5% no mesmo período, de acordo com informação da
Organização Mundial do Turismo (OMT).
O aumento é de 17 mil visitantes do exterior em agosto. No total,
visitaram o país no mês 346 mil estrangeiros. Os dados ainda estão
sujeitos a revisão, informou o assessor econômico da Presidência da
Embratur, Leandro Garcia, pois não incluíram os números de estrangeiros
que entraram no país por via terrestre.
No ano passado, o Brasil, com 4,5% de visitantes do exterior, também
superou a média mundial de ingresso de turistas estrangeiros, que foi
3,8%. A Embratur está trabalhando com a expectativa de atingir, pela
primeira vez, um número próximo a 6,2 milhões de turistas estrangeiros
este ano.
Em termos de divisas, porém, os gastos dos visitantes estrangeiros
deverão ser menores em dólar, em razão da desvalorização do real ante a
moeda norte-americana.
– Vai haver crescimento, mas ele não será tão grande como o aumento na entrada de turistas pela desvalorização cambial – disse.
No ano passado como um todo, o movimento na economia brasileira
gerado pelos gastos dos visitantes estrangeiros alcançou US$ 6,6
bilhões. De acordo com a Embratur, os aeroportos de Brasília, do Rio de
Janeiro e de São Paulo apresentaram os maiores índices de entrada de
estrangeiros em agosto, da ordem de 8,7%, 6,7% e 5,2%, respectivamente.
México e Colômbia foram os países que mais enviaram turistas ao
Brasil em agosto, com incremento de 32% e 30,4%, respectivamente, em
comparação a agosto de 2012. Segundo o assessor econômico da Embratur,
os dois países têm se destacado no crescimento da entrada de turistas,
nos últimos meses. Na União Europeia, o Reino Unido exerce a liderança
entre os visitantes estrangeiros ao Brasil, com expansão de 15,1% sobre
agosto do ano passado. Seguiram-se França, com alta de 12,6%, e Espanha
(10,9%).
O maior número de turistas estrangeiros que vem para o Brasil,
tradicionalmente, são originários da Argentina e dos Estados Unidos,
disse Leandro Garcia. Não há, entretanto, dados fechados quanto ao
ingresso de argentinos em agosto, uma vez que a grande maioria dos
turistas daquele país costuma entrar no Brasil por via terrestre.
Considerando somente a via aérea, houve queda de 4% em relação ao mesmo
mês do ano passado. Também pelos aeroportos internacionais, entraram no
país 1,1% a mais de norte-americanos em agosto, informou Garcia.
Além do carnaval,
a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, leva a Embratur a projetar o
ingresso no país de 600 mil turistas estrangeiros somente no mês da
competição (julho), o que poderá elevar o total de visitantes do
exterior no ano que vem para 7,2 milhões.
– Será um salto de 6 milhões para 7,2 milhões – indicou Garcia.
Em meio ao sobe e desce da cotação do real em relação ao dólar nos
últimos meses e diante da expectativa de que a volatilidade continue, os
bancos decidiram suspender o pagamento de compras no exterior com
cartão de crédito diretamente em reais.
A alternativa, que serve para o consumidor tentar congelar uma
determinada cotação no ato da compra em vez de esperar a conversão que é
feita pelos bancos no fechamento da fatura do cartão, está sendo
sustada este mês.
Pelo menos três dos cinco maiores bancos de varejo do país (Bradesco,
Itaú e Santander) aderiram à orientação da Abecs, entidade que
representa o segmento de cartões.
Oficialmente, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica ainda avaliam se seguirão o os principais concorrentes.
O BB quer discutir a decisão com órgãos de defesa do consumidor no país. Mas, segundo a Folha apurou, a tendência é apoiar a Abecs.
Em carta a clientes, o Itaú alega que "muitas vezes o estabelecimento
[fora] deixa de informar que a compra continua sendo uma transação
internacional e será lançada na fatura em dólares, com incidência do IOF
de 6,38% e possibilidade de variação entre a cotação do estabelecimento
e a cotação da data de fechamento da sua fatura".
