terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Mercado aponta desvios em contratos de importações e remessas no Brasil


Por Marília Almeida - iG São Paulo

Fim de sistema que cruzava dados de contratos de câmbio e importações teria aberto brecha para suposta evasão de divisas

A extinção de um sistema que cruzava informações entre contratos de câmbio e contratos de importações seria a porta inicial para a criação de um suposto esquema de evasão de divisas no País (envio de dinheiro para o exterior, sem declará-lo), bem como a falta de fiscalização do câmbio turismo e de remessas para o exterior, segundo fontes do mercado que pediram anonimato.

Esse afrouxamento pode ter provocado desvios e ter aumentado o número de contratos de importação subfaturados, com preços de 30% a 40% abaixo do mercado, que viriam principalmente da China, alertaram as fontes ouvidas pelo iG.

Encerrado em 2007 – mas instituído ainda na década de 1980 –, o Sisbacen (Sistema de Informações do Banco Central) inibia contratos duplicados, cujas faturas poderiam ser bloqueadas em caso de suspeita de fraude. O sistema eletrônico, sob gestão do Banco Central e ligado à Receita Federal, passou para as mãos do Fisco e se tornou manual. Na época, o argumento foi de que o País não necessitava de tanto controle em um momento de boom econômico.
Reprodução
Fair Corretora, em Porto Alegre, deixou de enviar remessas para a China há um ano
Ao contrário do cenário que se desenhava quando o Siscomex foi descontinuado, a suspeita destas operações ilegais cresce diante do atual movimento mais fraco de entrada de divisas no País – déficit de US$ 12,9 bilhões no fluxo cambial registrado em 2013. Por outro lado, as altas cifras do turismo de brasileiros no exterior atingiram recorde no ano passado, de R$ 25 bilhões. 

"Os dados parecem suspeitos agora", diz uma fonte que interage com o mercado. Questiona-se também se o volume de importações é realmente efetivo, e se não existem duplicações.

A falta de controle nos contratos de importações seria complementada pela falta de regulação e fiscalização no mercado de câmbio e de remessas, que pode fazer com que a diferença de valor dos contratos seja paga pelo mercado oficial – por meio de remessas ao exterior, cujos envios também podem ser multiplicados –, ou pelo mercado paralelo. Fala-se que a prática seria realizada por corretoras e bancos, pessoas físicas e jurídicas. 

Já outra parte do mercado se diz refém da falta de segurança gerada pelo citado esquema. Uma corretora de Porto Alegre nega-se, há um ano, a realizar qualquer remessa para a China – tanto envio como recebimento. Comenta-se entre operadores que a fiscalização dos envios seria insuficiente, tanto pela Receita como pelo Banco Central. 

Apesar de trabalhar com a Western Union – responsável pelas remessas internacionais –, a corretora afirma que se reserva ao direito de tomar medidas adicionais de segurança.

Atualmente, não existe cruzamento de CPF para quem realiza remessas para o exterior do Brasil. Um mesmo cliente pode efetuar operações simultâneas em diversas corretoras.

O mercado internacional de remessas sofreu com o impacto da crise internacional em 2007. Mas, no Brasil, apenas os recebimentos dos recursos foram afetados, com o retorno de brasileiros que trabalhavam no exterior antes da crise. Os envios de dinheiro do Brasil para o exterior crescem a uma taxa  anual de 7% a 10% nos últimos anos. Em 2013, R$ 1,6 bilhão foram enviados do Brasil na forma de remessas para outros países.


Entenda o caso


No ano passado, corretoras verificaram operações atípicas em seus sistemas, feitas por meio de remessas. Pessoas físicas dirigiam-se até a instituição financeira com o objetivo de enviar dinheiro para outra pessoa no exterior, o que é permitido pela empresa de remessas. 

Porém, foi identificado que diversas remessas eram enviadas para a mesma pessoa física, que atuava como intermediária em contratos comerciais, com o intuito de pagar a diferença de importações subfaturadas, principalmente provenientes da China. 

O envio comercial é permitido por lei, mas não por meio de sistemas de remessas tradicionais. Para esse tipo de envio, é necessário documentos específicos, que poderiam dificultar uma operação ilegal. 


Ação


Segundo fontes no mercado, o Banco Central (BC) já teria começado a agir e penalizado corretoras e bancos pela prática. 

Procurado, o BC diz, em nota, que supervisiona os procedimentos e controles adotados pelos agentes autorizados a operar no mercado de câmbio visando a aderência às normas cambiais. A Polícia Federal e a Receita não se pronunciam sobre possíveis investigações em curso. 


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