Por
- iG São Paulo
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Fim de sistema que cruzava dados de contratos de câmbio e importações teria aberto brecha para suposta evasão de divisas
A
extinção de um sistema que cruzava informações entre contratos de
câmbio e contratos de importações seria a porta inicial para a criação
de um suposto esquema de evasão de divisas no País (envio de dinheiro
para o exterior, sem declará-lo), bem como a falta de fiscalização do
câmbio turismo e de remessas para o exterior, segundo fontes do mercado
que pediram anonimato.
Esse afrouxamento pode ter provocado
desvios e ter aumentado o número de contratos de importação
subfaturados, com preços de 30% a 40% abaixo do mercado, que viriam
principalmente da China, alertaram as fontes ouvidas pelo iG.
Encerrado
em 2007 – mas instituído ainda na década de 1980 –, o Sisbacen
(Sistema de Informações do Banco Central) inibia contratos duplicados,
cujas faturas poderiam ser bloqueadas em caso de suspeita de fraude. O
sistema eletrônico, sob gestão do Banco Central e ligado à Receita
Federal, passou para as mãos do Fisco e se tornou manual. Na época, o
argumento foi de que o País não necessitava de tanto controle em um
momento de boom econômico.
Ao contrário do cenário que se desenhava quando o
Siscomex foi descontinuado, a suspeita destas operações ilegais cresce
diante do atual movimento mais fraco de entrada de divisas no País –
déficit de US$ 12,9 bilhões no fluxo cambial registrado em 2013. Por
outro lado, as altas cifras do turismo de brasileiros no exterior
atingiram recorde no ano passado, de R$ 25 bilhões.
"Os
dados parecem suspeitos agora", diz uma fonte que interage com o
mercado. Questiona-se também se o volume de importações é realmente
efetivo, e se não existem duplicações.
A
falta de controle nos contratos de importações seria complementada pela
falta de regulação e fiscalização no mercado de câmbio e de remessas,
que pode fazer com que a diferença de valor dos contratos seja paga pelo
mercado oficial – por meio de remessas ao exterior, cujos envios também
podem ser multiplicados –, ou pelo mercado paralelo. Fala-se que a
prática seria realizada por corretoras e bancos, pessoas físicas e
jurídicas.
Já outra parte do mercado se diz refém da falta
de segurança gerada pelo citado esquema. Uma corretora de Porto Alegre
nega-se, há um ano, a realizar qualquer remessa para a China – tanto
envio como recebimento. Comenta-se entre operadores que a fiscalização
dos envios seria insuficiente, tanto pela Receita como pelo Banco
Central.
Apesar de trabalhar com a Western Union – responsável
pelas remessas internacionais –, a corretora afirma que se reserva ao
direito de tomar medidas adicionais de segurança.
Atualmente, não
existe cruzamento de CPF para quem realiza remessas para o exterior do
Brasil. Um mesmo cliente pode efetuar operações simultâneas em diversas
corretoras.
O mercado
internacional de remessas sofreu com o impacto da crise internacional em
2007. Mas, no Brasil, apenas os recebimentos dos recursos foram
afetados, com o retorno de brasileiros que trabalhavam no exterior antes
da crise. Os envios de dinheiro do Brasil para o exterior crescem a uma
taxa anual de 7% a 10% nos últimos anos. Em 2013, R$ 1,6 bilhão foram
enviados do Brasil na forma de remessas para outros países.
Entenda o caso
No
ano passado, corretoras verificaram operações atípicas em seus
sistemas, feitas por meio de remessas. Pessoas físicas dirigiam-se até a
instituição financeira com o objetivo de enviar dinheiro para outra
pessoa no exterior, o que é permitido pela empresa de remessas.
Porém,
foi identificado que diversas remessas eram enviadas para a mesma
pessoa física, que atuava como intermediária em contratos comerciais,
com o intuito de pagar a diferença de importações subfaturadas,
principalmente provenientes da China.
O envio comercial é
permitido por lei, mas não por meio de sistemas de remessas
tradicionais. Para esse tipo de envio, é necessário documentos
específicos, que poderiam dificultar uma operação ilegal.
Ação
Segundo fontes no mercado, o Banco Central (BC) já teria começado a agir e penalizado corretoras e bancos pela prática.
Procurado,
o BC diz, em nota, que supervisiona os procedimentos e controles
adotados pelos agentes autorizados a operar no mercado de câmbio visando
a aderência às normas cambiais. A Polícia Federal e a Receita não se
pronunciam sobre possíveis investigações em curso.