A mensagem do Bradesco diz que, a partir de setembro, "transações
realizadas no exterior diretamente em real não serão mais aprovadas".
A mudança não afetará compras nos free shops localizados em aeroportos
brasileiros porque toda a transação acontece dentro do país.
CONFUSÃO
Segundo Ricardo Vieira, diretor-executivo da Abecs, as operações no
exterior em reais provocavam reclamações dos clientes, que achavam a
cobrança indevida.
Um problema é o IOF (Imposto sobre operações financeiras) -muitos
clientes alegam que não devem pagar o imposto porque a compra foi
convertida para reais.
Pela regra brasileira, porém, toda compra com cartão de crédito fora do
país é sujeita à cobrança de 6,38% de IOF, mesmo que o valor de
conversão da moeda seja fixado no momento da compra.
Outro porém é que essas transações embutem uma taxa de administração
cobrada pelas empresas que processam a operação fora do país.
Numa situação hipotética, uma pessoa que comprou um sapato de US$ 100 no
exterior e optou por pagar no cartão de crédito uma quantia equivalente
a R$ 250 na hora da compra, por exemplo, não sabe que esse total
incluiu uma taxa de administração. Com isso, o valor efetivo do sapato
em dólar foi de US$ 103.
A confusão aumenta com a cobrança do IOF. Segundo os bancos, muitos
clientes dizem não reconhecer o valor e se recusam a pagá-lo.
Vieira afirma que o problema cresceu com a instabilidade cambial e,
sobretudo, com o crescimento das compras pela internet em sites no
exterior, muitos dos quais oferecem transação em reais.
VALDO CRUZ DIMMI AMORA SHEILA D'AMORIM
DE BRASÍLIA
Aposta do governo Dilma para recuperar a confiança da economia
brasileira e garantir a retomada do crescimento, o Programa de
Investimento em Logística falhou logo no seu primeiro teste.
Dos dois leilões de concessão de rodovias escolhidos para inaugurar o
programa, um deles, o trecho da BR-262 (MG-ES), não atraiu investidor.
Deu "vazio", no jargão.
O outro trecho, da BR-050 (MG-GO), registrou oito concorrentes interessados.
O número é o mesmo de interessados do último leilão realizado, em 2012. O
governo dizia contar com no mínimo cinco participantes, mas esperava
que houvesse mais de dez interessados.
O vencedor será conhecido na próxima quarta-feira.
IRRITAÇÃO
O fracasso parcial irritou a presidente Dilma Rousseff, que cobrou
explicações de sua equipe. Um assessor presidencial afirmou à Folha que até ontem o governo não tinha "nenhum indicativo" de que o resultado negativo pudesse ocorrer.
O ministro Guido Mantega (Fazenda) disse que foi a falta de interessados
foi uma "surpresa". "Você tem oito propostas para uma rodovia e nenhuma
para a outra. Então, deve ter tido algum problema que ainda não
detectamos." Segundo ele, pode ter havido algum problema de "natureza
política", que o governo ainda tem de avaliar.
Em primeira análise, a equipe acredita que não se trata de uma falha
generalizada do programa, mas de um caso "específico e localizado", já
que o leilão da BR-050 foi bem-sucedido despertou interesse. Este trecho
é considerado pelos empresários como um "filé".
O problema é que a BR-262 também era apontada pelo governo como outro
"filé" e havia sido colocada em leilão exatamente para garantir sucesso
pleno já na largada.
Agora, a ordem dentro do governo é "parar e entender as especificidades"
da BR-262 para evitar que isso contamine as próximas rodadas. O governo
planejava leiloar neste ano, além dos dois trechos de ontem, mais sete
rodovias.
Dentro do Palácio do Planalto, a avaliação é que uma das causas do
fracasso do leilão da BR-262 seria insegurança jurídica, provocada por
ameaça de políticos do Espírito Santo de entrar na Justiça contra o
leilão, por causa do valor dos pedágios, considerado muito elevado.
Outro ponto levantado por investidores seria o risco de o Dnit não
cumprir a sua parte na duplicação do trecho e isso não ser compensado
pelo governo no contrato.
Para o governo, porém, essa argumentação não faz sentido, porque, desde o
início das discussões com o setor privado, a participação do Dnit já
estava prevista e nenhuma empresa questionou.
O ministro César Borges (Transportes) disse que o governo tem a opção
agora de reabrir o leilão da BR-262 com os mesmos estudos ou refazê-los
para iniciar uma nova concorrência.
Há também a opção de retirar a rodovia do programa de concessões.
Borges afirmou que os outros seis leilões previstos para este ano estão mantidos.
"Não fico frustrado. Saímos empatados. Vamos para frente agora porque
queremos ser vitoriosos e o programa é importante para país."
O ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, deve
votar na uarta-feira a favor do recurso que garante um novo julgamento
para 12 dos 25 condenados pelo mensalão. A avaliação foi feita por
ministros da corte ouvidos pela Folha.
Em conversas reservadas, eles lembram que na primeira sessão do
julgamento do caso, em agosto de 2012, Mello fez uma defesa clara da
admissibilidade do recurso conhecido como embargos infringentes. Por
isso, seria difícil para ele tomar outra posição nesta fase do processo.
Alan Marques/Folhapress
O ministro Celso de Mallo, o mais antigo do STF, é dono da palavra final sobre novo julgamento do mensalão
Na avaliação dos ministros, Mello teria condições de mudar de opinião se
a discussão fosse sobre outra ação. Como a defesa dos embargos foi
feita na abertura do próprio julgamento do mensalão, o ministro não
teria espaço para mudar de ideia.
Editoria de Arte/Folhapress
Um colega de Celso de Mello lembra que o ministro apontou a existência
dos embargos infringentes como argumento para rejeitar um dos primeiros
pedidos feitos pelos réus, que queriam o desmembramento do processo para
que os acusados fossem julgados na primeira instância e tivessem a
opção de recorrer ao Supremo depois.
Para explicar a situação de Celso de Mello, um dos seus colegas usou uma
metáfora, dizendo que apertaram tanto o parafuso que ele ficou espanado
-uma referência aos duros votos dos ministros Marco Aurélio Mello e
Gilmar Mendes na última quinta-feira.
Em sua avaliação, se Mello mudasse de opinião, poderia ficar a impressão de que o fez por pressão dos colegas.
Na última sessão, ao citar a possibilidade de aceitação dos embargos
infringentes, Gilmar Mendes disse que a realização de um novo julgamento
significaria afirmar que o Supremo seria um "tribunal juvenil, de
irresponsáveis que não sabem votar".
Com o sentimento de que o jogo já foi jogado, ministros que foram
contrários à possibilidade de realização de um novo julgamento já dizem
que a sessão da última quinta-feira pelo menos permitiu que se
delimitasse o alcance dos embargos infringentes.
De acordo com o regimento interno do Supremo, é necessária uma
condenação apertada, com pelo menos quatro votos favoráveis ao réu, para
que embargos infringentes sejam apresentados.
A avaliação do grupo que deve sair derrotado é que alguns ministros
planejavam avançar e apoiar teses de advogados que atuam na defesa dos
réus -alguns acham que não seria preciso ter quatro votos a favor para
ter direito a um novo julgamento, o que poderia aumentar o número de
réus beneficiados.
Essa possibilidade, segundo os ministros, está afastada. Há a
expectativa de que Celso de Mello, em seu voto, seja específico a
respeito deste tema, limitando os embargos infringentes aos casos em que
os réus obtiveram no mínimo quatro votos a favor.
Apesar de constarem no regimento interno, uma lei de 1990 que regulou os
processos no Supremo e no Superior Tribunal de Justiça não prevê os
embargos infringentes. Na quinta-feira, a discussão sobre o tema acabou
empatada no STF, com cinco ministros a favor e cinco contra.
Se os recursos forem aceitos, ex-integrantes da cúpula do PT como o
ex-ministro José Dirceu e os operadores condenados em 2012 por organizar
o esquema do mensalão terão novo julgamento.
Dirceu, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza e os deputados
petistas José Genoino (SP) e João Paulo Cunha (SP) poderão ser
absolvidos de um dos crimes pelos quais foram condenados, ou ter penas
reduzidas.
Em sua primeira entrevista depois de quatro anos, Cristina Kirchner
disse que sua grande arma política são seus "feitos" e que os argentinos
vivem melhor agora do que há dez anos.
"O que aconteceu em 2003 [ano em que Néstor Kirchner foi eleito] que
você não podia consumir ou comprar um carro? Você era a mesma pessoa,
com as mesmas capacidades. O que mudou foi o país", afirmou. E
completou: "Alguns querem retomar a Argentina do passado porque a mão de
obra era mais barata."
A presidente argentina escolheu falar para o canal governista TV
Pública, em um programa dividido em duas partes. Os primeiros 30 minutos
da conversa dela com o jornalista Hernán Brienza foram exibidos na
tarde deste sábado (14).
Cristina também analisou o movimento político chamado kirchnerismo,
termo que ela não gosta de usar, como algo "difícil de explicar".
"Resisto em dizer que se passaram dez anos de kirchnerismo. Foram dez
anos de governo", disse. "É um fenômeno que tem a ver com a aparição de
uma Argentina que deu uma volta, que bebe do peronismo, mas também
incorporou outros setores."
Pablo Porciuncula - 12.jul.2013/AFP
Cristina Kirchner, presidente da Argentina, durante a Cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai, em julho deste ano
A entrevista de Cristina é vista como mais uma estratégia da mandatária
para recuperar os votos que sua aliança, a Frente para a Vitória, perdeu
nas primárias para o Legislativo do país, em agosto.
Muitos analistas e políticos de oposição dizem que se a derrota se
confirmar no pleito de 27 de outubro, será o fim de um ciclo do
kirchnerismo. "Todos têm o direito de questionar. Não me preocupa que
questionem minha liderança em um contexto democrático", disse. "A
realidade é a melhor defesa do nosso projeto."
A chefe de Estado também voltou criticar a mídia, sem citar nomes, a
quem acusa de uma tentativa de golpe --o governo briga na Justiça com o
grupo Clarín por causa da nova Lei de Meios do país.
"Há uma construção midiática de que o poder é o poder político, do
governo da vez, e que o presidente é quem tem mais poder. Na verdade, o
poder político é o que menos poder de fato tem, porque precisa de
validação e legitimação nas eleições", afirmou. "Há todo um mundo
construído pela mídia, não é que as pessoas sejam tontas, é que existem
monopólios midiáticos."
Assim que a primeira parte da entrevista acabou, o canal transmitiu ao
vivo a inauguração de uma obra em Río Gallegos, cidade dos Kirchner, com
a presença de Cristina. A segunda parte da conversa com a presidente
será exibida no próximo sábado, 21.
As autoridades costumam reagir a escândalos como se estivessem
brincando de batata quente: tentam livrar-se do problema e passá-lo à
mão alheia. Foi o que fez o Banco Central quando foram descobertos
desvios na intervenção do Banco Cruzeiro do Sul. O caso enxovalhou o
Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que se orgulhava de ter boa
reputação no mercado financeiro. Criado pelos bancos em 1995, para
evitar prejuízos a correntistas de instituições quebradas, o FGC
adquiriu outras funções com o passar do tempo. Agora, quando um banco
balança, ele entra em campo para emprestar dinheiro. Se não é
suficiente, trata de arranjar um comprador. Poderes tão amplos lhe
conferiram credenciais para assumir a gestão de bancos falidos. A
primeira vez em que isso aconteceu foi junho do ano passado, quando o
Banco Cruzeiro do Sul entrou em colapso. O BC interveio e nomeou o FGC
como administrador. Celso Antunes, então diretor executivo do FGC, cargo
equivalente ao presidente, assumiu o comando. Uma vez no Cruzeiro do
Sul, Antunes contratou uma microempresa de um antigo sócio seu para
prestar serviços multimilionários à massa falida. O negócio, revelado
por ÉPOCA em agosto, resultou na demissão de Antunes e de outro diretor
do FGC, José Lattaro.
Quando o escândalo estourou, o BC se disse surpreso, afastou os
envolvidos e abriu uma investigação. Caso encerrado? Não. Aparecem agora
provas de que a cúpula do BC conhecia há pelo menos 17 meses e em
detalhes o esquema montado pelos diretores do FGC nas liquidações
bancárias. Subordinados diretos do presidente do BC, Alexandre Tombini,
os diretores de Organização do Sistema Financeiro, Sidnei Marques, e de
Fiscalização, Anthero Meirelles, foram informados oficialmente e por
duas vezes das atividades de Antunes e Lattaro. Uma correspondência da
cúpula do FGC enviada à dupla relatou o curso das negociações para
contratação da empresa vinculada a Antunes. Outra carta enviada à área
de liquidações do BC detalha as gestões de Antunes e Lattaro e aponta a
possibilidade de essas operações serem enquadradas na Lei de Crime do
Colarinho Branco, como gestão temerária, e de incorrerem em violação de
sigilo bancário.
Toda a cadeia de comando da área de liquidações do BC acompanhou as
negociações conduzidas por Antunes e Lattaro. Pior: a troca de cartas
ocorreu três meses antes de o BC decretar a intervenção no Cruzeiro do
Sul e de nomear Antunes como administrador. Se o BC sabia das intenções
de Antunes e de seus colegas, por que o nomeou para essa função? Se não
enxergou conflito de interesses no fato de Antunes gerir um banco em
nome do fundo e de contratar um ex-sócio sem qualificação para fazer um
negocião, por que ele foi desligado depois? Se sabia do caso em março de
2012, por que só tomou providências em maio deste ano? Dois diretores
do BC esconderam as denúncias de Tombini ou ele as ignorou? “O
presidente não tinha conhecimento. O presidente e os diretores têm
alçadas diferentes”, afirma o procurador-geral do BC, Isaac Ferreira.
A liquidação de um pequeno banco carioca, o Morada, pode trazer
esclarecimentos tão valiosos quanto os de Ferreira. Se não explica as
razões que levaram o BC a fechar os olhos para as intenções dos
diretores do FGC, ao menos mostra como isso ocorreu. Dedicado à
exploração de crédito consignado, o Morada entrou em crise no início de
2011. Para se manter vivo, recorria a empréstimos do FGC. Em 28 de
abril, abriu no vermelho. O BC interveio e nomeou como gestor Sidney
Ferreira, que atuara nas crises do Banco Nacional e do Banerj. Cinco
meses depois, Sidney passou a ser assediado pelos diretores do FGC.
Lattaro levou a Sidney dois empresários interessados em prestar serviços
ao Morada. José Marcelo Brandão tinha uma empresa chamada M7 Cobranças
Ltda. Carlos Cesarini apresentou-se como proprietário de uma certa
Interbank Soluções Tecnologia e Serviços. Por que eles eram ciceroneados
pelo FGC? “A M7 foi contratada pelo FGC para prestar serviços de gestão
das carteiras (do Morada) logo após a liquidação”, diz o
presidente do Conselho de Administração do FGC, Antonio Carlos Bueno. A
resposta de Cesarini envolve o BC: “No Banco Morada, a pedido do Banco
Central, o FGC faria uma gestão no resto da carteira que tinha lá”.
No primeiro encontro, Brandão e Cesarini sugeriram ao liquidante Sidney
que os contratasse para administrar os créditos consignados do Morada.
Esse encontro e os subsequentes foram todos registrados por Sidney. Em
outubro, os empresários tiveram mais dois encontros com ele. Depois, a
conversa de Lattaro, Brandão e Cesarini mudou de rumo. Em vez de prestar
serviços ao Morada, eles queriam que o FGC comprasse os ativos do banco
e, depois, os contratasse para administrá-los. Uma proposta chegou a
ser enviada formalmente a Sidney por e-mail em 19 de outubro de 2011.
Uma semana depois, o FGC informou, também por e-mail, ter desistido da
compra.
Em meio a idas e vindas, o FGC e os empresários voltaram a falar em
prestação de serviços. Sidney recebeu, então, um contrato que ele
deveria firmar com o FGC. Em 19 de dezembro, Lattaro, Brandão e Cesarini
finalmente explicitaram seus planos: o Morada cederia os ativos ao FGC,
que contrataria Brandão para fazer as cobranças e Cesarini para
processar dados. Seriam remunerados com 3,5% do valor das prestações
pagas mensalmente pelos devedores dos créditos consignados. Seguiu-se
uma discussão de valores. Sidney alegou que os 3,5% eram mais do que o
lucro que o Morada tinha com as operações. Por isso, o rombo do banco
aumentaria, em vez de encolher. O trio reclamou que ele não entendera os
termos da operação. Sidney impôs outros obstáculos. Entre eles, exigiu
um portfólio da M7 Cobranças e da Interbank, provando que elas tinham
experiência nesse tipo de trabalho.
Como Sidney relutava em assinar o contrato, os diretores do FGC levaram
o caso a Brasília. Em 3 de fevereiro, Antunes enviou um e-mail ao chefe
do Departamento de Liquidações do BC, Dawilson Sacramento. Nele, pede a
Sacramento que “oriente” o liquidante a “permitir o início dos
trabalhos (...); liberar o acesso irrestrito às informações; prestar
todas as informações necessárias”. Dias depois, Antunes reuniu-se com
Sidney para lhe dar um ultimato. Teria uma semana para assinar o
contrato. Caso contrário, o FGC desistiria do negócio. A semana se
passou, e Sidney nada fez, apesar de cobrado pelo adjunto de Sacramento.
Em vez de assinar o papel, Sidney mandou ao FGC uma carta de seis
páginas, em que relata em detalhes suas reuniões com os empresários e
representantes do FGC. Elas foram acompanhadas por autoridades do
Departamento de Liquidações, enviadas de Brasília, ou pelos chefes dessa
área no Rio de Janeiro. A carta de Sidney vai além. Diz que o contrato
não encontra respaldo no estatuto do FGC, que Antunes e Lattaro não
tinham alçada para assinar esse tipo de documento e que a transferência
de dados dos créditos consignados para a M7 Cobranças nos termos
exigidos por Antunes e pelo atual diretor executivo do FGC, Fabio
Mentone, configuraria quebra de sigilo bancário. Sidney passa, então, a
apontar irregularidades graves.
Ele relata que a M7 Cobranças é uma
microempresa com R$ 1.000 de capital. Funciona na casa do próprio dono,
que não tem empregados, telefone nem cartão de visita. Sidney diz que,
se a contratasse, incorreria em crime de gestão temerária, descrito na
Lei do Colarinho Branco. A situação da Interbank não é melhor. Cesarini,
que se apresentava como dono, não aparecia como sócio no registro da
empresa na Junta Comercial. Em lugar dele, estavam seu filho e,
surpreendentemente, Antunes, do FGC. A empresa que estava registrada em
nome de Cesarini era a Interbank Consultoria em Informática, considerada
inapta pela Junta Comercial. Esse tipo de punição ocorre quando não há
declaração de Imposto de Renda. Com as seis páginas da correspondência,
Sidney enviou também um pequeno dossiê embasando suas afirmações.
A carta foi respondida no dia seguinte, 1º de março. A réplica não foi
assinada por Antunes, mas pelo chefe dele, Antonio Carlos Bueno. Por que
Bueno responde a denúncias feitas contra Antunes? Não está claro. O
destinatário também não é Sidney. Em vez dele, aparecem os diretores do
BC Sidnei Marques e Anthero Meirelles. Bueno deixa claro que anexou a
denúncia de Sidney às três páginas que escreveu à dupla do BC. Por que
os dois diretores? “Para deixá-los cientes das dificuldades que vínhamos
encontrando, decorrentes da quebra do Morada, e de seus efeitos sobre o
sistema financeiro”, diz Bueno, por meio de sua assessoria. No texto,
Bueno espinafra Sidney, responde às denúncias, defende Antunes e afirma:
“Não mais daremos continuidade junto àquele Banco ao trabalho
idealizado”. Trata-se de uma ameaça? “O FGC nunca fez nem faria ameaças a
ninguém”, afirma Bueno.
O lance seguinte foi dado por Sidney. Em 6 de março do ano passado, ele
enviou uma tréplica à Gerência de Liquidações do Rio de Janeiro. Os
diretores do BC Sidnei Marques e Anthero Meirelles são mencionados mais
uma vez no texto. Cinco dias depois de enviar esse documento, ele foi
demitido. No ato de sua exoneração, assinado pelo diretor Sidnei
Marques, consta que foi “dispensado, a pedido”. Questionado, Marques deu
outra explicação: “O Departamento de Liquidações me comunicou várias
razões para a substituição”, diz. Em e-mail a ÉPOCA, ele as enumera:
“Retenção de recursos de terceiros, falta de providências para entrega
das carteiras cedidas antes da liquidação, falta de formação do quadro
de credores”. Já que não foi a pedido, a demissão de Sidney tem relação
com as denúncias que ele fez? O BC afirma que não. E que providências os
diretores Marques e Meirelles tomaram a respeito dos alertas? Nada.
“Tendo sido comunicado pelo FGC de que aquela entidade não mais
conduziria qualquer trabalho de gestão das carteiras de crédito, nada
haveria (sic) de providência a ser tomada”, afirma Marques.
“Não havia providências a ser tomadas pela Diretoria de Fiscalização”,
disse Meirelles.
Outro funcionário aposentado do BC foi designado para a liquidação do
Morada, no lugar de Sidney Ferreira. Para assumir o cargo, Osmar Brasil
teve de deixar a liquidação de uma administradora de consórcio carioca, a
Libra, onde teve uma experiência pouco usual. Os sócios da Libra
apresentaram à Polícia Federal uma queixa-crime contra ele. Nela, Brasil
é acusado de peculato, adulteração de documentos e formação de
quadrilha. É comum que os liquidados se revoltem contra os liquidantes.
Curiosa foi a reação de Brasil: ele também apresentou uma queixa-crime.
Só que, na dele, os delitos são atribuídos a seus subordinados na Libra.
Na gestão de Brasil, Cesarini e Brandão finalmente assumiram os
serviços de processamento de dados e cobrança do Morada. Não foram
contratados diretamente pelo banco. Recorreram a uma triangulação. Seus
serviços foram pagos pelos bancos que tinham negócios com a IMS
Tecnologia e Serviços, sucessora da M7 Cobranças. De acordo com um
funcionário recrutado para trabalhar na liquidação do Morada, a IMS
recebeu R$ 25 milhões pelos serviços prestados. Cesarini não confirma o
valor. A mesma IMS recebeu R$ 70 milhões pelos serviços prestados no
Banco Cruzeiro do Sul. É um resultado espetacular, para uma empresa que,
um ano e meio antes, tinha R$ 1.000 de capital. O BC informou que esse
contrato já foi encerrado. Agora liquidante do Banco Rural, Brasil não
atendeu os telefonemas para comentar o assunto nem respondeu aos e-mails
com questões referentes ao Morada e ao Libra.
Integrantes da equipe que participou da liquidação do Morada relataram
que as gestões do FGC para a contratação da M7 Cobranças e da Interbank
foram acompanhadas por toda a cadeia de comando do Departamento de
Liquidações do BC. Os nomes dos funcionários subalternos que não constam
das correspondências foram preservados nesta reportagem. O mesmo
benefício não se pôde dar aos diretores Sidnei Marques, Anthero
Meirelles – ou ao presidente Alexandre Tombini. A carta enviada por
Bueno a Marques e Meirelles, com a denúncia de Sidney anexada, exige
explicações. O mesmo ocorre com as explicações dadas em carta por Sidney
a seus chefes. Esses dois documentos provam que o BC mentiu ao afirmar,
há um mês, que desconhecia irregularidades envolvendo a IMS. Por quê?
Funcionários públicos como os do BC são obrigados a tomar providências
quando informados de irregularidades. Nada fizeram. O BC diz que Tombini
não sabia de nada e que não tinha razão funcional para fazê-lo. É
crível que, numa diretoria de oito membros, dois tenham sido informados
de irregularidades que poderiam constituir crime e, em vez de dar
ciência ao chefe, tenham silenciado? Não há uma boa saída para a direção
do Banco Central.